sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Alfabetização ameaçada

Olá, gente,

Gente, saiu um texto meu, intitulado Alfabetização ameaçada, no dia 21/02/2019, no jornal A Tarde, que circula aqui na Bahia, sobre a situação da alfabetização nesse governo, em especial a partir da indicação do secretário da alfabetização do MEC, Carlos Nadalim.

As declarações anteriores, quando da indicação, o silêncio de agora e as informações desencontradas sobre os rumos da alfabetização nas políticas públicas - bem como os grandes interesses envolvidos - exigem que continuemos alertas. E de nós, especialistas, exigem que busquemos todos os canais possíveis de manifestação, para que a discussão não fique apenas entre nossos pares.

Divulgo aqui a página do jornal com o texto e o texto completo eu posto abaixo, para maior nitidez de leitura. 



O texto na íntegra, com a referência abaixo:

Alfabetização ameaçada

Liane Castro de Araujo, professora da Faculdade de Educação – UFBA - lica@ufba.br

O Brasil segue, certamente, com o desafio de reduzir os índices de analfabetismo, que envolve condições fundamentais, como a valorização do profissional docente e o investimento na estrutura das escolas públicas. A solução para a questão não é simplória, esses desafios exigem esforços muito maiores do que a questão do método de ensino, como insinua Carlos Nadalim, secretário da alfabetização no MEC.

Nadalim é um youtuber que fala de alfabetização, sobretudo, para os pais, prometendo soluções simples e instrumentais para alfabetizar os filhos em casa, com o argumento de que a escola, supostamente “colonizada” pelo “viés ideológico” do construtivismo, letramento e “método global” – tudo isso confundido como uma coisa só – não está dando conta da tarefa. Sua parca experiência em educação vem de uma pequena escola privada, propriedade de sua mãe. Certamente, não conhece a escola pública e não tem nenhum compromisso com as crianças e famílias de classes menos favorecidas, com poucas oportunidades de convívio com práticas letradas. Seus argumentos irônicos de desqualificação de autores consagrados com os quais não concorda revelam uma miscelânea de diferentes perspectivas, atacadas como se fossem uma coisa só – o que achata um campo que é complexo, reduzindo-o a uma disputa binária. A solução apontada? Utilizar o “seu método”, uma farsesca novidade que nada mais é do que um requentado método fônico, divulgado por ele nas redes, com inúmeros equívocos teóricos, reduzindo a língua escrita a um código e o ensino à transmissão de conteúdos a partir de um passo a passo que qualquer um poderia aplicar. Tal proposição é uma afronta à escola, aos professores, à universidade que os forma, e aos especialistas que não sejam aqueles alinhados a sua perspectiva. 

O campo da alfabetização é um campo de conflitos e disputas de concepções, e falta a ele saber-se defensor de uma delas. Ao contrário, apresenta-se, arrogantemente, como o portador da verdade última, única solução legítima para os problemas da alfabetização no Brasil. E coloca-se “fora” da ideologia. Porém, qualquer proposta de alfabetização tem, subjacentes, perspectivas epistemológicas e sociopolíticas, mesmo o tecnicismo aparentemente mais neutro. A linguagem e a alfabetização não existem desvinculadas da vida social. O neotecnicismo aí defendido é ideológico, alinha-se a uma perspectiva tecnocrata, ultraneoliberal na educação, com foco no desmonte progressivo das instituições de ensino e na "confusão" proposital entre pensamento crítico e comunismo. Tudo isso associado à chance, há muito buscada pelos defensores do método fônico, de cavar seu lugar nas políticas públicas e nos contratos editoriais milionários.

Publicado em 21/02/2019 no jornal A Tarde, Salvador/BA, na página A3


O texto foi replicado pelo Jornal da Ciência, publicação da SBPC, aqui.

Para quem quiser saber mais sobre a discussão, ver as entrevistas a Magda Soares, em que ela desconstrói argumentos do secretário, tanto quanto à questão dos métodos, quanto relativo ao ataque que ele faz ao letramento. Aqui na Nova Escola e na Carta Educação.

Para saber sobre o Manifesto da Associação Brasileira de Alfabetização - ABAlf, junto com mais de 100 grupos de concepções diversas de alfabetização, ligados a diversas instituições, ver aqui. E, se concordar com seu teor, assine a petição! Precisamos de muitas vozes!

Por ora é isso...mas em breve postarei aqui outras coisas sobre o assunto, certo?

Precisamos fortalecer o campo das concepções e das práticas para fazer face a esse momento complicado das políticas públicas de alfabetização - como, aliás, de qualquer outra, nesse governo.

