quarta-feira, 5 de junho de 2019

SOBRE O MÉTODO DE 20 PÁGINAS E 5 PASSOS – Parte 2


As 5 etapas
Depois da Introdução dessa série, chegamos às milagrosas 5 etapas! São, segundo ele, etapas que antecedem o princípio alfabético, e tomadas como exercícios prévios necessários à tomada de consciência dos fonemas, algo que, de fato, como ele diz, é abstrato para as crianças. Então, para que possam chegar nisso, precisam passar por tais etapas:

1ª Etapa: Leitura partilhada
2ª Etapa: Memória auditiva de curto prazo
3ª Etapa: Consciência de frases e palavras
4ª Etapa: Consciência silábica
5ª Etapa: Consciência fonêmica

Prestem bem atenção nisso, etapas que antecedem o princípio alfabético. Vamos a elas, desconstruindo essa ideia de novidade e de segredo que as escolas não revelam, que as professoras e pedagogas não sabem, e que poderia revolucionar o ensino – revelação que garante aos pais alfabetizarem seus filhos! (sic!).

1ª etapa – Leitura partilhada
O que ele chama de leitura partilhada, após uma anedota supostamente “reveladora” que teria acontecido com ele (merecia carinhas gargalhando...não dá para não rir...vão lá ler), é os pais lerem para as crianças pequenas, que ainda não sabem ler com autonomia... Oxe, e qual a novidade disso??? E onde é que leitura para e com os filhos é etapa de alguma coisa? Já começa por aí... Chamar de “etapa” reduz muito o que é essa rica prática de leitura. 
Muitos autores já vêm tematizando a leitura literária na primeira infância, seja do campo da leitura literária, seja do campo da educação, inclusive construtivistas e sociointeracionistas que ele odeia. Tem os que focam, inclusive, a leitura para bebês. E é uma prática, justamente, de letramento e formação leitora. Mas ele vem com orientações instrumentalizadas que torna essa prática potente em um mero passo-a-passo, receituário de botica, que não dialoga com a vasta bibliografia que discute a escuta da leitura na infância, especialmente a leitura literária. E é um campo vastíssimo! E claro, ele ainda desconsidera a enorme diversidade de famílias, silenciando completamente sobre a realidade brasileira em que muitas crianças não têm esses pais que tenham condições de ler para as crianças. Ah, esqueci! Ele está falando só para a família do comercial de margarina...
Bom, é digno de nota que ele ressalta, nessa prática (que ele chama de etapa), apenas o léxico, a aprendizagem de novas palavras e de estruturas frasais mais complexas, pois isso teria ressonância na compreensão da leitura bem depois... Essa escuta de histórias, evento de letramento fundamental na infância, tal qual sublinhado por diversos autores, tem um papel muito mais importante do que esse. Sim, a escuta de histórias como ação permanente é fundamental. Trata-se de formação leitora, trata-se de se apropriar do discurso escrito, da linguagem e textualidade próprias aos textos escritos em gêneros diversos, de diferenciar a linguagem oral da escrita (ainda que oralizada), de ampliar a compreensão de textos via oralidade, de se apropriar de comportamentos, procedimentos e estratégias de leitura, tão bem discutidos por Lerner (2002), Rojo (2004) e Solé (1998), e que eu discuto nesse artigo. Sim, porque a via é oral, mas o texto lido é linguagem escrita! A única referência, rasa, a algum aspecto textual, é a menção, na página 23, à apropriação de estruturas frasais mais complexas, não presentes nas interações cotidianas. Bela redução! Frase solta não é texto, justamente, não necessariamente. Fora isso, nada! Nada disso tudo elencado aí entra no rol de aprendizagens envolvidas nessas práticas. O Guia fica apenas em orientações e prescrições chulas e rasas, meio bobocas, e irresponsáveis até, quando diz, por exemplo, que a leitura tem que ser todo dia, como se isso fosse uma tarefa antibiótica, e não fazê-lo comprometeria todo o programa. Com isso, essa prescrição rígida, traz a orientação para o terreno do não plausível, do irreal, do prescritivo sem fundamento. Leitura frequente, né? Não significa seguir uma bula. Muito menos de antibiótico.
De todo modo, ainda que tome essa escuta da leitura de modo muito limitado, o que ele ressalta não deixa de ser do âmbito do letramento – querendo ele ou não. A escuta de histórias na infância é evento de letramento emergente. Ou seja, são orientações que, paradoxalmente, se relacionam com o que ele abomina: letramento, práticas sociais de leitura, etc.
E também revela a contradição com sua bandeira de que os pais podem levar a cabo essa tarefa. Que pais? Fora do mundinho Doriana dele, precisamos da escola, né, já que nem todas as famílias podem cumprir com essa missão. Como diz Ângela Kleiman (1995), a família é a agência de letramento mais potente nesse letramento emergente, e o letramento não se dá apenas na escola mesmo, mas a responsabilidade da escola é imensa, principalmente quando as famílias não oportunizam um rico contato com as práticas de leitura e escrita, devido aos inúmeros problemas sociais que nosso país enfrenta – inclusive devido a babacas como ele, que acha que o mundo é só para uns.
Duas coisas precisamos constatar: primeiro, até aqui, nenhuma novidade...ler para as crianças é admitido como fundamental há muito tempo, e tomada como prática muito além de uma etapa; segundo, até aqui nada disso tem relação com a apropriação do sistema de escrita, com o princípio alfabético (lembrem que ele diz que são etapas prévias para chegar a esse princípio...). Ele está, sem querer, é dizendo que essa prática letrada é fundamental, hahahaha!
A única coisa que ele ressalta é que essa leitura partilhada é “uma espécie de trampolim entre a leitura em voz alta e a leitura silenciosa”. Diz ele: “quando seu filho começar a ler livros sozinho, o desempenho dele será muito parecido com o que ele tinha enquanto escutava histórias” (p. 22). Primeiro, gostaria de saber mesmo o que ele está dizendo aí e que base “científica” ele tem para essa afirmação... Depois, se tem esse trampolim, é justo porque as crianças aprendem sobre o discurso escrito, aprendem as estratégias de compreensão leitora (via oralidade), aspectos que se relacionam, justamente, com o letramento, com os aspectos socioculturais e interativos (ou facetas, como refere Magda Soares) da apropriação da escrita, e não dos aspectos propriamente linguísticos da alfabetização (notação do sistema e sua base fonológica). Justamente o que ele critica... Mas ele não leu Magda, não é? Bem como todo o campo teórico sobre a formação leitora.
Pois...sem mais...

