"Apenas sons de produções naturais de fala são utilizados no jogo, com a pronúncia considerada representativa do padrão da língua em questão. Conforme Elbro (1998), o objetivo é oferecer às crianças oportunidades de construírem boas e distintas representações mentais dos sons da fala, já que a literatura relata que maus leitores têm uma percepção auditiva diferente da dos bons leitores" (2016).
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sexta-feira, 19 de março de 2021
GraphoGame: uma análise crítica
PARTE 1 - FONEMAS
Essa postagem congrega diversos posts que fiz sobre o GraphoGame, e que organizo aqui para não se perder no Facebook. Analiso por partes, iniciando com as fases de apresentação dos fonemas vocálicos, passando pelos consonantais, dígrafos até a síntese deles em sílabas e palavras. A crítica se dá em três aspectos, que vou problematizar ao longo do texto: sua natureza fônica, sintética, na abordagem da língua; sua eleição pelo treinamento envolvendo operações cognitivas simples, como a repetição, memorização e reprodução de modelos em detrimento de operações complexas de reflexão, generalização; sua natureza de jogo, de atividade lúdica, que visa à aprendizagem significativa. O que vou falar aqui são as minhas impressões a partir da perspectiva de alfabetização subjacente, da concepção de aprendizagem que defendo, da perspectiva de jogo, lúdico que acredito, e da experiência de jogar. Vamos lá!
Embora eu seja defensora de situações de reflexão sobre a linguagem escrita em contextos brincantes ao invés de práticas mecânicas, descontextualizadas e enfadonhas, embora dentre essas situações estejam os jogos e, nesse escopo caibam também os jogos digitais como contexto interessante para tais aprendizagens, venho aqui dizer o que penso desse tal GraphoGame.
O GraphoGame foi desenvolvido na Finlândia e usado em diversos países, de diversas línguas. Foi criado pela empresa finlandesa GraphoLearn, para crianças com dislexia, e aperfeiçoado para alfabetizar crianças entre 4 e 9 anos. Foi adaptado para o português pelo Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), ligado à PUC-RS. Há estudos nacionais e internacionais sobre seu uso com crianças com dificuldades no processamento fonológico. Crianças que precisam de investimento maior na estrutura fonológica do sistema podem, de fato, ser beneficiadas com procedimentos fônicos (relações entre fonemas e grafemas) mais detalhados, e talvez até de um passo a passo mais lento e abarcando cada fonema. Mas será que desse jeito? É será que todas as crianças precisam desse fluxo tão lento e tão repetitivo, baseado em memorização? E será que esses procedimentos têm o mesmo efeito em todas as línguas?
O GraphoGame lançado, no Brasil, pelo MEC, no contexto do programa Tempo de Aprender, uma das implementações da Política Nacional de Alfabetização - PNA. É destinado a crianças de 4 a 9 anos e, portanto, abrange crianças pré-escolares - gravem isso! No site do MEC, bem como no Manual do professor e usuário, o GraphoGame é apresentado como um aplicativo e/ou software, mas também é referido como um jogo digital, constituindo-se em uma ferramenta de apoio à alfabetização.
Em termos de políticas públicas, não vou nem comentar o fato de que o jogo exige, evidentemente, dispositivos (celular, tablet, computador) e acesso à internet para baixar, mas lembro de indagar sobre para quem são mesmo essas políticas do MEC afinal. Mas essa é outra conversa. Vou me ater, por ora, ao game em si mesmo. Quero lembrar que o fato de esse "jogo" ser resultado de uma iniciativa científica internacional não é garantia de sua qualidade, nem que se possa generalizar os resultados e o seu alcance para todas as línguas, nem tampouco que trazer bons resultados em termos de consciência fonêmica valide, necessariamente, os modos de se chegar lá e seus procedimentos. Além disso, já sabemos que enunciar pomposamente que o jogo é “baseado em pesquisa científica” significa baseado em uma única vertente de ciência, validada como verdade última, e carecendo de interpretação pedagógica. A despeito de afirmarem que "o aplicativo apresenta uma dinâmica de jogo baseada em evidências científicas", não podemos esquecer que ele envolve UMA perspectiva de ciência, ignorando dados de outras pesquisas, UMA concepção de alfabetização, não a única, em nenhum país, e uma perspectiva cognitiva, sintética, fônica, não a única marcha defendida pela Ciência cognitiva da leitura, referência - ao menos em teoria - da PNA. Além disso, em cada país, esse aspecto da aprendizagem focado pelo "jogo" pode ser agenciado de uma forma diferente da panaceia que vem sendo pregada por aqui. E tem a adaptação à língua...
Referido, por vezes, como um aplicativo de treinamento audiovisual ou ambiente virtual para a aprendizagem de habilidades fonológicas, tem um modo escolar e um modo doméstico. A criança faz seu avatar, que, na versão doméstica, vai circular em um mapa e, a depender da escolha que faça, vai para alguns ambientes, ou seja, espaço tridimensionais simulados, como em diversos jogos digitais. Há assim, certa variação da ambientação e modo de jogo, mas sempre com a mesma estrutura subjacente: ouvir os sons e ver as letras/sílabas, observar os modelos dados e repetir, encontrando os sons que forem pronunciados (representados por letras ou sílabas). A perspectiva é sintética, indo da letra/fonema, passando por sílabas até chegar às palavras completas pela síntese de fonemas. Isso porque o jogo se baseia no método fônico, sintético. Não sei ainda quanto à adaptação brasileira, mas em geral, em outras versões de outros países, o GraphoGame treina estímulos auditivos e escolhas ortográficas para unidades maiores, como rimas, palavras e pequenas frases. Mas começaremos com o nível das letras/fonemas e sílabas, que comentarei no decorrer dessa análise.