19 comentários:

  1. Primeiro: estou chocada que o carinha do canal Como Educar seus Filhos tenha virado Secretário de Alfabetização. Segundo: eu não tenho conhecimento sobre o assunto, mas vi alguns vídeos desse rapaz mostrando como ensinar alfabetização em casa. Li alguns comentários dos pais e muitos deles mostraram interesse em iniciar o processo de alfabetização dos filhos por conta própria. Teve um vídeo em específico que me chamou a atenção porque ele falava que já poderia alfabetizar as crianças a partir dos 4 anos. Contudo me surgiu uma inquietação: muitos teóricos sinalizam que a Educação Infantil não é para alfabetizar, mas para desenvolver globalmente as habilidades dos alunos. Nesse caso essa alfabetização antecipada não acarreta malefícios para as crianças?
    Aline Rocha
    EDC B85 Alfabetização e Letramento
    Turma: Noturno (Quinta-feira)

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    1. Oi Aline,

      A alfabetização para mim é um processo. Oferecer inputs às crianças contribuem para esse processo. A criança é um livro branco, ou seja, tem muita capacidade de absorver. O que seria essa alfabetização antecipada na sua opinião?

      Janete Reis - EDCB85

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    2. Meninas,
      Tudo depende ao que estamos nos referindo quando falamos em "alfabetização". Se estivermos nos referindo ao processo sistemático de ensinar de forma explícita o funcionamento alfabético, a resposta é uma. Se estamos considerando como todo o processo de reflexão sobre a notação da língua,, a resposta é outra.
      Antecipar sistematizações, de forma muitas vezes mecânica, que passa por cima dos modos próprios das crianças pensarem (porque elas não são tábula rasa, um livro em branco...), pode sim ser um tiro na culatra. Mas incentivar as crianças a pensarem sobre a linguagem escrita, seja em termos da cultura escrita, das práticas letradas das quais participa, seja sobre o funcionamento do sistema de signos da escrita, aí sim, é algo importante de garantirmos na Educação Infantil Até porque, a escrita é uma prática sociocultural que faz parte da vida delas e sobre a qual elas pensam.
      Pensem nisso!

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    3. Janete, merece desenvolver mais suas argumentações sobre a temática! Vamos lá?
      Liane

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    4. Janete,o Nadalim fala de alfabetizar mesmo, adquirir as habilidades de ler e escrever. Ele cita essa questão do brincar na Educação Infantil e deixa claro que as atividades do seu curso são para alfabetizar através de brinquedos invisíveis, que são as palavras. Pelo o que eu entendi, esse brinquedo invisível é só um pretexto para alfabetizar porque ele fala das parlendas e depois diz que as utiliza para trabalhar os fonemas.
      Aline Rocha
      EDC B85 Alfabetização e Letramento
      Quita-feira 18:30 - 22:10

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    5. Ele tem mestrado em educação. ele só quer combater o analfabetismo funcional de crianças e pessoas que lecionam em universidades públicas. Youtuber é apenas uma maneira de expandir o conhecimento.

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    6. Anônimo, não sei a quem me dirigir, mas você viu a Dissertação dele? O artigo único e fake que não está, efetivamente, na revista que ele indica, e que é uma revista não qualificada, além do artigo ser completamente incompreensível? Ter um diploma nem sempre é garantia. Na Universidade não há docentes com analfabetismo funcional, entramos por um concurso bastante criterioso. "Ele só quer" é muito raso e até ingênuo como argumentação. Ele era Youtuber sim. E dos ruins. E a tão propagada experiência dele em alfabetização era apenas com uma escolinha de bairro pertencente à mãe dele. Uma pessoa que ignora o campo da alfabetização no Brasil e torce as pesquisas internacionais não tem bala na agulha para achar que pode combater o analfabetismo funcional de crianças nem valida o "ele só quer".

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  2. Um assunto para ficarmos alertas, como profissionais da educação não podemos permitir que a alfabetização seja vista com irresponsabilidade e por profissionais não preparados com fins exclusivamente políticos. Mácia Oliveira - EDCB85 2019.1

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    1. Com certeza, Márcia.
      Mas vamos desenvolver mais a argumentação, ampliar a discussão, se colocar mais?
      Vamos lá!
      Liane

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  3. O processo da alfabetização é base para o desenvolvimento não apenas das habilidades acadêmicas de uma pessoa, mas da aquisição de habilidades, capacidades para a vida. Refletir sobre e pensar projetos de lei e propostas que ampliem nosso horizonte educacional, certamente ampliaria nossos índices educacionais. O que vejo são mais exigências e menos investimentos sólidos para a alfabetização do nosso pais.