2ª etapa – Memória auditiva de curto prazo
Memória auditiva de curto prazo – uma etapa? Kkkkkkk, só rindo mesmo! Essa “etapa” é uma farsa completa. A memória de trabalho e a memória verbal de curto prazo são, evidentemente, fundamentais para desenvolver a atenção consciente na apropriação inicial da leitura, mas daí a ser traduzida nessas situações artificiais de condução pelos pais, há uma grande distância! O fato desse aspecto cognitivo estar na base dos processamentos envolvidos na aprendizagem da leitura, da transformação de sinais gráficos em linguagem, não significa, diretamente, de forma tão simplória, explorá-lo dessa maneira bizarra que o Guia propõe. Tudo o que é dito aí é desenvolvido nas brincadeiras e nas interações sociais naturais na família, na escola, e em todos os grupos sociais dos quais participam, entre as crianças, entre crianças e adultos. Brincadeiras como “Boca de forno”, “Mamãe posso ir”, dentre outras, inclusive as de faz de conta, são muito mais ricas e significativas em termos de obedecer a comandos do que ordens aleatórias, sem nenhum sentido para a criança. Além disso, nas interações reais cotidianas, isso acontece a todo momento – para que criar situações fakes para treinar essa memória? Ah, lembrei, gostam de fakes, gostam de treino, gostam de coisas sem significado...

Não é necessário nem desejável criar situações artificiais de emissão de comandos para isso e tampouco colocar esse item como “pré-requisito” para aprender o sistema alfabético. Para que “treinar” essa memória, se ela é base das interações reais??? Balela!

