terça-feira, 13 de setembro de 2022

Repertórios e recursos didáticos do Laboratório de Acervos e práticas (LAP)

O LAP se chama Laboratório de Acervos e Práticas, pois suas ações formativas envolvem acervos materiais e simbólicos que são mobilizados de diversas formas, em diversas práticas, na articulação com a dimensão didático-pedagógica do LAP. 

Os acervos materiais do LAP compõem-se de recursos diversos, desde livros de literatura infantil e livros de estudo, até os jogos e materiais ludopedagógicos. Os livros de literatura, claro, não são recursos didáticos em si mesmos, mas objetos culturais e constituem-se, igualmente, em acervo simbólico, junto com o repertório de brincadeiras, da tradição oral, que são mobilizados nas ações do LAP, registrados materialmente (por escrito ou em áudio) ou não. Os usos didáticos desses acervos simbólicos, sem perder seu caráter de objetos culturais, fazem parte das ações do LAP também.

Lembremos também que os recursos didáticos constituem a materialização da ação docente,  não são meros acessórios dessa ação, eles se constituem como componentes de um espaço/tempo deliberadamente organizado para favorecer experiências de aprendizagem, ou seja, é a ação docente que faz deles recursos didáticos. Dito isso, passemos aos acervos de recursos materiais do LAP:

  • Recursos diversos que compõem o LAP
  • Recursos elaborados anteriormente e agregados ao LAP
  • Recursos elaborados e produzidos no LAP

Juntando os recursos elaborados anteriormente por mim, mas que foram agregados ao LAP fazendo parte de seu acervo, como os que temos elaborado já no contexto do LAP, ficamos com duas categorias: os recursos diversos que compõem o LAP e os recursos que foram elaborados ou agregados ao LAP. Quanto aos Recursos diversos que compões o LAP, trata-se de acervos agregados ao LAP, mas não produzidos por mim ou sob minha supervisão. São eles:

Temos aí as caixas de jogos do CEEL e do projeto Trilhas; coleções de estudo do professor, vinculadas ou não a programas de formação governamentais, a exemplo de coleções do Ceale e do projeto leitura e escrita na Educação Infantil, dentre outras; temos livros de literatura (muitos, herança das caixas do PNLD Obras complementares, distribuídas durante o PNAIC); temos jogos artesanais que são comercializados (e selecionados pelo LAP), a exemplo de recursos do Regador de Ideias, da Lisa Moraes; temos jogos comerciais e caixinhas com propostas diversas (a exemplo da Fábrica de histórias, dentre outras); e temos outros recursos, como dedoches, sussurradores de poesia, brinquedos e outros materiais. 

A questão dos jogos merece um adendo. Ao defendermos o papel de jogos e materiais ludopedagógicos na alfabetização, não assumimos a ideia de que seja preciso revestir conteúdos geralmente tidos como árduos com roupagens atraentes e motivadoras, maquiando-os com o que  Percival Leme Britto chamou de “pedagogia do gostoso”, referindo-se a certa rendição da escola à fruição, ao divertimento, à facilitação, à cultura do que é familiar dos alunos. Não se trata de uma espécie de “ludificação” para motivar as crianças. O valor dos jogos como estratégia didática não é apenas, nem especialmente, por sua natureza lúdica e muito menos com a finalidade de facilitação, motivação ou diversão, mas por seu potencial em gerar boas reflexões no contexto dos objetivos do próprio jogo e em interações em que é preciso tomar decisões com autonomia, atender a exigências e buscar soluções, mobilizando os conhecimentos numa situação mais dinâmica, menos formal e que pode, sim, se tornar lúdica. E isso não está inscrito nos recursos em si, é a ação docente que pode ou não criar condições para que haja o equilíbrio entre didático e lúdico. O lúdico não é inerente aos materiais, ele tem um componente social e um componente subjetivo, são as circunstâncias da situação interativa em torno deles que podem mobilizar ou não a experiência significativa e lúdica. Dito isso, no entanto, é preciso também defender o lúdico na aprendizagem de crianças, e também lembrar que muitos desses recursos são elaborados a partir de repertórios em si mesmos brincantes, como é o caso da tradição oral. Reitera-se aqui o valor dos jogos de reflexão sobre a língua e de recursos materiais a partir de gêneros orais da cultura infantil, pois, dentre as estratégias didáticas produtivas para abordar a faceta linguística da alfabetização em contextos reflexivos, significativos, lúdicos e letrados, situam-se essas que consideram a “motivação típica do lúdico”, ressaltada por Kishimoto (2003). Ou seja, a possibilidade de fruição e engajamento pelo jogo em si também importam ao falarmos de jogos com a linguagem ou de materiais ludopedagógicos a partir de repertórios simbólico-culturais. O jogo é um meio para o professor, um meio de atingir objetivos de aprendizagem, mas é também um fim em si mesmo para as crianças, se for interessante o suficiente, e mesmo que ela saiba - e sabe - que é também para aprender. A dicotomia entre brincar e aprender somos nós que fazemos!

