terça-feira, 13 de setembro de 2022

Produção de recursos didáticos no LAP: processo de avaliação e validação.

Comecei a produzir jogos e materiais didáticos há muito tempo, muito antes da UFBA, do BLOG, do LAP. Mas hoje, esse trabalho, muito mais fundamentado, elaborado e compartilhado com outras pesquisadoras, faz parte das minhas atividades de ensino, pesquisa e extensão na FACED/UFBA, no âmbito da atuação do LAP - Laboratório de Acervos e Práticas. Hoje, todas as propostas envolvendo experimentar, criar, produzir, avaliar, validar e mobilizar didaticamente esses materiais de ensino na práticas alfabetizadoras, fazem parte das ações do LAP.

Assim, para contextualizar a discussão sobre a produção de recursos do LAP, é importante conhecer o laboratório, seus acervos de recursos, as oficinas envolvendo essa dimensão material - aspectos que foram brevemente abordados nas postagens anteriores aqui no blog. Aqui fala do LAP e aqui apresenta os recursos didáticos dos acervos do LAP e depois falarei mais das oficinas, resumidas nesse post. Você pode também acessar as redes sociais do LAP: Instagram e Facebook e o artigo no V CONBAlf 2021. Há também apresentações em vídeo sobre o LAP em alguns eventos, especialmente a mesa no Congresso da UFBA, onde falo do LAP e há o lançamento da Rede AlfaLABS e a apresentação do LAP no Ceale Debate - Laboratórios de Alfabetização, que conta, também com a apresentação dos outros laboratórios da Rede, veja aqui a Playlist. Na BIO do IG do LAP tem também esses links, sempre atualizados. No nosso livro, que está no forno e sairá em breve, também tem um capítulo sobre o LAP e os outros laboratórios, atualizarei a informação aqui quando estiver publicado. 

O LAP - Laboratório de Acervos e Práticas, da FACED/UFBA, desenvolve ações permanentes ligadas a sua dimensão material, envolvendo a experimentação, análise, criação, produção, avaliação, validação e a mobilização de recursos didáticos. A produção de materiais para alfabetizar em oficinas se dão para compor o acervo do próprio LAP, para compor acervos de seus participantes, estudantes, docentes, interessados em geral. Em situações formativas, seja para atender a situações reais da prática pedagógica (em contexto de pesquisas, estágios, dentre outras), seja em situações em que se parte de conteúdos e objetivos de aprendizagem para conceber um recurso, os acervos são mobilizados em articulação mais direta com a dimensão didático-pedagógica do LAP. Na verdade, os recursos envolvem as três dimensões do laboratório, já que também há em seus acervos, jogos e materiais ludopedagógicos a partir do repertório da tradição oral. 

As oficinas da dimensão material do LAP podem ser de três tipos: 

  • Oficinas de mobilização dos recursos do LAP (acervos diversos agregado no laboratório ou os recursos produzidos em seu contexto), com análise e discussão sobre suas potencialidades didáticas e /ou planejamento de estratégias a partir deles e em articulação com outras estratégias;
  • Oficinas de produção de recursos dos acervos produzidos no próprio LAP (os participantes farão seus kits de recursos dos materiais desenvolvidos no LAP, ou antes do LAP, mas agregados a ele depois);
  • Oficinas de criação de novos recursos (desde o planejamento do recurso, a partir de alguma situação real de sala de aula ou a partir de conteúdos e objetivos de aprendizagem definidos.

Além dessas, oficinas de planejamento didático podem ser ofertadas, bem como outras situações formativas envolvendo o desenvolvimento de estratégias didáticas a partir desses recursos, ressaltando-se as mediações, a combinação com outras estratégias, a avaliação das situações propostas. A dimensão material se articula à dimensão didática sempre, pois é inerente à própria concepção de recurso didático, tal qual discutido em Araujo (2018). Mas há situações formativas que articulam de forma mais contundente e direta as duas dimensões (junto com a dimensão simbólico-cultual também, como já dito). A própria produção e avaliação de recursos envolve, sempre, a reflexão sobre seus usos didáticos, ainda mais, em um contexto formativo, em que tais procedimentos estão articulados a ações de formação para a docência em alfabetização. Temos, assim, há algum tempo, discutido sobre o papel da produção de recursos didáticos na formação inicial de professores. Recursos didáticos o são na medida em que articulados a objetivos de aprendizagem e às estratégias didáticas mobilizadas no planejamento e na ação docente. Dessa forma, a dimensão material não se separa da dimensão didática. Os saberes teóricos e didáticos precisam se articular ao processo de produção de materiais, pois essa produção não é uma mera confecção de apetrechos concretos, a própria confecção do recurso, de seus usos potenciais, implicam em pensar em seus aspectos didáticos. 