É bizarro demais. Vira um Guia de cumprir um passo-a-passo e passar adiante, tudo muito aligeirado, tudo muito mágico. Quantos comando desses os pais devem fazer, Nadalim? Felizmente, para as crianças, como a orientação é vaga, provavelmente os pais vão passar rápido por isso, e seguir adiante...E as respostas das crianças, claro, não terão nada a ver com o “exercício”, mas com o que já sabem fazer, por terem aprendido...vivendo... interagindo...
E depois, se for considerar essa coisa ampla como etapa precedente, que se relaciona com diversos outros aspectos do desenvolvimento cognitivo, teria muitas outras a considerar, não é? Claro que a memória é fundamental para se aprender a língua escrita (como tudo o mais), mas a memória de longo prazo também é importante...e as tantas outras competências cognitivas, funções executivas, que também se relacionam à aprendizagem da leitura e da escrita... Por que elegeu só essa?  Se ela vai a esse tão amplo, tem tantas outras coisas...
Além das funções executivas, cadê o desenvolvimento da linguagem oral e dos processos de compreensão de discursos orais? E a função simbólica – diretamente associada à escrita? Nem uma menção...né? Como defendem Luria e Vygotsky, a função simbólica relaciona-se ao que chamam de pré-história da escrita! O gesto, o desenho, os rabiscos, o faz de conta...tudo isso contribui para o desenvolvimento da função simbólica – essencial para se compreender um sistema de representação simbólica, que é a escrita alfabética. Instrumento cultural complexo, a escrita envolve signos (de segunda ordem) e, portanto, o desenvolvimento da função simbólica de primeira ordem é essencial. Cadê as orientações para desenvolvê-la?
Até aqui nos perguntamos: é isso o guia mágico, inovador, o segredo guardado a 7 chaves pelas escolas?
Vamos às etapas propriamente linguísticas para ver se o segredo, a novidade, finalmente, vêm...