Em termos de jogabilidade e design, há enquadres diferentes, mas as tarefas linguísticas são sempre do mesmo tipo. Assim, a mecânica do jogo - se é que podemos dizer que há uma - é simples, apenas embrulhado em diferentes ambientações. Há, assim, variação de ambientes e uma impressão de escolha de caminhos no mapa, mas na verdade há uma progressão sempre linear, bem repetitiva. A variação de ambientes, que dá a impressão de variação de tarefas e de escolha de caminhos, no entanto, não impede que lá pelos 30% do jogo jogado, já se torne meio enfadonho, previsível, chato. São sempre as mesmas ambientações e sempre a mesma estrutura subjacente. O treinamento fonêmico começa logo a ficar na frente do jogo!!!! Será que não se passa o mesmo com as crianças? O simulacro de interação não me parece que sustente o interesse, a não ser por um impulso a seguir em frente para ver se chega a algum lugar mais interessante, que nunca chega. Muita repetição, muita passividade do "jogador". Não sei... Convém ressaltar que há ganhos de pontos, com "recompensas", mas é pífio no que isso se reverte, no final das contas, sendo elementos assessórios, externos ao jogo, não revertendo em nada na estrutura do próprio jogo. Talvez seja para criar, justamente, algum interesse em seguir com recompensas para poder mudar o cabelo, a roupa, o calçado e acessórios do avatar ou para preencher um livro de paisagens com figurinhas de animais. Tudo acessório.
Li que o GraphoGame traz a instrução fônica em um ambiente, além de (dito) lúdico, também adaptativo, ou seja, parece que à medida que a criança vai acertando, os desafios vão ficando mais difíceis. Deve ser tipo apresentar as letras/sons focados dentre mais letras e sons, para dificultar a identificação. Não dá para perceber isso jogando (talvez se eu criar outro avatar que erre mais vezes eu possa comparar e sentir mais isso), mas não sei se aguento. O certo é que, mesmo com a taxa alta de acertos (errei aqui e ali de propósito para ver o que acontecia, ou o erro escapuliu jogando rápido), achei muito repetitivo, moroso, quem acerta deve querer logo ir adiante, mas tem que repetir ainda o que já entendeu - especialmente porque é só repetição de modelos. Sou adulta alfabetizada, certo, temos que ver com as crianças, mas... As crianças são espertas, querem é jogar! Mas cadê mesmo o jogo? Outra coisa que vale ressaltar é que não há como pular de fase, mesmo de vez em quando tendo uma espécie de teste de conhecimento. Assim, as crianças mais avançadas, mesmo enfadadas com aquelas associações de sons e letras, têm que passar por todas as fases para chegar em um nível que ofereça algum desafio em termos de acerto. Na versão para a escola há como repetir fases, mas não avançar. Já aí, se é um treino que envolve instruções fônicas, nota-se que a natureza de jogo fica meio perdida, pois para esses que não são desafiados a reconhecer as grafias correspondentes aos sons, os procedimentos viram meros cliques para jogar uma bomba nas bolas ou dar de comer a um bicho marinho, sem função didática ou lúdica. Jogador que segue passivo, sem desafios e, provavelmente, sem interesse...
Após essa apresentação breve, falaremos em seguida dos procedimentos linguísticos do GraphoGame (GG), analisando-os do ponto de vista da alfabetização. Incomoda-me muito o alardeamento laudatório e a naturalização efusiva de algo complicado embrulhado em forma de jogo...
No início...os fonemas vocálicos...
Na análise do game do ponto de vista da alfabetização, para analisar as fases que envolvem a apresentação de letras e sons, partimos da premissa de que é um game assentado no método fônico sintético, o que quer dizer que NÃO parte de PALAVRAS, que são unidades significativas e contexto da própria realização do fonema.
Advirto que isso de sentir falta das palavras não é só para dar um contexto significativo à aprendizagem, não. Esse aspecto é muito importante, fundamental, numa perspectiva que considera a língua como um instrumento cultural e a sua aprendizagem como um processo ativo de pensamento sobre um objeto significativo, sociocultural. Mas o que ressalto quanto o contexto da palavra é um aspecto estrutural do funcionamento do sistema de escrita. Numa língua que não é transparente (como o finlandês é!!!!), o som das letras depende, em certos casos (ou em muitos casos), do contexto da palavra. O português é semitransparente, o contexto da palavra é fundamental para a realização fonêmica de algumas letras. Veja alguns exemplo disso referente aos fonemas vocálicos, por onde começaremos nossa análise: observe o som da letra E nas palavras CABELO, BELA, CABIDE e BEM. São sons completamente diferentes, sem uso de nenhum acento para determinar essa variação. Pois bem, isso é completamente ignorado no jogo quando se aborda os sons das letras isoladamente.