O LAP promove também ações de planejamento e desenvolvimento de estratégias didáticas a partir de repertórios culturais, como a literatura e a tradição oral, se articulando também à dimensão simbólico-cultural. O uso planejado de recursos em contextos reflexivos, significativos, lúdicos e letrados, nas práticas alfabetizadoras, é um campo que venho estudando e discutindo há mais de vinte anos.  

Bom, dito tudo isso, passemos a falar especificamente às etapas de produção de recursos no LAP. Nos dedicamos agora a  estabelecer - a partir de referenciais diversos que fundamentam esses procedimentos - as etapas da produção de recursos, desde sua experimentação, planejamento e criação de recursos, até sua avaliação junto ao público visado pelo recurso e sua validação. Como espaço de formação para a docência em alfabetização, o LAP produz recursos no contexto formativo e, dessa forma, essa sequência de procedimentos de produção se articula às preocupações teórico-metodológicas, didáticas e formativas, desde a criação dos recursos até o uso planejado do que foi produzido.

Os conteúdos e modos de abordá-los, os objetivos de aprendizagem e os referenciais para fundamentar os recursos que produzimos vêm a partir de diversos autores do campo da alfabetização, em especial Morais (2012; 2019), Soares (2016; 2020), Brandão e Rosa (2021), Morais, Albuquerque e Leal (2005), dentre outros. Os recursos são criados aliando esses referenciais a alguns autores que discutem, especificamente, sobre a produção de jogos e dispositivos de ensino, em especial Leffa (2003) e Dolz (2016), junto com alguns autores do campo do design de jogos, como Salen e Zimmerman (2012), dentre outros. A partir das etapas de produção que esses autores propõem, estabelecemos as seguintes etapas da produção de recursos no LAP:


- EXPERIMENTAÇÃO dos recursos, de jogos, sejam esses do acervo produzido no LAP, sejam do acervo mais amplo, tal qual discutido no post sobre os acervos do LAP. A experimentação permite conhecer os recursos e os jogos, discutir sobre seus usos, sobre sua produção, conhecer possibilidades para ter referências para criar novos. No caso de jogos, é oportunidade de refletir sobre suas mecânicas, experimentar a jogabilidade, se inspirar para criar novas propostas. A experimentação pode ser uma etapa das oficinas de criação e de produção de recursos ou uma oficina em si mesma, e pode ser parte de ações de pesquisa e extensão do LAP junto a bolsistas e estudantes. 

- PLANEJAMENTO do recurso a partir de uma demanda real da sala de aula ou de conteúdo e objetivos estabelecidos (implica nos esboços para se chegar a uma ideia, e a textualização inicial de suas regras). Pode ser realizado em contexto das oficinas de criação de recursos ou em outras situações formativas envolvendo estudantes ou estudantes e docentes da educação básica, que planejam em grupos os recursos; e pode ser em até em contexto de pesquisa e de ensino;

- Produção do PROTÓTIPO do recurso e de suas regras explícitas (uma versão "usável" ou "jogável" do recurso planejado e o texto de suas regras de uso). Trata-se de uma etapa articulada à etapa do planejamento, sendo portanto vinculada às ações descritas acima;

- PLAYTEST - teste interno, feito no LAP, e os participantes jogam e usam os materiais, dando sugestões para melhorias e analisando regras, interface gráfica, e no caso de jogos, sua "jogabilidade" e "mecânica". Entretanto, o playtest, no caso de jogos de alfabetização, precisa considerar suas limitações pelo fato de que é testado por adultos alfabetizados e, por isso mesmo, a etapa da avaliação junto ao público visado torna-se ainda mais importante. É importante também criar situações com outros jogadores, que não os "criadores", para termos uma perspectiva diferente, de quem não está mergulhado na criação do jogo (outros estudantes, por exemplo). Como as oficinas de criação de novos recursos aconteceram, até agora, em situações informais, essa etapa também foi desenvolvida informalmente por bolsistas e estudantes voluntárias das ações de pesquisa e extensão do LAP. A ideia é incrementarmos as propostas de criação e podermos consolidar mais essas etapas que envolvem a criação de novos recursos didáticos.