    Janete Reis - aluna UFBA EDCB85

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    1. Com certeza, Janete, a alfabetização e o letramento são processos que extrapolam as exigências das práticas escolares. Têm a ver, e muito e completamente, com as práticas sociais.
      Pode ampliar e esclarecer mais sobre que exigências e investimentos você fala? Exigências de quê? Investimentos em quê?
      Vamos tentar ser mais precisos em nossos argumentos, para que eles possam ter a força argumentativa que pretendemos - pois com certeza a forma vaga de colocar por escrito não corresponde à forma contundente com que você analisa a situação. Tente!
      Liane

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  4. É muito complicado, o cenário da educação no nosso país. A alfabetização é se não o mais importante processo da educação básica, é daí que começa os pilares para o crescimento dos alunos, sejam elas crianças ou adultos. Dessa forma, acredito que temos que ter muito cuidado com o que se fala sobre esse tema "alfabetização" tem que ter cuidados estudos e principalmente atenção à esse público, infelizmente querem tratar disso, como uma fórmula, uma mágica, isso me preocupa, pois sabemos que não é tão simples assim, o trabalho do professor é árduo e continuo. Ao pensar em toda essa questão, sei que preciso ler mais sobre o Nadalin, seu escrito “Como educar seus filhos" e entender mais sobre essa onda do homeschooling ,há muitas coisas acontecendo que nós estudantes da área, precisamos entender pra saber se posicionar principalmente porque vem muita coisa por aí. EDCB85 – Hortência Marinho.

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    1. Isso, Hortência!
      Vocês precisam entender direitinho esse cenário todo, para estarem a par dos novos movimentos nesse sentido, fundamentarem esses conhecimentos e fortalecerem discursos e práticas. Espero que nosso curso possa ser uma importante referência nesse sentido.
      Vamos que vamos!

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  5. Jhenyfer Ferreira (EDCB85)20 de março de 2019 às 11:21

    As críticas de Nadalim são voltadas ao método global de alfabetização e propõem uma metodologia que privilegia o Neotecnicismo, apoiado num discurso ideológico tecnocrata e ultraneoliberal. Seus seguidores apontam Paulo Freire, nome consagrado na educação brasileira, como comunista, por seu método de alfabetização contextual que põe os sujeitos como agentes ativos de seus processos de aprendizagem, dispondo da significação da palavra por meio do contexto social ao qual os sujeitos estão inseridos. Nadalim e seus seguidores fazem uma “confusão” proposital entre pensamento crítico e comunismo para atingir, na verdade, as vertentes globais advindas da proposta construtivista de ensino e aprendizagem.
    Segundo Magda Becker Soares, o indivíduo alfabetizado conhece o código linguístico, enquanto o indivíduo letrado é capaz de articular o código pois interpreta-o, de maneira contínua; é capaz de conhecer os gêneros textuais, suas respectivas relevâncias, ainda, ao que estão dispostos e se propõem a comunicar. Isso só é possível quando esse indivíduo tem contato com práticas sociais de leitura e escrita, práticas essas que demandam interpretações, dessa forma, é possível afirmar que práticas sociais de leitura e escrita e interpretação cognoscente são indissociáveis, e que além de conhecer o código é imprescindível que os sujeitos aprendam a interpretá-lo, o que caracteriza o letramento. Imersão, interpretação, domínio e prática.
    O método fônico, defendido por Nadalim, significa partir dos sons correspondentes às letras. Como explicitado por Magda Soares, representa o ensino de uma mecânica transposição da forma sonora da fala à forma gráfica da escrita. O insucesso do método se dá pelo fato de que a escrita não é uma transcrição da fala e alfabetizar a partir dos sons iniciais das letras é insuficiente e restrito. Palavras que rimam pois soam fonicamente similares, mas que são arranjadas de maneira descontextualizada não podem ser plenamente interpretadas.
    Com a proposta de aplicação de um passo-a-passo generalista (fórmula mágica fônica), sem considerar as especificidades dos sujeitos, fica bastante perceptível que a motivação, dos defensores do método fônico está relacionada a interesses econômicos.
    Se pensarmos, por exemplo, na inclusão de alunos surdos em escolas regulares como propõe a Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, art. 24 do decreto nº 3.298/99 e a Lei nº 7.853/89, a alfabetização e o letramento por meio do método fônico é inviável.

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    1. Jhenyfer Ferreira (EDCB85)20 de março de 2019 às 11:41

      Pequena correção

      Se pensarmos, por exemplo, na inclusão de alunos surdos em escolas regulares como propõe a Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, art. 24 do decreto nº 3.298/99 e a Lei nº 7.853/89, a alfabetização e o letramento por meio do método fônico são inviáveis.

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    2. Oi, Jhenyfer!
      Isso, boas reflexões!
      É impressionante como distorcem as perspectivas das referências que criticam, para caber em seus argumentos.
      Só precisa deixar essa terminologia "código". Sim, os métodos tradicionais, em especial os sintéticos, tratavam a língua como um código, mas, justamente, o que ela NÃO é. Trata-se de um sistema complexo, historicamente estabelecido, não um código. Além de, claro, uma prática social.
      O método fônico passa por cima, também, das variedades linguísticas...

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  6. Respostas
    1. Obrigada anônimo(a)! Só sei que é ou foi aluno/a...rsrsrs

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