sábado, 28 de julho de 2012

Livros Ilustrados

Oi, gente,

Hoje eu quero falar um pouquinho sobre alguns livros ilustrados muito bacanas.

Os livros ilustrados aos quais me refiro não são necessariamente todos os livros de literatura infantil, que geralmente são ilustrados, trazendo diversos tipos de relações entre o texto e a imagem. São livros ilustrados no sentido mais específico dos picturebooks ou álbum ilustrado/livro-álbum, conforme discute Ramos (2011). Nos livros ilustrados em questão, a relação texto-imagem é essencial para a construção do sentido, a informação visual é essencial para completá-lo e não apenas ilustrativa do que diz o texto verbal. Considero aqui os livros ilustrados, como os considera Linden (2010), aqueles em que a qualidade expressiva é dada essencialmente pelo elemento visual e o sentido pela apreensão simultânea dos elementos da relação texto-imagem. No caso de livros só com imagens, sem texto, são chamados de livro-imagem. No livro ilustrado, texto e imagem possibilitam leituras integradas, complementares, inteligentes, desafiando o leitor e surpreendendo-o a cada página.

A ilustração é, sem dúvida, constitutiva da literatura infantil em geral, gênero sempre artisticamente pensado na relação entre as duas linguagens, verbal e visual. A ilustração não é nunca um mero adereço, mas a relação entre elas e o papel da imagem na construção do sentido pode variar muito. Mais do que qualquer outro livro infantil, a ilustração nesse tipo específico de livro a que me refiro, tem um papel ainda mais importante, definindo o sentido da leitura. A  ilustração nunca se apresenta como uma simples "tradução” da linguagem verbal para a linguagem visual; o sentido está justamente na relação híbrida entre essas duas linguagens. A imagem divide com a palavra o espaço da página possibilitando um modo particular de contar e de ler a história, na qual se entrelaçam de modo complexo as linguagens verbal e visual. 

Bom, se a linguagem visual tem um papel muito importante nesse tipo de livro, é natural que elementos da linguagem visual sejam considerados. Nos livros que quero indicar hoje, os autores brincam com um elemento muito importante da linguagem visual, que é o enquadramento. O enquadramento é o resultado de escolhas dos elementos que vão aparecer na cena apresentada, o que será visível. Pode-se, assim, a depender do efeito que se quer criar, enquadrar toda a cena, parte dela, um detalhe, enfim, várias possibilidades que definem os planos. O plano é a maneira pela qual se enquadra uma imagem para obter determinado efeito, com determinado objetivo, como realçar uma cena, uma expressão, chamar a atenção para um detalhe, um objeto, uma situação, dentre muitos outros. Há vários tipos de planos: plano geral, plano de conjunto, plano médio, close e plano detalhe. 

O plano geral mostra amplamente todos os elementos da cena, uma paisagem ou cenário completo. No plano de conjunto o personagem ou objeto retratado aparece inteiro em um ambiente específico ou mostra-se um grupo de personagens/objetos. No plano médio, um trecho do ambiente é mostrado, com pelo menos um personagem/objeto em quadro, aparecendo da cintura para cima ou do joelho para cima (plano americano). No close, enquadra-se o rosto do personagem. Por fim, o plano detalhe mostra uma parte do corpo de um personagem ou objeto, ou apenas um objeto que foi destacado de uma cena. Esses são os planos quanto ao enquadramento. Na linguagem visual existem ainda muitos outros planos e elementos referentes a outros aspectos.

Nos livros que quero indicar aqui, os autores brincam com alguns desses planos e enquadramentos, propondo charadas visuais ao leitor, que, ao virar a página ou a aba numa página, tem a charada solucionada. Bom, vejamos os livros. 

O primeiro livro é "Os Bichos também sonham", de Andréa Daher e Zaven Paré, da editora WMF Martins Fontes. A partir da pergunta: "Com o que os bichos sonham quando dormem?" e do sonho do tamanduá, os sonhos dos diferentes bichos que vão aparecendo em close vão se emendando aos outros, através das dicas, tanto no texto, quanto na ilustração - através de planos de detalhe dos bichos que protagonizam os sonhos dos anteriores - num encadeamento sucessivo. E no fim, o tamanduá, que começou tudo, também acaba por ser um sonho de algum outro bicho, fechando o círculo.

O livro, assim, brinca com o close - close do animal que sonha - e o plano detalhe, para dar a dica do animal que é objeto do sonho do outro... e assim por diante. O plano detalhe sugere, dá a pista visual, reforçada pela pista verbal e, ao virar a página, o bicho que era sonho aparece em close, pronto para sonhar com outro bicho... Vejam aqui: 

Os bichos também sonham 

O outro livro é "Onde eles estão?", de Fernando Vilela, da Brinque-Book. Nesse livro há um jogo entre animais grandes e pequenos, pois os pequenos estão sempre ali, mostrados por inteiro, na maioria das vezes em grupo, numa superfície que, ao virar a aba da página, se revela o animal grande (ou uma flor, em um dos casos). Assim, em uma página lemos.."Os peixes pegam carona..." e, abrindo a aba: "nas asas das arraias". As "asas" das arraias, que pareciam ser a água do mar, aparecem então por inteiro, revelando-se.