- Produção do PROTÓTIPO 2 do recurso, se necessário. A partir do playtest, uma versão mais "arrumada" do recurso, visando à sua avaliação, deve ser produzida (se o protótipo 1 já for mais organizado e não houver modificações a serem feitas a partir do playtest, pode servir para a avaliação). Essa etapa vincula-se à etapa do playtest. Os recursos que já compõem os acervos do LAP, no entanto, são avaliados a partir de versões já produzidas do recurso, ou as versões confeccionadas por estudantes para seus acervos, em geral no contexto de oficinas de produção;

- AVALIAÇÃO do recurso. Trata-se do uso efetivo do recurso na sala de aula, com as crianças, considerando o contexto, o domínio das crianças do conteúdo e a articulação do recurso com outras estratégias. É, portanto, uma avaliação bem planejada, por vezes colaborativa, entre nossos/as estudantes e as regentes da turma. O LAP está desenvolvendo um Instrumento de avaliação, onde é registrado diversos aspectos da situação em que os recursos serão usados, desde as proposta prévias ao uso do recurso, o enquadre de sua proposta até os elementos observados durante o seu uso. O instrumento ajuda a compor esse contexto mais amplo, a delinear o que foi planejado de realizar com a turma que contextualiza o uso do recurso. A avaliação pode ser feita por estudantes em contexto de pesquisa e atividades de extensão ou pelas próprias regentes, sendo que o enquadre diferente é levado em conta na avaliação. Como se trata de recursos para alfabetizar, ou seja em contexto de ações didático-pedagógica, e também de contexto formativo, e não uma avaliação num enquadre de comercialização do recurso, a avaliação deve considerar esse contexto, sendo diferente de avaliações feitas em outros contextos de produção de recursos. 

- VALIDAÇÃO: se um conjunto de avaliações desse recurso, analisando-se os relatos e os registros das avaliações no instrumento, apontar suas possibilidades de uso produtivo, ele pode ser validado para determinado contexto. A validação leva em conta também outros fatores, como a revisão de aspectos pontuais, necessidade de indicação de alguma variante, ou uso diferenciado para diferentes perfis de alunos etc... A validação pode levar em conta também o olhar de outros especialistas.

- CONFECÇÃO: se o recurso for validado, um ou mais exemplares são produzidos para compor o acervo do LAP e ser mobilizado em contextos diversos, inclusive novas oficinas e ações em escolas;

- DIVULGAÇÃO: o recurso sendo parte do acervo do LAP deve ser divulgado em ações diversas, eventos, mostras, e em especial naquelas que envolvem o planejamento e desenvolvimento de estratégias didáticas incluindo esses recursos articulados a outras estratégias; 

REPLANEJAMENTO: caso a avaliação indique a necessidade de ajustes maiores no recurso, em suas regras ou uma necessidade de reformulação total da ideia, o recurso passa por novo planejamento e começa tudo novamente, pois se trata de etapas recursivas. A ideia pode também ser abandonada, caso se mostre infrutífera, ou reformulada na base, como transformar o tipo de recurso, mantendo a ideia do conteúdo e objetivo de aprendizagem (Ex. pensado como um jogo de tabuleiro e virar um jogo de cartas), ou manter a estrutura do jogo, mas mudar o conteúdo e o perfil ao qual se destina. Uma ideia pode ser replanejada ao limite de se tornar outro material.