Vale a pena falar um pouco também do acervo de livros, que conta com os que ficaram de herança do PNAIC, os adquiridos pelo LAP, a partir do financiamento da pesquisa, os que eu mesma doei ou outros, e até mesmo os que passeiam entre minha biblioteca pessoal e o LAP. Os livros dialogam, em geral, com os repertórios que compõem a dimensão simbólico-cultural do LAP, articulada a essa dimensão das materialidades.

Repertórios
  • Literatura 
  • Cultura lúdica infantil
  • Textos da tradição oral
  • História da escrita






Quanto aos Recursos que foram elaborados ou agregados ao LAP, temos alguns tipos. De início, é importante lembrar que comecei fazendo jogos de matemática, então, trago para o LAP também alguns jogos desse tipo, na esperança de um dia estabelecer parcerias com colegas da área para fazermos algo com isso também. E, afinal de contas, no processo de alfabetização, as crianças também estão se vendo com as questões numéricas e lógico-matemáticas, tudo é ao mesmo tempo agora, não é? Então, posso dizer que há, no acervo, jogos para abordar a língua escrita e jogos para a abordar a matemática.


No contexto dos recursos para trabalhar a linguagem escrita, temos algumas subdivisões, além dos jogos de alfabetização. Além dos recursos estruturados como jogos mesmo, que mesmo com uma mecânica simples têm jogabilidade, estruturam-se como jogos, há materiais ludopedagógicos, cujos usos são articulados aos repertórios brincantes e poéticos. Há assim, recursos a partir da tradição oral e recursos a partir da literatura. Esses repertórios - nada impede - podem também  gerar jogos. Há alguns joguinhos a partir da tradição oral no acervo do LAP.





Há postagens aqui no blog sobre esses materiais, como aqui, sobre as caixinhas de livros, e aqui, sobre um dos arquivos poéticos.

É preciso, no entanto, fazer uma ressalva quanto a esses acervos. Quando estamos falando de recursos a partir de um repertório de caráter primordialmente lúdico e estético, como a tradição oral e a literatura, o uso dos materiais é integrado a uma contextualização em situações lúdicas e letradas, sendo esses textos contexto e não PRETEXTO para a reflexão sobre a língua. A ideia aí é que, no MODO de abordagem desses recursos, sejam buscadas situações em que as crianças possam durar nesses poemas, demorar-se com esses personagens e narrativas. E não matar o texto para alfabetizar, como vemos muito por aí. 