Falaremos mais sobre a importância do contexto da palavra quando analisarmos as fases dos fonemas consonantais. Mas vamos começar pelas fases que abordam as vogais e seus sons. Como os procedimentos do "jogo", decorrentes da chamada instrução fônica, associam os fones isolados (os “sons” das letras) às letras - como é esperado no âmbito desse método sintético - o aplicativo começa apresentando as vogais (letras), depois os sons das vogais. Nessas fases iniciais já observamos grandes esquisitices...
ATENÇÃO: advirto que, como não falo para linguistas, não uso aqui a representação dos fonemas pelo alfabeto fonético internacional (IPA), mas isso para facilitar o entendimento de educadores.
Primeiro, os nomes das vogais são apresentadas, e até aí, tudo bem, assim como quando apresenta as letras (vogais) maiúsculas e minúsculas, mais ao final dessas fases. Nada grave se, além do game, nesses termos, houver outras estratégias mais contextualizadas e significativas de abordagem dessas letras, seus nomes e traçados, nas práticas alfabetizadoras. Faz parte. Mas quando vai apresentar os sons dessas vogais, eis a confusão! O som das letras E e o O são apresentados como /ê/ e /ô/. Como assim? E os sons /é/, /ó/ bem como o /u/ e /i/ átonos que essas letras também assumem? E as nasais?
Ah, aparecem, mas sabe como? Com acentos! Veja a bizarrice que isso cria. Em oposição ao som /ê/, representado pela letra E, aparecem no rol de escolhas no jogo o som /i/ e o som /é/ representados pela letra I e É, com acento!!! Gente, isso é um absurdo sem tamanho! A letra E pode ter som de é, ê ou i, sem acento nenhum. E pode ser nasal, quando no contexto aparece algum marcador de nasalidade, não necessariamente o til, como é o caso dos dígrafos vocálicos (AN, AM, EN, EM....). Nem sempre o nasal é marcado com til, nem os sons abertos e fechados com acento agudo e circunflexo. Os acentos aí me parecem denunciar essa mistura equivocada de realização sonora e grafia.
Que confusão de letra e som! No nosso sistema há 5 vogais letras que devem representar ao menos 12 fonemas vocálicos. A via de abordagem dessa realidade do sistema ortográfico do português é completamente artificial no aplicativo. Representar os sons das vogais com acentos é misturar completamente letra e som, que mais atrapalha do que ajuda. É um desserviço à aprendizagem do funcionamento da língua. E isso acontece, sabe por que? Justamente porque não há contexto de palavras! Se era pra simplificar, me parece que complicou mais...Ou estão ensinando o que os acentos mudam no som das letras? É para aprender acentos???? Parece, né? Muito confuso tudo isso... Linguistas, socorram aí!!! É tosco demais! E nem falamos ainda que confundem fone e fonema! Chegaremos lá!
Admito que parte disso pode ser um problema da adaptação do GG à língua portuguesa e não da proposta do aplicativo em si mesmo. Lembremos que sua origem é na Finlândia, cuja língua é uma das mais transparentes, cada letra corresponde a um fonema biunivocamente. Cada país fez sua adaptação a sua língua, e aí, já viu, né?
Nas línguas transparentes as relações entre fonemas e grafemas são diretas, as opacas apresentam uma relação entre
grafema e fonema menos consistente, bem mais complexa e arbitrária, fortemente dependente do contexto das palavras, o que
requer, evidentemente, mais tempo de aprendizado e outras estratégias além da instrução fônica. No inglês, por exemplo, de ortografia muito opaca, é frequente precisar ver a palavra inteira para saber como pronunciar suas partes. A alfabetização exige, por isso mesmo, o tratamento de certas sequências de letras, não bastando relacionar letras a sons isolados. Essas são estratégias do inglês. Outras línguas exigem outras e, portanto, é preciso considerar as particularidades do português para propor procedimentos de instrução fônica como os do GG. Então pergunto, podemos garantir que a adaptação brasileira, feita pelo Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), olhou para nossa língua, efetivamente? Consultou linguistas ou apenas a perspectiva cognitivista? Deixou-se influenciar pelo ranço de colonizado desse governo e considerou a estrutura de versões europeias, de ortografias diferentes da nossa? A adaptação ao francês (também mais opaca que o português), pelo que li, respeita as particularidades daquela língua, que tem muitas letras mudas (mudas no contexto das palavras) e cuja morfologia é muito importante para a decodificação. Podemos confiar nessa adaptação ao português? A pedido de um governo que só valida e adota o que vem do estrangeiro e que sublinha com tintas fortes esse viés de “colonizado”? Adaptaram mesmo para a estrutura de nossa língua, de ortografia semitransparente, ou apenas a suas realizações sonoras? O uso de acentos foi o jeitinho enviesado que arrumaram para contornar a complexidade e não transparência do sistema? De driblar o sistema vocálico? São perguntas que me vêm quando vejo tais escolhas equivocadas, que se repetem também quanto aos fonemas consonantais.