Aproveito aqui posts do IG do LAP, para ampliar um pouco mais a ideia dessas etapas (clique nas imagens para ler com mais nitidez):





Fotos: IG @lap_faced


Uma publicação, que ainda demora, irá abordar mais detalhadamente essas etapas e procedimentos, bem como os referenciais que os embasam, ressaltando a avaliação, em especial, que constitui uma etapa importante e que, diferente da avaliação de jogos de entretenimento, envolve aspectos específicos ao campo de jogos didáticos e ao processo de alfabetização. A partir de referenciais e autores do campo do ensino da língua escrita, do estudo de jogos e do design de jogos, o instrumento de avaliação de recursos que está sendo elaborado no LAP, vem sendo "calibrado", para ele mesmo ser validado, em processos mais informais de avaliação de alguns recursos que já compõem o acervo do LAP ou que já, visando a confirmar seu potencial e à sua validação. Geralmente são egressas do curso, participantes de oficinas e estudantes inseridas em alguma ação em escolas que têm feito essas avaliações para testar o instrumento. As situações de avaliação dos recursos no contexto do LAP foram, basicamente, desenvolvidas por: a) bolsistas no contexto da pesquisa que deu origem ao LAP; b) professoras da Educação Infantil e Ensino Fundamental, egressas do curso de Pedagogia da UFBA; c) outras professoras, de escolas públicas e privadas, que se dispuseram a contribuir com o LAP, avaliando os recursos em suas turmas, especialmente as que participaram de oficinas.

Vou postar aqui alguns desses recursos e seu processo de avaliação. Por ora, veremos processos em andamento, com algumas considerações que foram feitas no processo de avaliação em algumas turmas, poucas ainda. Os materiais desenvolvidos ou inseridos no contexto do LAP, escolhidos aqui para a ilustrar o processo de avaliação, foram: o jogo Trava-línguas Faltando Vogais, os materiais Adivinha 4 opções, Adivinhas embaralhadas e Quadrinhas Troca-rimas, e o jogo Trave o Trava-língua. 




Fotos: acervo pessoal

Conforme tenho discutido em diversas ocasiões, venho afirmando a tradição oral como um repertório muito favorável para a alfabetização – em especial para o desenvolvimento da consciência metalinguística, abrangendo gêneros formulares diversos, cuja função primordial é brincar e brincar com a linguagem. Por suas características sonoras e rítmicas, tornam-se privilegiados para a reflexão fonológica envolvendo diversas unidades da língua: rimas, sílabas, unidades intrassilábicas, aliterações, fonemas. Desde que sejam asseguradas a performatividade oral própria a esses gêneros (ZUMTHOR, 1997) e suas funções lúdica e poética, tornam-se também, quando escritos, contexto significativo e produtivo para as primeiras leituras e para a apropriação do funcionamento da notação da língua, por sua natureza de texto poético que se sabe de memória e se memoriza para brincar. 

Por fim, é importante ressaltar que o uso dos recursos nas situações de avaliação, assim como na ação docente, envolve outros encaminhamentos além do momento específico de apresentá-los às crianças, que vão desde o planejamento considerando o perfil da turma e os conhecimentos necessários para jogar, até as propostas prévias, mas que contextualizam a apresentação do recurso. Lançar mão do recurso implica em momentos anteriores de sensibilização e familiarização quanto às habilidades visadas, às consignas envolvidas e, no caso do contexto da tradição oral, familiarização com o repertório, inclusive porque a proposta é que a reflexão linguística se dê na continuidade das práticas brincantes. Ganhar traquejo com a situação de reflexão sobre a língua oral, nem sempre presente na escola, é também parte dessa etapa. Considerações sobre esses aspectos devem constar no registro do processo de avaliação, pois essas explorações prévias incidem na situação de uso do recurso. No caso da tradição oral, essa sensibilização e familiarização inicial inclui brincar com os textos oralmente, como cultura lúdica e prática de oralidade, se familiarizar com o repertório, por vezes inclusive memorizá-los - pois, além da memorização ser, muitas vezes, condição para brincar, as propostas a partir de alguns materiais podem exigir sabê-los de memória. A depender da turma, esse momento prévio pode ter maior ou menor duração. 

Quando da apresentação do material, é preciso ainda garantir o conhecimento das imagens que, eventualmente, figuram no material, bem como o léxico usado - esses são outros aspectos que precisam ser protocolados antes das situações de aprender a usar os recursos, valendo, igualmente, para as situações de avaliação.  