Tomando agora os jogos de alfabetização junto com outros recursos para alfabetizar e abordar a leitura e a escrita, podemos, então, falar dos recursos na interface com as situações de reflexão em cada fase da apropriação da língua escrita. Vamos aí desde o desenvolvimento da consciência fonológica bem inicial, aquela que contribui para a fonetização da escrita, passando por reflexões que incidem sobre diversas unidades fonológicas e habilidades diversas, com e sem presença da escrita, até o desenvolvimento da fluência de leitura e a leitura e produção textual. Aqui são apenas exemplos de materiais em cada tipo de situação. 

a) Consciência fonológica de unidades diversas envolvendo diferentes operações cognitivas (identificar, produzir, comparar, segmentar etc), com e sem presença da escrita. Temos aqui recursos que favorecem:

  • a consciência silábica, de rimas e de fonemas vocálicos, contribuindo para a fonetização da escrita e para os avanços nos conhecimentos sobre a notação da língua; 
  • a consciência de aliteração de sílabas e de fonemas, que chamam a atenção para a dimensão sonora da língua, e contribui, progressivamente, e em presença da escrita, para o desenvolvimento da consciência fonêmica/grafofonêmica;
  • a consciência fonêmica/grafofonêmica.  





b) Apropriação das propriedades do sistema de escrita alfabética. Temos aí materiais que contribuem para o conhecimento das letras até aqueles que abordam a ortografia da nossa língua, para todos os níveis de domínio da língua escrita:
  • recursos para aprender as letras (nomes, traçados e, progressivamente e em contexto, seus sons), a invariância perceptiva/categorização gráfica e, eventualmente, a ordem alfabética; 
  • para refletir sobre as correspondências fonográficas e desenvolver a leitura pela via fonológica
  • para consolidar das correspondências fonográficas;
  • para trabalhar as sílabas complexas;
  • para se apropriar da ortografia da língua;




c) Consciência lexical inicial e reconhecimento de palavras. Reconhecer as palavras por diversas estratégias, realizando uma pesquisa inteligente e usando diversas estratégias é importante, embora não possamos nos apoiar apenas na predição e antecipação para ler. É preciso também investir na via fonológica de leitura, aprender a decifrar a escrita. Assim, quando falamos aqui de reconhecimento de palavras estamos falando de situações de reflexão que envolvem os níveis textual, lexical, mas também sublexical da leitura. Os recursos nessa categoria trabalham:
  • o reconhecimento de palavras, articulando os níveis textual, lexical e sublexical, ou seja, o reconhecimento por diversas estratégias, inclusive, aos poucos, a decodificação - a leitura pela via fonológica;
  • o consciência lexical inicial (noção de palavra como unidade no enunciado);
  • a estabilidade da escrita e usar e ampliar o repertório de palavras “estáveis”.

d) Consciência sintática, semântica e/ou morfológica x fonológica. Embora a consciência fonológica seja um elemento importante da alfabetização, ela não é o único tipo de atividade metalinguística que entra em jogo na reflexão sobre a língua escrita, ainda mais quando concebemos uma alfabetização que lida não com um sistema de formas abstratas, mas com uma linguagem viva, significativa, em uso. Assim, outros elementos entra em jogo na linguagem e na reflexão das crianças, como a semântica, a sintaxe, a morfologia, e ainda temos os níveis textuais e pragmáticos da escrita. Há alguns materiais no LAP que dão margem a explorações desses outros elementos, como esse kit das quadrinhas troca rimas. 


e) Leitura lexical e fluência de leitura. Desenvolver a leitura pela via lexical - rota de leitura automática que os leitores proficientes usam para ler sem precisar decodificar pedacinho por pedacinho da palavra, é fundamental quando as crianças começam a dominar a decodificação do escrito. Aprender a decodificar pela rota fonológica não basta, é preciso desenvolver a fluência de leitura. Mas é necessários passar por essa rota fonológica para construir a leitura lexical, já que esta, ao que parece, não se desenvolve diretamente a partir da leitura logográfica (por um todo visual global, sem decifração, que as crianças fazem, de palavras estáveis e logomarcas). Há assim, além de muitos recursos contribuírem para tal, alguns deles, que exigem a leitura ágil de palavras pelas crianças, contribuem mais especificamente para desenvolver essa rota e a aprimorar a fluência da leitura. veja aqui o Lince de palavras e o Monstruário.