É claro que em finlandês, aprender as correspondências entre letras e sons é muito mais fácil e rápido! É uma língua de ortografia altamente transparente... A chamada profundidade ortográfica tem tudo a ver com essa discussão, porque o que pode funcionar em uma língua pode não ser tão produtivo em outra, ou ao menos devem gerar diferentes expectativas em relação às aprendizagens. Mas isso, me parece, também tem sido completamente desconsiderado. Parece que a conclusão a que chegam sobre essa questão é: já que é mais difícil, já que não são relações diretas, mais motivo para treinar mais e para destorcer a estrutura fonológica de nossa ortografia, para caber nessa instrução fônica artificial. Eles usam o próprio argumento da não transparência para justificar o massacre às crianças.
Os fonemas consonantais...e só piora...
Após apresentar o nome das vogais e seus sons (da forma enviesada que comentei sobre as fases iniciais do “jogo”), os sons das consoantes são apresentadas, no mesmo esquema de dar o modelo e solicitar que as crianças relacionem o som pronunciado com a letra. Sempre isso modelo e repetição, memorização e reprodução do modelo dado. E, como nas vogais, a falta do contexto das palavras cria uma ilusão artificial de transparência, na qual cada letra se associaria a um fonema. A voz não é mecânica - ainda bem, já pensou? - mas a pronúncia de sons isolados soa sempre estranha. A tarefa, geralmente, é encontrar a letra que representa o som ouvido dentre as múltiplas opções de letras dadas (vai aumentando o número de opções), no ambiente escolhido pela criança (na versão para escola não há a escolha, mas as fases ficam abertas para poder serem retomadas).
Quando entramos na parte dos fonemas consonantais, já fica bem claro que o GG, em verdade, está mais para um aplicativo gamificado de treinamento fônico do que para um jogo. Vamos continuar analisando-o do ponto de vista das tarefas que propõe para problematizar tanto seu valor na alfabetização, quanto sua natureza de jogo. Como o fonema, no método fônico, é uma unidade bem importante, e é um ponto nevrálgico na crítica a ele, vamos analisar e discutir com calma esse aspecto. Lembro que busco fazer a crítica não apenas de fora, do ponto de vista de outra concepção de alfabetização, mas buscando os próprios termos deles, indo às fontes que eles mesmo se baseiam.
Os procedimentos do GraphoGame, de marcha sintética, partem da apresentação de “fonemas”, já em associação com as letras. Não que a apresentação de fonemas isolados oralmente, sem associar a letras, seja melhor - na verdade também não faz sentido, justamente porque o fonema é uma unidade muito abstrata. Mas com isso, cria-se uma confusão danada, como foi também com os fonemas vocálicos, devido ao fato de desconsiderar que o contexto da palavra é que define, muitas vezes, a realização do fonema, em ortografias não transparentes. E isso vale para as vogais e também para muitas consoantes. Quer um exemplo? Qual o som da letra R? Depende! Se for em RATO é um som, se for em URUBU é outro, ou em TRUTA, que não vem sozinho, mas dando um certo “tiro” junto com o T. E o som do R em PORTA? Ah, depende da variedade linguística, né? Onde fica a variação linguística nesses procedimentos que investem numa associação direta entre letras e sons isolados? O contexto da palavra é TUDO para dizer o valor de um fonema! A escrita nota a ortografia, não a fonologia. A fonologia é uma base, mas não dá conta da escrita. Esse é o problema de uma ênfase exacerbada na instrução fônica muito antes da apropriação do princípio alfabético. Mas, enfim...eles acham que treinar essas relações previamente ensina esse funcionamento, né? Processo de aprendizagem, construção do conhecimento não existem nessa perspectiva, aprender é só o resultado do ensino explícito e ponto. Não importa saber para que e porque aprender tais coisas, o que os sujeitos farão com isso e como se relacionam com esses elementos... Mas por ora, não vou nem entrar nessa conversa de que são perspectivas epistemológicas completamente diferentes. Continuemos, por enquanto, na linha de refletir linguisticamente.
Só nas ortografias transparentes, rasas, ou “um para um”, como o finlandês, por exemplo, cada fonema corresponde, em quase sua totalidade, a um grafema (e vice-versa), biunivocamente. Ou seja, a ortografia aí reflete a fonologia de uma forma muito direta e consistente, normalmente uma letra é pronunciada sempre da mesma forma. Não é o caso da ortografia do português, que se encontra a meio caminho entre a transparência e a opacidade, pois a correspondência entre grafemas (letras e dígrafos) e fonemas nem sempre é linear e inequívoca. Na nossa ortografia, apenas as consoantes P, B, T, D, F e V apresentam relações biunívocas, de um para um (mas o T e o D tem seus alofones relativos à variação linguística regional). Os demais grafemas estabelecem relações múltiplas: um fonema pode ser representado por mais de um grafema (/x/ = X e CH) e um grafema pode representar diversos fonemas (X = /x/, /s/, /z/, /ks/ etc).