Bom, mas vamos a eles! Nem todos esses recursos são propriamente jogos, mas materiais estruturados para a reflexão linguística com propostas lúdicas, além de serem atrelados, de qualquer modo, a um contexto lúdico referente ao próprio repertório brincante. São, assim, materiais ludopedagógicos. 

Iniciaremos as postagens por materiais que contribuem com avanços na fase de fonetização da escrita e na apropriação inicial de sua base fonológica, até os que abordam o funcionamento propriamente alfabético da notação da língua. 

Assim, os posts seguintes contam algumas coisinhas sobre o processo de avaliação desses materiais, de forma bem informal ainda,  nessa ordem:

  • Quadrinhas troca-rimas
  • Adivinha 4 opções
  • Trava-línguas Faltando Vogais
  • Adivinhas embaralhadas 
  • Trave o Trava-língua

Clique no link de cada um (atualizarei aqui a cada vez que postar) e veja os apontamentos iniciais do seus processos de avaliação. 

Repertórios e recursos didáticos do Laboratório de Acervos e práticas (LAP)

O LAP se chama Laboratório de Acervos e Práticas, pois suas ações formativas envolvem acervos materiais e simbólicos que são mobilizados de diversas formas, em diversas práticas, na articulação com a dimensão didático-pedagógica do LAP. 

Os acervos materiais do LAP compõem-se de recursos diversos, desde livros de literatura infantil e livros de estudo, até os jogos e materiais ludopedagógicos. Os livros de literatura, claro, não são recursos didáticos em si mesmos, mas objetos culturais e constituem-se, igualmente, em acervo simbólico, junto com o repertório de brincadeiras, da tradição oral, que são mobilizados nas ações do LAP, registrados materialmente (por escrito ou em áudio) ou não. Os usos didáticos desses acervos simbólicos, sem perder seu caráter de objetos culturais, fazem parte das ações do LAP também.

Lembremos também que os recursos didáticos constituem a materialização da ação docente,  não são meros acessórios dessa ação, eles se constituem como componentes de um espaço/tempo deliberadamente organizado para favorecer experiências de aprendizagem, ou seja, é a ação docente que faz deles recursos didáticos. Dito isso, passemos aos acervos de recursos materiais do LAP:

  • Recursos diversos que compõem o LAP
  • Recursos elaborados anteriormente e agregados ao LAP
  • Recursos elaborados e produzidos no LAP

Juntando os recursos elaborados anteriormente por mim, mas que foram agregados ao LAP fazendo parte de seu acervo, como os que temos elaborado já no contexto do LAP, ficamos com duas categorias: os recursos diversos que compõem o LAP e os recursos que foram elaborados ou agregados ao LAP. Quanto aos Recursos diversos que compões o LAP, trata-se de acervos agregados ao LAP, mas não produzidos por mim ou sob minha supervisão. São eles:

Temos aí as caixas de jogos do CEEL e do projeto Trilhas; coleções de estudo do professor, vinculadas ou não a programas de formação governamentais, a exemplo de coleções do Ceale e do projeto leitura e escrita na Educação Infantil, dentre outras; temos livros de literatura (muitos, herança das caixas do PNLD Obras complementares, distribuídas durante o PNAIC); temos jogos artesanais que são comercializados (e selecionados pelo LAP), a exemplo de recursos do Regador de Ideias, da Lisa Moraes; temos jogos comerciais e caixinhas com propostas diversas (a exemplo da Fábrica de histórias, dentre outras); e temos outros recursos, como dedoches, sussurradores de poesia, brinquedos e outros materiais. 