f) Outros aspectos da leitura e produção de textos. Há no LAP também alguns recursos para crianças que já leem e escrevem com certa autonomia, mas que apoiam a leitura e a produção textual. Aqui temos a caixa Assombrada, com palavras do campo lexical dos contos de terror e mistério, para ajudar a criar o clima nas narrativas infantis. E um kit de cartas para ajudar a produzir narrativas maravilhosas, com indicações de protagonistas, personagens coadjuvantes e adjuvantes, objetos mágicos, missões, lugar etc.


Além desses materiais, temos ainda, como acervos do LAP, os arquivos digitalizados que usamos para a produção dos recursos, bem como podemos conceber, futuramente, acervos digitais de vários tipos.

Os acervos do LAP estão disponíveis para o desenvolvimento de suas ações e, embora componham as materialidades da dimensão material do laboratório, circulam entre as dimensões simbólico-cultural e didático-pedagógica. É operando nessa última que os acervos, sejam eles recursos materiais ou repertórios simbólicos, vão se articulando nas situações didáticas. Tomemos a consciência de rimas como exemplo de articulações possíveis. Se estamos abordando aa capacidade de identificar e produzir rimas, para chamar a atenção das crianças à dimensão sonora da língua, a essa unidade final das palavras, podemos articular diversos recursos e repertórios, combinando-os para garantir a diversidade, regularidade e continuidade das propostas. 


E como essas articulações são feitas? Elas vêm a partir da memória pedagógica de cada um, das boas referências, dos trajetos próprios que pode construir a partir dos repertórios e recursos disponíveis em sua "paleta metodológica", suas descobertas de novos livros, novos repertórios onde moram as rimas... E isso tudo sem perder de vista, ao tomá-los como objetos da didática da alfabetização, o caráter de objetos culturais desses repertórios ou mesmo dos jogos, que são práticas socioculturais também. E é muito isso que as ações do LAP pretendem: contribuir para que futuros docentes possam se apropriar do saber-fazer que envolvem esses  recursos e repertórios, que construam sua memória pedagógica, tenham sua paleta de boas referências, para que saibam, a partir disso, combiná-los de forma autoral a depender de seus objetivos e de sua turma concreta futuramente.

As articulações possíveis são infinitas, precisamos mobilizar a autoria dos docentes e aprender, desde a formação na Universidade, a fazer esses trajetos autorais. Não precisamos isso de toda criança de toda escola trabalhar rima com Hoje é domingo pé de cachimbo ou o mesmo livro, não é? Tem vários textos, várias experiências, vários sujeitos, vários encontros, singulares...

Esses saberes exigem tempo, maturação, aprendizado de ser "equilibrista" - como o Equilibrista de Fernanda Lopes de Almeida, que descobriu, ainda  bem  jovem, que  ele  mesmo  é  que  tinha  de  ir  inventando  o  que  acontecia  com  o  fio! - para que possam ir construindo seu próprio fio ao longo de sua caminhada formativa e profissional, aprendendo a articular saberes, experiências, boas referências, e a fazer escolhas teórico-metodológicas fundamentadas ao selecionar e combinar instrumentos de ensino. Aprendendo, também, formas de tornar os conteúdos ensináveis, sem perder seu caráter de objetos culturais. 

E é por isso que a dimensão material do LAP, com seus acervos e recursos não se limitam a materialidades e nem a objetos didáticos. Embora o sejam, e façam parte das materialidades do professor, dimensão importante de seu ofício, eles vão além disso. Afinal, estamos defendendo sempre uma alfabetização no diálogo com a cultura, com a sociedade, assim como a linguagem de que tratamos é uma linguagem viva, mobilizada nas inúmeras interações sociais e contextos culturais. É assim, portanto, com essa concepção potente que entendemos os recursos didáticos do LAP.  

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