Ao estabelecer relação entre a linguagem oral e a escrita, no nível fonológico, quanto menos direta for esta relação, mais difícil é, geralmente, o domínio da leitura e escrita alfabética, mais tempo leva, mais desafios se apresentam. Assim, não é possível esperar que aprender as relações entre grafemas e fonemas isolados vá ter o mesmo efeito, no mesmo tempo, tanto para o finlandês, quanto para o inglês (que é uma das ortografias mais opacas) e o português. É preciso que cada língua lide com as dificuldades de sua ortografia. A pergunta que fica, para mim é: precisa essa complexidade toda na alfabetização inicial? Porque é isso que ocorre quando confrontamos crianças pequenas com essas relações fonema-grafema bem no início do processo. Ou, se não é para compreender, elas viram papagaio repetindo sons e associando a letras sem pensar - o que parece explicar o porquê de não se preocuparem em dizer lá no “jogo” que o som de /s/ associa-se a S, SS e Ç, mas não à letra C, que faz o som /k/. Oi? Como assim? E o G só se associa ao fonema oclusivo, como em GATO, e não ao fricativo, como em GIRAFA. Pode isso? Isso é uma tentativa de simplificação ou uma deturpação? Não termina complicando mais?
Em diferentes ambientes, mas sempre com essa mesmíssima lógica, vão aparecendo, dentre as opções de letras dadas, também algumas letras concorrentes aqui e ali, mas que não são tratadas como tal. Vamos ver como é isso?
Perceba que nesse momento, a fase apresenta o som /s/ e dá dentre outras opções as letras S e C. Ocorre que a letra C também pode representar o som /s/, como em CINTO, CINEMA, CEGONHA, CERCA. Novamente, como nas fases das vogais, mistura-se som e letra, ou opta-se por forjar uma relação inequívoca, quando não é. Mais adiante a fase oferece o Ç também como representação do som /s/, e até o SS. Mas a letra C parece que só faz o “som” /k/. Estranho, não? Se uma criança chamada Cecília, ou Cíntia, ou Celso ou Ciro, jogando, apontasse a letra C para o som /s/ - como ficaria sua compreensão? Esse suposto erro, que o aplicativo indicaria como erro, elas não compreenderiam, não é? E ainda falando em "letras certas"!!! O C não é certo para o som /s/??? O que justifica isso? O fato de a fase começar dando o modelo e focando nos sons /d/ e /s/ para as letras D e S? Vocês acham que Cecília, ou Cíntia, ou Celso ou Ciro, considerariam isso diante da escola entre C e S para o /s/, som inicial de seus nomes? Se acham que o modelo dado justifica, desvela-se ainda mais o absurdo de que o que vale é o modelo e não os sons das letras no sistema de escrita. Ou seja, escancara a perspectiva de estímulo resposta, preparatória para algo que não é ainda a língua. Terrível!
Esse é um dos maiores problemas do método fônico sintético: a pronunciação dos sons isolados das consoantes (não esquecendo dos muitos outros problemas, de muitas naturezas), a suposição de que seja possível pronunciá-los e dar ideia de relação inequívoca. Os fonemas consonantais não são pronunciáveis sem as vogais, a emissão sonora mínima é silábica, não fonêmica, a despeito de o fonema ser a unidade mínima (e abstrata) que estrutura o sistema. Esses sons não existem na cadeia sonora da fala!!! A língua é co-articulada. Os sons das consoantes precisam de apoio das vogais para soar (não à toa são con-soantes, o nome já diz, “soam com”. Com as vogais!). Fazê-los soar sozinhos é abstrato e artificial. Aliás, na tentativa de pronunciar os fones consonantais, sempre vem junto um som vocálico, mesmo que átono, tipo no som da letra B, um som meio “bê” ou “ba” átonos. São sons artificialmente forjados, só temos consciência deles na medida em que estruturam o sistema alfabético, não previamente, na oralidade, e isolados, ligados a letras. Eles não preexistem à escrita, só se tornam observáveis na estruturação da escrita alfabética - e isso crianças de 4 anos, no geral, ainda não compreendem. Aliás, é por isso mesmo que Magda Soares prefere falar em consciência grafofonêmica e não consciência fonêmica. Até mesmo o José Morais, guru dos elaboradores da PNA, diz essas coisas e ressalta a importancia das palavras e o problema dos sons isolados... Certo é que não falamos /m/ /a/ /l/ /a/, falamos MA-LA, a segmentação mínima da emissão é silábica. Falaremos mais disso adiante. A sílaba, aliás, é uma unidade importante na alfabetização em português, ela dá pistas sobre os fonemas. E é muito rechaçada aqui. E acolá! Falaremos disso no próximo post.
Então, com esse arremedo de pronúncia dos sons das consoantes, a bizarrice só aumenta....