A questão dos jogos merece um adendo. Ao defendermos o papel de jogos e materiais ludopedagógicos na alfabetização, não assumimos a ideia de que seja preciso revestir conteúdos geralmente tidos como árduos com roupagens atraentes e motivadoras, maquiando-os com o que  Percival Leme Britto chamou de “pedagogia do gostoso”, referindo-se a certa rendição da escola à fruição, ao divertimento, à facilitação, à cultura do que é familiar dos alunos. Não se trata de uma espécie de “ludificação” para motivar as crianças. O valor dos jogos como estratégia didática não é apenas, nem especialmente, por sua natureza lúdica e muito menos com a finalidade de facilitação, motivação ou diversão, mas por seu potencial em gerar boas reflexões no contexto dos objetivos do próprio jogo e em interações em que é preciso tomar decisões com autonomia, atender a exigências e buscar soluções, mobilizando os conhecimentos numa situação mais dinâmica, menos formal e que pode, sim, se tornar lúdica. E isso não está inscrito nos recursos em si, é a ação docente que pode ou não criar condições para que haja o equilíbrio entre didático e lúdico. O lúdico não é inerente aos materiais, ele tem um componente social e um componente subjetivo, são as circunstâncias da situação interativa em torno deles que podem mobilizar ou não a experiência significativa e lúdica. Dito isso, no entanto, é preciso também defender o lúdico na aprendizagem de crianças, e também lembrar que muitos desses recursos são elaborados a partir de repertórios em si mesmos brincantes, como é o caso da tradição oral. Reitera-se aqui o valor dos jogos de reflexão sobre a língua e de recursos materiais a partir de gêneros orais da cultura infantil, pois, dentre as estratégias didáticas produtivas para abordar a faceta linguística da alfabetização em contextos reflexivos, significativos, lúdicos e letrados, situam-se essas que consideram a “motivação típica do lúdico”, ressaltada por Kishimoto (2003). Ou seja, a possibilidade de fruição e engajamento pelo jogo em si também importam ao falarmos de jogos com a linguagem ou de materiais ludopedagógicos a partir de repertórios simbólico-culturais. O jogo é um meio para o professor, um meio de atingir objetivos de aprendizagem, mas é também um fim em si mesmo para as crianças, se for interessante o suficiente, e mesmo que ela saiba - e sabe - que é também para aprender. A dicotomia entre brincar e aprender somos nós que fazemos!

Vale a pena falar um pouco também do acervo de livros, que conta com os que ficaram de herança do PNAIC, os adquiridos pelo LAP, a partir do financiamento da pesquisa, os que eu mesma doei ou outros, e até mesmo os que passeiam entre minha biblioteca pessoal e o LAP. Os livros dialogam, em geral, com os repertórios que compõem a dimensão simbólico-cultural do LAP, articulada a essa dimensão das materialidades.

Repertórios
  • Literatura 
  • Cultura lúdica infantil
  • Textos da tradição oral
  • História da escrita






Quanto aos Recursos que foram elaborados ou agregados ao LAP, temos alguns tipos. De início, é importante lembrar que comecei fazendo jogos de matemática, então, trago para o LAP também alguns jogos desse tipo, na esperança de um dia estabelecer parcerias com colegas da área para fazermos algo com isso também. E, afinal de contas, no processo de alfabetização, as crianças também estão se vendo com as questões numéricas e lógico-matemáticas, tudo é ao mesmo tempo agora, não é? Então, posso dizer que há, no acervo, jogos para abordar a língua escrita e jogos para a abordar a matemática.


No contexto dos recursos para trabalhar a linguagem escrita, temos algumas subdivisões, além dos jogos de alfabetização. Além dos recursos estruturados como jogos mesmo, que mesmo com uma mecânica simples têm jogabilidade, estruturam-se como jogos, há materiais ludopedagógicos, cujos usos são articulados aos repertórios brincantes e poéticos. Há assim, recursos a partir da tradição oral e recursos a partir da literatura. Esses repertórios - nada impede - podem também  gerar jogos. Há alguns joguinhos a partir da tradição oral no acervo do LAP.





Há postagens aqui no blog sobre esses materiais, como aqui, sobre as caixinhas de livros, e aqui, sobre um dos arquivos poéticos.

É preciso, no entanto, fazer uma ressalva quanto a esses acervos. Quando estamos falando de recursos a partir de um repertório de caráter primordialmente lúdico e estético, como a tradição oral e a literatura, o uso dos materiais é integrado a uma contextualização em situações lúdicas e letradas, sendo esses textos contexto e não PRETEXTO para a reflexão sobre a língua. A ideia aí é que, no MODO de abordagem desses recursos, sejam buscadas situações em que as crianças possam durar nesses poemas, demorar-se com esses personagens e narrativas. E não matar o texto para alfabetizar, como vemos muito por aí. 

