quarta-feira, 17 de março de 2010

Oficina de Materiais: Diálogos com as Novas Tecnologias

Um dia, uma professora universitária, bem antenada na questão das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (as chamadas TICs), vendo um dos meus materiais artesanalmente produzidos, que eu mostrava a uma outra professora, comentou comigo: “nossa que coisa antiga, não? Bonitinho, mesmo, mas antiguiiiiiiinho... Porque você não cria um software?”
Pois é, da idéia do software, até gostei, ficaria interessada em me juntar a uns jovens entendidos dessas coisas de programação e recriar o material que produzo com papel, duplex, cola e tesoura, para a tela de um computador. Tenho até umas ideias do que eu precisaria que o programa fizesse, só não sei concretizar. Aliás, nem sei se é exequível... E eu precisaria também de um fera em artes gráficas, design, quiçá um bom ilustrador. Pois eu seria exigente, e queria um software esteticamente bem feito, sem cores saturadas e desenhos toscos, infantilizados, que vi, muitas vezes, em material como esse. Queria que fosse belo, bem ilustrado, bom de se ver. E o queria também considerando as perspectivas de ensino e aprendizagem que defendo, e que embasam os materiais que confecciono – bonitinhos, mas antiguinhos. Essa parte do comentário, evidentemente, não gostei. Nem bonitinho – pois bonitinho é consolo de feio, e sei que o que faço é esteticamente muito bem apresentável, embora artesanal – nem antiguinho, pois para muitos é uma boa nova, já que a “nova” das Novas Tecnologias é uma coisa que ainda não chega a se anunciar, nem de longe muitas vezes, em muitos contextos escolares do nosso país.
Em tempos de tecnologias da informação e comunicação, muito se discute e se propõe em termos de materiais didáticos interativos, softwares educativos, games, ambientes on-line, CD-Rom ou o uso da web como fonte de aprendizagem*. Muitas coisas interessantes são criadas e possibilitadas pelo mundo digital, outras nem tanto. Não questiono isso, nem acho que não se deva lutar para mudar a situação, para que as escolas tenham os equipamentos e a formação para usar as TICs - e usá-las não apenas de modo instrumental, mas como cultura. Sem desconsiderar a importância dessas discussões e propostas, cabe refletir sobre a realidade da nossa escola pública, que pouco tem, efetivamente, se beneficiado em termos de acesso a tais ferramentas. E, cá para nós, muitos já estão defendendo esse pedaço, posso eu cá defender um outro, não? Pois... Os materiais artesanais podem, sim, fazer a festa de muitas turmas e de muitas crianças e de muitos professores, e ser aliados interessantes da prática pedagógica.
Dispondo ao menos de editor de texto e até da ferramenta da internet – especialmente para a pesquisa de imagens – muito podemos pensar em termos de produção de material de alfabetização para uso imediato, hoje, em nossas salas de aula. E mesmo sem tudo isso! Meus primeiros materiais eram produzidos na “mão grande” mesmo. Um salto estético pode ser dado quando dispomos de recursos capazes de fazer com que simples materiais “saltem aos olhos” e seduzam alunos e professores, contribuindo para o enriquecimento de seu acervo de materiais e de atividades a partir deles.
Os materiais que produzo e ensino a produzir e a usar não saltaram aos olhos da professora de TICs (mas ela até achou bonitinho!), mas é que ela, como muitos, está no pedaço que costuma não validar o que não lhes parece condizente com a utopia – por ora, e bem intencionada – da democratização do acesso às tecnologias, a cultura digital e a suas ferramentas. Nós, professores do Ensino Básico, no entanto, sabemos que “o buraco é mais embaixo”, e enquanto o computador não chega ou não passa de um elefante branco numa sala, sem acesso ou acesso limitado, devemos arregaçar as mangas e fazer o melhor de nós para apresentar iguarias de outra natureza para nossos alunos. E mesmo quando cheguem. Competem? Será? Eu, particularmente, acho a interação que favorecem, que é de outra natureza em relação à tal interatividade do digital, muito valorosa e insubstituível. 

E são tão bons de preparar e usar!