Gente, o que é isso desses sons isolados que mais parecem grunhidos de australopitecos? Os supostos sons do N, M e L são sofríveis! Os fonemas fricativos até que ainda dão para tentarmos pronunciar, pois se materializam em sonzinhos que podemos “esticar”, como xxxx, jjjj, ffff... Mas os demais, é muito complicado! E mesmo assim, muito mais informativo se for no contexto das palavras escritas. O fato de crianças com dificuldades de processamento fonológico se beneficiarem com esse tipo de procedimento, de, nesse contexto de atendimento, a estratégia fônica sintética ter algum sentido, não faz disso um caminho preferencial de ensino na escola. Pesquisa, ensino e atendimento especializado não devem se confundir! E ensino não é tampouco pesquisa, muitas outras coisas têm que ser consideradas aí, inclusive o pensamento e curiosidades das crianças, a linguagem viva, dinâmica e em uso, além do distanciamento para refletir sobre sua dimensão sonora. Sim, a língua também pode ser objeto de conhecimento, e não apenas de uso, mas refletir sobre sua estrutura, suas propriedades pode ser feito com outros procedimentos, em contextos lúdicos, letrados, reflexivos, na continuidade das práticas socioculturais. E trata-se de REFLETIR, coisa ausente nesse game. Os trava-línguas, com seus desafios articulatórios, por exemplo, são contextos muito ricos, brincantes e produtivos para brincar e refletir sobre os fones aliterados. Neles, até mesmo os fonemas oclusivos tornam-se observáveis pela repetição, e aí sim, no contexto de práticas culturais potentes - mas isso é conversa para outro momento!
Artur Gomes de Morais, no seu livro de 2019 sobre consciência fonológica, apresenta dados de pesquisa e bons argumentos para mostrar que não é necessário analisar os fonemas isoladamente, nem sintetizar e segmentar palavras em fonemas para se alfabetizar. Observar as aliterações de sons de consoantes iniciais, como por exemplo vários nomes próprios começados pela mesma letra/fonema, observar o que resulta de trocas de letras/fonemas iniciais, que formam pares mínimos, como em bala, mala, sala e pão, mão, cão, constituem em habilidades de consciência fonêmica também, e essas sim importantes para ajudar a abstrair o fonema como unidade que estrutura o sistema, e passíveis de serem propostas em contextos significativos, reflexivos, lúdicos e letrados, se fazendo presentes em jogos de palavras, na oralidade poética, em explorações na literatura infantil. Além disso, tudo isso pode ser abordado de forma condizente com as estratégias infantis ao pensar sobre a dimensão fonológica da língua. Repito, mesmo os defensores do phonics reconhecem outras marchas, outras estratégias de abordagem das relações entre grafemas e fonemas, outros procedimentos.
Uma coisa que pesquisadores da própria Ciência cognitiva ressaltam, é que não é necessário passar exaustivamente por todos os fonemas na tal instrução fônica (seja lá de que jeito isso for feito), pois as crianças compreendem a estrutura fonêmica da escrita antes disso, elas generalizam o funcionamento dessas relações entre língua falada e grafia, a partir do entendimento da lógica dos fonemas (por qualquer marcha), quando, então, compreendem esse princípio alfabético. Generalizam! Pensam! Exige-se operações mentais complexas, não treinamento. O próprio referencial que validam argumenta que as crianças generalizam, que pensam, envolvendo operações mentais complexas, reflexão, abstração, cognição, metacognição, e não memorização, repetição e reprodução. Mas o GraphoGame desconsidera isso e procura abarcar todos os fonemas, na relação com a escrita, exaustivamente, com repetições muitas. E mesmo aqueles fonemas cujas correspondências com a grafia são múltiplas! Feito de um jeito torto. Com tudo isso, podemos concluir que o aplicativo fundamenta-se assim não exatamente na ciência cognitiva, mas na perspectiva do estímulo-resposta, envolvendo procedimentos baseados em perspectivas associacionistas, mecanicistas, positivistas, como no método fônico tradicional.
E isso tudo, ao preço de destorcer a estrutura fonológica e ortográfica do português, de criar uma confusão danada entre fonema, fone e letra, de artificializar a língua; ao preço do desinteresse tanto dos que não veem sentido naquilo quanto dos que logo compreendem o princípio por generalização; ao preço do treinamento ficar completamente na frente do jogo. E aí deixa de ser jogo. Onde fica mesmo a aprendizagem significativa, a natureza de jogo, o lúdico, que eles alegam, e o caráter de prática sociocultural que jogos de verdade têm, se o “jogar” vira mero acertos e erros enfadonhos? O pragmatismo pedagógico altamente instrumentalizado engole qualquer possibilidade de vislumbre de jogo ali. Onde fica a linguagem escrita, tratada assim como técnica, que artificializa e deturpa o sistema de escrita com uma abordagem reducionista e equivocada, sem nem mencionar destituída de seu caráter sociocultural? Onde fica o pensamento, a reflexão?
E a variação linguística?
O foco em fonemas isolados, seja associando-os às letras, seja em sínteses e segmentação de fonemas nas palavras, merece ainda outra problematização. Ao colocar ênfase na dimensão sonora da língua, ao focar os fonemas como unidade de análise da escrita antes que as crianças possam dar conta da complexidade da ortografia, precisamos lembrar que a língua falada varia, ela não é falada da mesma forma por todos os falantes. Há variação regional, geográfica; há variação histórica, diacrônica, que implica também em variação geracional; há variação social e etc. Faz parte da língua falada variar, é uma realidade da língua. Não podemos voltar ao tempo em que se confundia língua portuguesa com norma culta ou com norma padrão, e o resto era visto como “erro”, vício de linguagem e coisas do gênero.