Tomando agora os jogos de alfabetização junto com outros recursos para alfabetizar e abordar a leitura e a escrita, podemos, então, falar dos recursos na interface com as situações de reflexão em cada fase da apropriação da língua escrita. Vamos aí desde o desenvolvimento da consciência fonológica bem inicial, aquela que contribui para a fonetização da escrita, passando por reflexões que incidem sobre diversas unidades fonológicas e habilidades diversas, com e sem presença da escrita, até o desenvolvimento da fluência de leitura e a leitura e produção textual. Aqui são apenas exemplos de materiais em cada tipo de situação. 

a) Consciência fonológica de unidades diversas envolvendo diferentes operações cognitivas (identificar, produzir, comparar, segmentar etc), com e sem presença da escrita. Temos aqui recursos que favorecem:

  • a consciência silábica, de rimas e de fonemas vocálicos, contribuindo para a fonetização da escrita e para os avanços nos conhecimentos sobre a notação da língua; 
  • a consciência de aliteração de sílabas e de fonemas, que chamam a atenção para a dimensão sonora da língua, e contribui, progressivamente, e em presença da escrita, para o desenvolvimento da consciência fonêmica/grafofonêmica;
  • a consciência fonêmica/grafofonêmica.  





b) Apropriação das propriedades do sistema de escrita alfabética. Temos aí materiais que contribuem para o conhecimento das letras até aqueles que abordam a ortografia da nossa língua, para todos os níveis de domínio da língua escrita:
  • recursos para aprender as letras (nomes, traçados e, progressivamente e em contexto, seus sons), a invariância perceptiva/categorização gráfica e, eventualmente, a ordem alfabética; 
  • para refletir sobre as correspondências fonográficas e desenvolver a leitura pela via fonológica
  • para consolidar das correspondências fonográficas;
  • para trabalhar as sílabas complexas;
  • para se apropriar da ortografia da língua;




c) Consciência lexical inicial e reconhecimento de palavras. Reconhecer as palavras por diversas estratégias, realizando uma pesquisa inteligente e usando diversas estratégias é importante, embora não possamos nos apoiar apenas na predição e antecipação para ler. É preciso também investir na via fonológica de leitura, aprender a decifrar a escrita. Assim, quando falamos aqui de reconhecimento de palavras estamos falando de situações de reflexão que envolvem os níveis textual, lexical, mas também sublexical da leitura. Os recursos nessa categoria trabalham:
  • o reconhecimento de palavras, articulando os níveis textual, lexical e sublexical, ou seja, o reconhecimento por diversas estratégias, inclusive, aos poucos, a decodificação - a leitura pela via fonológica;
  • o consciência lexical inicial (noção de palavra como unidade no enunciado);
  • a estabilidade da escrita e usar e ampliar o repertório de palavras “estáveis”.

d) Consciência sintática, semântica e/ou morfológica x fonológica. Embora a consciência fonológica seja um elemento importante da alfabetização, ela não é o único tipo de atividade metalinguística que entra em jogo na reflexão sobre a língua escrita, ainda mais quando concebemos uma alfabetização que lida não com um sistema de formas abstratas, mas com uma linguagem viva, significativa, em uso. Assim, outros elementos entra em jogo na linguagem e na reflexão das crianças, como a semântica, a sintaxe, a morfologia, e ainda temos os níveis textuais e pragmáticos da escrita. Há alguns materiais no LAP que dão margem a explorações desses outros elementos, como esse kit das quadrinhas troca rimas. 


e) Leitura lexical e fluência de leitura. Desenvolver a leitura pela via lexical - rota de leitura automática que os leitores proficientes usam para ler sem precisar decodificar pedacinho por pedacinho da palavra, é fundamental quando as crianças começam a dominar a decodificação do escrito. Aprender a decodificar pela rota fonológica não basta, é preciso desenvolver a fluência de leitura. Mas é necessários passar por essa rota fonológica para construir a leitura lexical, já que esta, ao que parece, não se desenvolve diretamente a partir da leitura logográfica (por um todo visual global, sem decifração, que as crianças fazem, de palavras estáveis e logomarcas). Há assim, além de muitos recursos contribuírem para tal, alguns deles, que exigem a leitura ágil de palavras pelas crianças, contribuem mais especificamente para desenvolver essa rota e a aprimorar a fluência da leitura. veja aqui o Lince de palavras e o Monstruário.