Diferentemente do outro livro, não há informação verbal que também dê pistas do que será revelado, e a informação visual é bastante discreta e ambígua, tornando o desafio de tentar adivinhar e a surpresa muito maiores. Na verdade, a imagem esconde e revela ao mesmo tempo as novas possibilidades a cada página. Esconde por não nos mostrar o todo onde estão os animaizinhos, e por, por vezes, sugerir uma coisa que depois revela-se outra. E revela ao nos fornecer um pedacinho, uma dica, uma cor... mas revela escondendo, já que prega uma peça, fazendo, às vezes, parecer uma coisa que não é. Por exemplo, carrapatos sobrem em uma aparente montanha, que enfim se revela a corcova de um camelo.

E esse jogo de revela-esconde é dado pelos diferentes enquadramentos. O enquadramento vai do micro ao macro, mostrando planos diferentes a depender do ponto de vista: o plano de conjunto para o animal pequeno é, ao mesmo tempo, o plano detalhe para o animal grande (ou o girassol) e depois abre-se um plano de conjunto também para o grande, revelando-se a charada. O livro, assim, apresenta oito charadas visuais, desafiado o olhar, nos fazendo aprender a olhar...

Esse livro de Fernando Vilela é de uma coleção intitulada, justamente, "Surpresa", que conta com mais dois livros, no mesmo estilo: "Eu vi!" e "O disfarce dos animais".


Sobre o "Eu vi!", podemos ler no site da Brinque-Book: "Todos nós podemos ver formas fantásticas na natureza, nas asas, nos pelos ou nas escamas de alguns animais. Neste livro, cada página revela uma surpresa para você". Então, eis uma das charadas visuais:





O "Disfarce dos animais" traz a temática do disfarce, da camuflagem. Os animais se escondem por vários motivos, seja para se proteger, sobreviver, para se esconder de seus predadores, seja para surpreender suas presas. Alguns animais têm disfarces naturais, como o camaleão, que muda de cor. Outros se escondem em carapaças ou misturando a sua cor com a cor do ambiente, outros encontram formas de chegar sorrateiramente... O urso polar, por exemplo, esconde seu nariz preto com as patas brancas para se disfarçar na neve...



Bom, gente, é isso. Vou pesquisar mais livros com essas surpresas. Ah, tem também as narrativas visuais, sem texto, nesse mesmo princípio, como um livro-imagem do mesmo autor, Fernando Vilela, chamado "A Toalha Vermelha", muito bonito, em que as imagens vão fazendo o papel de uma lupa e a história vai seguindo...Bem como o conhecido livro-imagem "Zoom", de Istvan Banyai. Ambos da Brinque-Book. 

Podemos até pensar também em alguns materiais a partir desses livros indicados aqui, mas por enquanto eu indico apenas a leitura deles. Mas em si já são um grande jogo visual! Por ora indico uma atividade de produção muito bacana de um livro de revela-esconde, proposto no site Kids Indoors (site muuuuito bom!), que pode ser produzido como um livro único (cada livro, um livro), pensando bem em que detalhes da imagem vão ser reveladas na fenda recortada, ou pode ser um livro reutilizável, como é sugerido lá. Confiram! Já fiquei pensando aqui em fazer uns temáticos...

É preciso aprender a ler considerando as imagens, a ler a imagens... e a imagem tem sua linguagem própria, traz elementos peculiares para a constituição do sentido. Como a linguagem visual é algo muito importante e pouco explorada no trabalho com a leitura, sugiro abaixo alguns livros que podem ser interessantes para o aprofundamento nesse tema. 

Um abraço a todos,
Lica

LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 3.ed. São Paulo: Contexto, 2004.
OLIVEIRA, Ieda de (Org.). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra, o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008
OLIVEIRA, Rui de. Pelos jardins de Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
RAMOS, Graça. A imagem nos livros infantis: caminhos para ler o texto visual. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
SOUZA, Luciana Coutinho Pagliarini. A Trama do Texto e da Imagem: Um Jogo de Espelhos. São Paulo: Annablume, 2010

4 comentários:

  1. Oi! Adorei seu blog! Obrigada pela lembrança! Já estou te seguindo!
    Abração, gisele
    www.kidsindoors.com

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  2. Oi, Gisele,
    Que bom, adoro o seu também!
    Bjs,
    Lica

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  3. Lica, Lica...
    Você sempre surpreendendo...
    As dicas são ótimas, mas sua análise dos livros e a ligação que vai fazendo entre eles, melhor ainda.
    Quando eu crescer, quero ser igual a você...rsrsrs.
    Bjos,
    Leila

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  4. Rsrsrs!
    Oi, Leiloca, e você sempre fã, né? Mas não é assim, não... A literatura é que nos tem presenteado com essas obras de arte para crianças, com esses livros que cuidam muito do aspecto estético, tanto da palavra quanto da imagem... e da relação entre essas linguagens. Já foi o tempo que se acreditava que para criança a imagem deveria ser coisa de linhas definidas e cores básicas saturadas. Ainda bem!
    A sensibilidade da criança agradece... e a nossa também!
    Tem muita gente boa fazendo ilustração em literatura infantil e outras tantas fazendo boas reflexões sobre isso.
    É só a gente se inspirar!
    Bjão,
    Lica

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