O GraphoGame, assim como a Política Nacional de Alfabetização (PNA) em geral - contexto em que esse aplicativo foi desenvolvido no Brasil - não se ocupa dessa questão da variação linguística ao apresentar seus procedimentos de treinamento das relações fonemas-grafemas. Aliás, gente, esses sons pequenininhos, menores que as sílabas, nem são propriamente fonemas. São fones, que são a materialização sonora, fonética, desses fonemas. Fonema é outra coisa. Parece firula, mas não é, porque é justamente isso que faz com que a escrita note unidades que podem ser pronunciadas diferentemente em diferentes variedades linguísticas. A unidade fonema, que estrutura o sistema alfabético, é uma imagem mental que os falantes têm do som das letras, dos grafemas, em si mesma uma representação, fonemas não são sons propriamente, materialidade sonora. O problema, então, já começa daí. A ortografia é baseada na relação fonema/grafema e não na relação som (fone)/letra. Se a ortografia notasse a relação som (fone)/letra, teria que representar qualquer variação de pronúncia e, consequentemente, de fones. Não é o que acontece, né? Um fonema pode ser realizado de forma diferente por diferentes falantes, resultando em fones diferentes, alofones (variantes nas realizações fonéticas do fonema), como, por exemplo, o fonema /d/ na palavra DIA, que, a depender da região, pode ser pronunciado “dia” ou “djia”, sendo /d/ e /dj/ alofones, não dois fonemas diferentes, pois a palavra continua a mesma. Lembremos que a definição de fonema é, justamente, ser uma unidade distintiva, se a troca de um fone resulta em outra palavra, com sentido diferente, então é um fonema. Por exemplo, se trocarmos o /f/ por /v/ na palavra FACA, temos VACA, então trata-se de fonemas diferentes. Um fonema é um fonema em oposição a outros fonemas, no contexto das palavras! Assim, se não mudar a palavra, não é um fonema diferente, como no caso da palavra DIA. Ou seja, nem todos os sons de uma língua constituem em fonemas. (Aliás, o que reforça a problematização de apresentar os fones isolados, sem o contexto das palavras).
E é justamente porque os fonemas não são sons propriamente que o sistema alfabético pode registrar esses fonemas, independentemente de sua realização sonora nas diferentes variedades linguísticas! Podemos pronunciar diferentemente a palavra PORTA, MENINO, BANANA, em diferentes regiões do Brasil, mas a relação fonema-grafema se mantém, justo porque o fonema é abstrato e não uma materialização sonora. Percebe?
Por isso, mais uma vez, insisto que o contexto das palavras é fundamental na abordagem dos fonemas, também por isso tudo. Percebem como essas fases iniciais do GraphoGame, assim como esses mesmos procedimentos em outros contextos, são muito problemáticos? E nem entramos ainda em variações sociais mais complexas. Mas tem isso também! O que será das crianças que pronunciam /b/ para palavras com V, como “bassoura”, “barrer”? É uma realização fonética de certa variação linguística, nesse caso, não funcionam como fonemas diversos. Então, tal qual o abordam nesse aplicativo e nos produtos da PNA em geral, será que vão voltar à ladainha de que os sujeitos só vão se alfabetizar se aprenderem a falar? Deixar, novamente, grande parte dos sujeitos acharem que não sabem falar a sua língua? De novo confundir língua oral com língua escrita? Gente! Daí já podemos logo imaginar também o massacre que esse reducionismo tosco da complexidade da estrutura fonológica da língua e de sua representação gráfica pode ser para as crianças falantes de variedades muito distantes das legitimadas pela escola (a adultos em processo de alfabetização também!). São as crianças que estão em nosso ensino público! É um retrocesso ver com essas lentes o processo de alfabetizar! Aqui não é a Finlândia! Nem pela transparência da língua, nem pelo nível de escolarização da sociedade.
Numa política pública, ao indicar uma perspectiva que enfatiza a dimensão sonora da língua não é possível se furtar de incluir e discutir sobre a questão da variação linguística. E nada é dito sobre tal na PNA, política do MEC em que o GraphoGame se insere. (Na verdade, política pública não deveria nem definir uma perspectiva ou método). E esse silenciamento é preocupante. O que quer dizer? É como se todos fossem falantes de variedades legitimadas? Ou pior, como se fosse dado como certo que todos tivessem que consertar sua fala para se alfabetizar, e portanto nem precisa falar disso? Certamente, veem tal aspecto da fala como deturpação, erro, algo a ser corrigido, mudado a todo custo. Mas, o que esperar de uma perspectiva que nem mesmo as múltiplas correspondências entre fonemas e grafemas da nossa ortografia (que ocorrem também no âmbito da variedade culta), eles respeitam? Lendo artigos do próprio coordenador do GraphoGame no Brasil, bolsonarista de carteirinha, diga-se de passagem, me deparo com isso, ao explanar sobre o GG:
Gente, jura? Ele transpõe uma argumentação que vem do contexto de pesquisa de dislexia para analisar a questão da variação linguística? Sério isso? Jura que relaciona variação com percepção auditiva? Jura que está valorando? Isso é varrer para debaixo do tapete um dos elementos que problematizam essa ênfase que é dada na dimensão sonora da língua e, em especial, na unidade fonema. Estamos voltando à Idade da Pedra? Olha, me recuso até a comentar!