3ª etapa – Consciência de frases e palavras
A primeira observação é a que já fiz – vemos aqui proposta de situações artificiais quando há tantas possibilidades de brincadeiras e interações linguageiras reais que dão conta dessas aprendizagens. A criança brinca com a língua, e muitas de suas brincadeiras já dão notícias de sua incipiente capacidade de manipular a linguagem para provocar o riso, justamente por saber, ainda que inconscientemente, que o enunciado proferido não cabe, fazendo, justamente, a graça acontecer... A coerência sintática e semântica de enunciados verbais, bem como a identificação de itens lexicais podem ser provocadas nessas situações e mesmo em situações pedagógicas mais controladas, mas sem perder de vista os uso reais ou lúdicos da linguagem.
Ou seja, o que precisa mesmo, meu caro, é que as crianças possam brincar e se relacionar com outros sujeitos na escola, em casa e em outros grupos sociais, especialmente no caso de famílias com poucas condições de proporcionar essas interações e brincadeiras. Seja em conversas sobre livros, histórias, atividades cotidianas, outros textos e sobre os programas culturais dos quais participam, brincando com a língua, ou nas vivências da cultura lúdica infantil, tudo isso pode acontecer de modo significativo, natural, nas experiências de linguagem, e não em situações artificialmente fabricadas, robotizadas. E se as crianças já têm isso em suas interações familiares, as orientações artificiais serão meras constatações frias e vazias de que sabem avaliar a gramaticalidade de uma frase... Coitadas dessas crianças! Que tédio aprender e/ou interagir com a linguagem assim, toda fragmentada, toda sem vida, toda maltratada, toda regrada, toda fatiada...
Prefiro brincar de substituições, inversões e invenções, como “Quem cochicha, o rabo...encurta!”, “Quem cochicha, o rabo...cochila”, “Quem espicha, o rabo cochicha”; “Foi à cadeira e perdeu a feira...”; de transgredir cantigas "Atirei um gato no pau..."; de cantar “O meu chapéu tem 3 pontas”; de substituir as palavras em “Quando digo Digo digo digo, não digo Diogo...” por outros pares, como alto/baixo, por exemplo: “Quando digo alto, digo alto, não digo baixo...”; e tantas outras situações que, brincando com as combinações e seleções, os eixos dos sintagmas e paradigmas, no contexto de brincadeiras orais não regradas ou as ritualizadas da cultura lúdica infantil, garantem o riso amplo e a aprendizagem sobre a gramaticalidade dos enunciados e a consciência de itens lexicais.
Bom, mas vamos aos outros argumentos. Eles também me impelem a imaginar as barbaridades que pais sem formação fariam a partir deles...
É fato que a consciência lexical e a sintática são importantes para a apropriação da língua escrita. Mas essas atividades metalinguísticas estão longe de ser expressas de forma simplória como saber “o que é uma frase e, principalmente, que a frase se compõe de uma sequência de palavras”, como Nadalim abre essa parte.  
A orientação dele para “ensinar o que é frase” é hilária:
“Você pode definir frase de modo bem simples, dizendo que é uma breve historinha, e oferecer o seguinte exemplo: “João foi à feira.” Depois de perguntar à criança se ela entendeu a frase, interrogue-a: “Mas que foi que João fez?”. Seu filho responderá: “Foi à feira.” Em seguida, faça esta outra pergunta: “Quem foi à feira mesmo?”. E ele dirá: “João”.
Desse modo a criança entenderá que a frase conta uma pequena história sobre quem faz e o que é feito. Aqui se está ensinando, na verdade, a noção de sujeito e de predicado. Para a pergunta: “Quem fez isto?” ou “O que fez isto?”, a resposta será o sujeito; e para a pergunta: “Que ele fez?”, a resposta será o predicado. A criança adquire assim a noção de que a frase é uma história curtinha, geralmente composta de duas partes” (p. 24). 
Ora, ora, caro youtuber, e o que uma criança pequena quer com a definição de frase, com aprender sujeito e predicado? Até porque é uma definição parcial, chula, de frase, e em situações sem nenhuma coerência com o que é, de fato, consciência sintática. A consciência sintática  envolve a habilidade de refletir e manipular mentalmente a estrutura gramatical das sentenças, mas no Guia essa habilidade é simplificada ao extremo. E que tal falar da consciência sintática e semântica, que andam muito juntas? Já aí, muitas outras brincadeiras possíveis... Porque, sinceramente, à “frase” “Mas que foi que João fez?”, será mesmo que o filho responderá: “Foi à feira.”? E se ele responder: “João comprou melancia!”, resposta muito mais plausível para um sujeito que está buscando o sentido da linguagem (porque é o que as crianças buscam, os sentidos ou a graça com os significantes...) do que preocupado em aprender o conceito de frase. Aliás, um conceito complicadíssimo o de frase... A consciência sintática em situações orais certamente é fundamental para aprender a língua escrita, mas daí a reduzi-la a "entender" que frase é uma historinha, me poupe, viu? A experiência com a linguagem oral, em si mesma, contribui para desenvolver o senso de gramaticalidade de enunciados, e o julgamento mais metalinguístico através de transgressões lúdicas dessa gramaticalidade não tem preço nesse desenvolvimento. Muito longe dessas prescrições bobocas desse Guia.
Daí, das “frases” ele passa à consciência de palavras, dizendo que “as frases na mente das crianças estão coarticuladas, uma palavra com outra, de modo tal que elas não conseguem segmentar as frases”. Bom, em parte, podemos fazer certa concessão a essa afirmação, mas ela é imprecisa, ainda assim. É a fala que é articulada, que quer dizer que é segmentável em diversas unidades. Não é a frase num embaralhamento na mente das crianças, e muito menos nesse modo de dizer quase infantil. Mas digamos que aceitamos a afirmação, ok, interpretando-a como a realidade articulada da fala. Ele conclui: “Por isso é importante praticar os exercícios de tomada de consciência das palavras que compõem as frases”, simplificando também a consciência lexical ao extremo, identificando-a com contar palavras – e como as crianças vão saber o que são as palavras, Nadalim? Você mesmo não disse que elas são “coarticuladas”?