f) Outros aspectos da leitura e produção de textos. Há no LAP também alguns recursos para crianças que já leem e escrevem com certa autonomia, mas que apoiam a leitura e a produção textual. Aqui temos a caixa Assombrada, com palavras do campo lexical dos contos de terror e mistério, para ajudar a criar o clima nas narrativas infantis. E um kit de cartas para ajudar a produzir narrativas maravilhosas, com indicações de protagonistas, personagens coadjuvantes e adjuvantes, objetos mágicos, missões, lugar etc.


Além desses materiais, temos ainda, como acervos do LAP, os arquivos digitalizados que usamos para a produção dos recursos, bem como podemos conceber, futuramente, acervos digitais de vários tipos.

Os acervos do LAP estão disponíveis para o desenvolvimento de suas ações e, embora componham as materialidades da dimensão material do laboratório, circulam entre as dimensões simbólico-cultural e didático-pedagógica. É operando nessa última que os acervos, sejam eles recursos materiais ou repertórios simbólicos, vão se articulando nas situações didáticas. Tomemos a consciência de rimas como exemplo de articulações possíveis. Se estamos abordando aa capacidade de identificar e produzir rimas, para chamar a atenção das crianças à dimensão sonora da língua, a essa unidade final das palavras, podemos articular diversos recursos e repertórios, combinando-os para garantir a diversidade, regularidade e continuidade das propostas. 


E como essas articulações são feitas? Elas vêm a partir da memória pedagógica de cada um, das boas referências, dos trajetos próprios que pode construir a partir dos repertórios e recursos disponíveis em sua "paleta metodológica", suas descobertas de novos livros, novos repertórios onde moram as rimas... E isso tudo sem perder de vista, ao tomá-los como objetos da didática da alfabetização, o caráter de objetos culturais desses repertórios ou mesmo dos jogos, que são práticas socioculturais também. E é muito isso que as ações do LAP pretendem: contribuir para que futuros docentes possam se apropriar do saber-fazer que envolvem esses  recursos e repertórios, que construam sua memória pedagógica, tenham sua paleta de boas referências, para que saibam, a partir disso, combiná-los de forma autoral a depender de seus objetivos e de sua turma concreta futuramente.

As articulações possíveis são infinitas, precisamos mobilizar a autoria dos docentes e aprender, desde a formação na Universidade, a fazer esses trajetos autorais. Não precisamos isso de toda criança de toda escola trabalhar rima com Hoje é domingo pé de cachimbo ou o mesmo livro, não é? Tem vários textos, várias experiências, vários sujeitos, vários encontros, singulares...

Esses saberes exigem tempo, maturação, aprendizado de ser "equilibrista" - como o Equilibrista de Fernanda Lopes de Almeida, que descobriu, ainda  bem  jovem, que  ele  mesmo  é  que  tinha  de  ir  inventando  o  que  acontecia  com  o  fio! - para que possam ir construindo seu próprio fio ao longo de sua caminhada formativa e profissional, aprendendo a articular saberes, experiências, boas referências, e a fazer escolhas teórico-metodológicas fundamentadas ao selecionar e combinar instrumentos de ensino. Aprendendo, também, formas de tornar os conteúdos ensináveis, sem perder seu caráter de objetos culturais. 

E é por isso que a dimensão material do LAP, com seus acervos e recursos não se limitam a materialidades e nem a objetos didáticos. Embora o sejam, e façam parte das materialidades do professor, dimensão importante de seu ofício, eles vão além disso. Afinal, estamos defendendo sempre uma alfabetização no diálogo com a cultura, com a sociedade, assim como a linguagem de que tratamos é uma linguagem viva, mobilizada nas inúmeras interações sociais e contextos culturais. É assim, portanto, com essa concepção potente que entendemos os recursos didáticos do LAP.