E olha que nem entrei em outra vertente da crítica que se pode esboçar quanto a uma concepção de escola em que tudo tem que ser da ordem dos resultados, do útil, da produtividade, da inovação, com urgências de preencher qualquer aparente "vazio" ou silêncio com apetrechos e ocupações, e todo um léxico mercadológico, corporativo. A questão tecnológica também foi cooptada por esse discurso e, portanto, acho necessário despirmos nossa fala de afirmações peremptórias, ditas sem parar para refletir o que estamos mesmo defendendo, quando há essas cooptações. Não que eu esteja condenando a tecnologia em si, mas a forma como se aciona esse discurso quando se fala da escola. Prestemos atenção! 
Bom, antes que me rebatam, é bom dizer: depois de algum tempo desse episódio, uma outra professora da área das TICs, pelo contrário, achou os materiais bem legais e a ideia do software também, mas sem desvalorizar meus joguinhos de papel. Quem sabe ela não me ajuda, né, se um dia eu decidir investir nisso. Mas acho que não...apesar das críticas que tenho ao que há no mercado nesse sentido.
Embora também já tenha estado em projeto de projeto, demorado a nascer, a certeza que eu sempre tive é que, caso eu investisse nisso e tivesse condições para tal, a sua concepção dependeria inteiramente do que temos aprendido e do uso que temos feito - e que continuaremos fazendo - desses outros materiais da idade do papel, cola, tesoura, duplex...
Assim, mãos à obra, professores!!!

* Oito anos depois do post e já não falaríamos mais em software, mas em aplicativos...para tablets, celulares... É tudo muito rápido...Mas eu...eu continuo cortando papel...rsrsrsrsrs... e muito distante de querer mudar isso. (15/05/2018)

10 comentários:

  1. Oi,
    Um sotware pode ser muito legal, se for mesmo possível fazer com os mesmos princípios que embasam os jogos, como você quer. Mas os joguinhos de papel, palpáveis, independente das máquinas, são mesmo muito legais. Não acho que uma coisa substitua a outra. Pelo menos não tão já!
    Quero fazer a oficina também!
    Silvana

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  2. Oi, Silvana,
    É como penso.
    Chegará o dia de voltarem as oficinas!
    Enquanto isso, preparo novos joguinhos e kits bacanas.
    Um abraço,
    Lica

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  3. Oi lica adorei todo esse material apresentado por você e ja vou tambem fazer uma oficina com meus colegas .Abraços

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  4. Oi, Anônimo,
    Você não assinou, não sei quem és...
    Em todo caso, obrigada e boa sorte!
    Lica

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  5. Concordo com você, Lica,
    Uma coisa não inviabiliza a outra.
    Seus materiais são muito bons, e certamente você faria um bom material digital a partir das ideias do material "real". Só precisaria de uma equipe, um projeto, um financiamento.
    Torço por isso, ganharemos nós, pois mais gente poderá ter acesso a bons materiais para alfabetizar.
    Obrigada por seu blog,
    Maria Alice

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  6. Olá, Maria Alice,
    Só hoje vi seu comentário...
    Isso mesmo, eu precisaria de uma equipe, um bom artista gráfico, designer, para fazer com uma qualidade estética bacana e um cara das tecnologias, que pudesse operacionalizar as ideias que tenho, inclusive de interatividade. E, lógico, financiamento.
    As ideias existem, e agora seria um aplicativo para tablet, com touch screen. Já pensou que chique?
    O governo quer distribuir tablets nas escolas, mas temos muito pouco material desenvolvido especificamente para essa tecnologia...
    Poderíamos ter um projeto de material para alfabetização, heim?
    Bom, mas...vão torcendo!
    Beijos,
    Lica

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  7. OLÁ LICA QUANTO ESTÁ A OFICINA E QUAL É O LIMITE DE PESSOAS.SERIA PARA A ZONA OESTE DO RIO...SOU FÃ DE SEU TRABALHO!!!!!!!!!!

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  8. Oi, Beta,
    Tudo bem?
    Ver isso depende de muitas coisas.
    Me escreva no email
    oficinasdealfabetizacao@hotmail.com.
    Assim podemos conversar melhor.
    Abçs,
    Lica

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  9. A idéia de um software é até interessante, mas, digamos: - não tem o charme que um bom material artesanal tem.

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  10. Oi, Anônimo...
    Eu bem que concordo com você, sim...
    Mas nos tempos de hoje, cairia bem também ter uns aplicativos bem feitos, seguindo a linha dos materiais.
    Não acho que um retire o charme e a funcionalidade do outro. Conviveriam bem, assim penso...
    De todo jeito, sou fã mesmo das coisinhas artesanais e acho que haverá espaço para elas, ao menos até quando eu viver para ver...
    Lica

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