A questão aí é que, justamente, na corrente contínua da fala, essas unidades “palavras” não são facilmente identificáveis por sujeitos ainda não alfabetizados, ou seja, os sons se combinam na enunciação oral, e as palavras se combinam entre si de forma que não as percebemos como unidades, não saibamos detectar facilmente suas fronteiras. Experimente saber onde começam e terminam as palavras enunciadas oralmente numa “frase” em língua estrangeira, que você não conhece...
A consciência lexical envolve a habilidade em segmentar a linguagem oral em palavras, seja aquelas com função semântica (que possuem um significado independente do contexto, tais como os substantivos, adjetivos, verbos), seja aquelas com função sintático-relacional (que adquirem significado apenas no interior de sentenças, como as conjunções, preposições, artigos). Só que para desenvolver a consciência lexical, é necessário que a criança tenha estabelecido critérios gramaticais de segmentação da linguagem. Entretanto, segundo pesquisas indicadas por Barrera e Maluf (2003), isso só parece ocorrer de modo sistemático por volta dos 7 anos de idade. As autoras dizem, baseadas em Linnea Ehri – como elas pesquisadora da ciência cognitiva da leitura –, que antes disso, embora as crianças sejam capazes de produzir e compreender enunciados, seu conhecimento lexical é implícito e inconsciente. Ou seja, onde estaria isso de que a consciência lexical é anterior ao princípio alfabético? Até porque, ele está defendendo o ensino desse princípio já na Educação Infantil. Contraditório, não é? Pesquisas mostram é que há pouca correlação entre consciência lexical e apropriação do funcionamento alfabético e, quando há, há muitos outros aspectos em jogo. Ademais, a consciência de unidades menores mais globais como as sílabas contribuem também para o desenvolvimento da consciência lexical. Além de tudo disso, como podemos aprender a partir de Gombert (1990), dentre outros – inclusive autores também do campo da ciência da leitura – as relações entre consciência fonológica, sintática, semântica, lexical e morfológica são bem mais dinâmicas do que essa hierarquia rígida que Nadalim coloca, como “etapa precedente” e treino para, magicamente, adquirir essa “consciência” do que é frase e palavra. Se há certas hierarquias entre essas capacidades metalinguísticas, muitas pesquisas mostram, no entanto, que elas mais se “embaralham” do que se enfileiram, como querem os que gostam de simplificações.
É fato que a consciência lexical e a sintática são importantes para a apropriação da língua escrita, mas isso não é, necessariamente, prévio à consciência de unidades menores. Várias pesquisas mostram, justamente, que a consciência explícita da unidade lexical se dá, justamente, com aprendizagem da escrita, e não previamente. Sim, a fala é coarticulada e é justamente a escrita que consolida a noção de “palavra”. Não há isso de ter que ter consciência de todas as palavras para poder aprender o princípio alfabético. Prova disso é que muitas crianças, mesmo já tendo passado pelo processo inicial de alfabetização e já considerando o princípio alfabético, ao escreverem textos aglutinam diversas palavras, especialmente as sintático-relacionais, que são aglutinadas às que têm função semântica. Ou seja, são aprendizagens concomitantes e não uma precedente à outra. Certos níveis de habilidades metalinguísticas, seja de ordem lexical ou sintática, certamente precedem a apropriação da escrita, e podem ser verificadas entre crianças não alfabetizadas, mas a alfabetização é que as desenvolve, em grande medida, especialmente a consciência lexical.
Vejam o que dizem Barrera e Maluf (2003, p. 501), lembrando que Regina Maluf fez, brevemente, parte da Secretaria da Alfabetização de Nadalim:
Ou seja...o que ele diz não tem substância nem na perspectiva que ele assume como sua – a da ciência cognitiva! Vejam, estou referindo a autoras alinhadas ao que ele diz defender, não aos de outras concepções... Acho que até aquelas teriam vergonha alheia disso tudo...
Soma-se a tudo já discutido, um modo de enunciar nesse Guia que dá a entender que se o pai faz um pouquinho, o/a menino/a já aprendeu!!! Mágica! Pois...como tá lá, é bem o que vai acontecer. Quase um ensino da metalinguagem, depois de forçar a barra para o/a menino/a dar a resposta esperada, como ele mesmo diz: “[...] utilizando inicialmente frases curtas, você pedirá que seu filho diga quantas palavras há na frase. Por exemplo: “Paulo pulou” (ao pronunciar, faça uma pequena pausa entre as palavras). A criança deverá responder: ‘Duas’” (p. 24-25). E se não responder, Nadalim? (???). Tá preparado para isso? Os pais estarão? (!!!). Ah! Contam as palavras porque os pais vão falar cada uma bem separadinha ou ajudados por elementos concretos, para contar menos abstratamente... Affe, me poupe, viu?! Essa pausa indicada aí – artificializando duplamente a língua – já dá a resposta, né? Está querendo ensinar a língua ou a contagem??? Fiquei em dúvida!
A simplificação, que reduz o que é complexo, rico, amplo a algo fragmentado, técnico, mágico, nesse passo-a-passo rígido, nessa situação idealizada (em que a criança deverá responder o esperado), não é apenas uma estratégia para “falar para pais”, é um total charlatanismo, de quem não conhece nem mesmo o campo ao qual diz se filiar – a ciência da leitura.
É muito, muito importante aí, nessa discussão, também diferenciar o que é procedimental, espontâneo, implícito, epilinguístico, do que é declarativo, consciente, explícito, metalinguístico, no que se refere aos conhecimentos fonológico, lexical e sintático manifestos pelas crianças. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e o modo de abordar esses conhecimentos, em diferentes momentos, precisa considerar a criança! A brincadeira epilinguística e a conscientização metalinguística gradual dos aspectos formais e estruturais da linguagem oral não têm que ser um rol de exercícios, de treinos, de estudo enfadonho...
Para terminarmos essa discussão com refrigério, sugiro assistirem minha fala no Ceale Debate, sobre textos poético-musicais da tradição oral na alfabetização, em que abordo a reflexão metalinguística de forma significativa, no contexto das práticas lúdicas infantis.
No próximo post, aqui, vamos falar das etapas 4 e 5, mais diretamente relacionadas à alfabetização, que é a consciência silábica e fonêmica...Pensa que vai melhorar?