Então, vou comentar outra coisa. Se Cecília, ou Cíntia, ou Celso ou Ciro ficariam confusos ao não ver a letra C deles fazer o som /s/ nesse "game", o erro é de quem? Não se preocupem, crianças, vocês não estão erradas. Mas além desses equívocos no tratamento dos fonemas, o GG também tem erros mesmo. Provavelmente adaptado às pressas para o português, para mostrar serviço do MEC, propagandear seu suposto alinhamento internacional, validar, aos olhos dos incautos, sua retórica das evidências científicas, deu até nisso: ERROS CRASSOS. Um, é esse: num certo momento, o aplicativo dá o som /f/ e não oferece a letra F como opção, indicando a letra G como correspondente a esse som. Erro? Claro, acontece. Não vão consertar? Provavelmente em novas versões. Mas o que havemos de pensar é: de onde vem esse erro, complicado para as crianças que usam o aplicativo - O que ele significa?
Fonema é uma coisinha pequeninha e faz muito barulho, por isso mesmo: é uma unidade fonológica (não exatamente sonora) abstrata. Agora, em sendo assim, podemos tomar dois caminhos quanto aos fonemas: massacrar as crianças para que eles entrem a ferro e fogo, previamente, já que, por constituírem uma unidade abstrata, devem ser ensinados a todo custo e o quanto antes, ou partir de procedimentos mais holísticos, que levem em conta o pensamento das crianças - que penam sobre a escrita!!! - até que se chegue à abstração do fonema e, possam, só aí, compreender, de fato, o princípio alfabético e começar a se ver com as dificuldades ortográficas. Lembrando que se trata de uma ortografia semitransparente, e de considerar, igualmente, a questão da variação linguística. Que caminho toma o GraphoGame? Pois é, ressalto também que argumentam insistentemente que a marcha analítica não funciona, para defender a marcha sintética, mas futucando bem, vemos que eles contrapõem a um suposto método global ideovisual, em que se investe na apreensão global, visual da configuração gráfica das palavras, sem propor análises em unidades menores, sem abordar explicitamente as relações entre fonemas e grafemas. Quem é mesmo esse inimigo invisível e inexistente? Que perspectiva defende hoje que não se aborde as unidades sublexicais e ensine o princípio alfabético? Isso é só retórica deles. A questão é que não há um único modo de abordar essas questões. Aprender as relacoes fonemas/grafemas não tem que ser, necessariamente, o ponto de partida, de forma isolada sem o contexto das palavras, nem de forma mecânica, com base no treinamento. Queremos crianças que pensem sobre a língua, inclusive sobre suas unidades menores e sobre a estrutura da escrita alfabética. Mas que pensem! Queremos crianças que interajam de forma rica, viva e socioculturalmente referenciada com esse instrumento cultural - como já dizia Vygotsky - não com uma técnica fria, vazia de sentido, vazia de cultura, de linguagem, isso que nos humaniza e nos põe no contexto social.
Dígrafos? Aos 4 anos?!!!
Falamos dos dois caminhos que se pode tomar pelo fato de o fonema ser uma unidade abstrata, que não se adquire naturalmente e, portanto, seria preciso abstrai-lo, ensiná-lo de algum modo. Vimos que o GraphoGame toma o caminho de apresentar essa unidade e sua relação com letras isoladas como ponto de partida, e o caminho do treino e não do pensamento, da generalização. Mas é pior ainda! Eles tomam o caminho de adiantar até mesmo elementos que remetem às dificuldades ortográficas para crianças desde os 4 anos!!! Na continuidade da bizarrice na apresentação dos relações entre grafemas e fonemas, o aplicativo GG começa a apresentar também os sons de dígrafos como SS, NH, LH, CH...
Ou seja, não se trata apenas de ensinar sistematicamente e sinteticamente o princípio alfabético para crianças no momento de formalizar mais os processos da alfabetização, mas de ensinar previamente mesmo, como conhecimento primeiro, pré-requisito para analisar a língua escrita. Mesmo considerando “língua escrita” aí apenas como o sistema alfabético (ela é mais que isso, né?), é um absurdo, principalmente (mas não apenas) se pensarmos que são crianças desde os 4 anos! Não há o tempo de se perguntarem sobre o que é a escrita, não há tempo de terem curiosidade e desejo de se apropriar desse instrumento cultural, não há tempo de refletir sobre seu funcionamento, de descobrir a natureza fonológica da língua, de entrar na escrita pelas práticas socioculturais. Não há tempo daquilo fazer sentido para elas!
Nos dígrafos, a junção das duas consoantes representa apenas um fonema - para que expor as crianças a essa peculiaridade nessa fase tão inicial? Pobre das crianças de 4 a 6 anos, que ainda nem começaram ou estão só começando a compreender o funcionamento do sistema alfabético, que não sabem ainda o que essa cantilena de sons esquisitos, forjados artificialmente, faz para que possam ler histórias, comunicar uma ideia, e já têm que se preparar para as dificuldades da ortografia! Típica preparação para algo que as crianças não sabem nem para que é. Treinamento para o futuro, nenhum vislumbre de LINGUAGEM ESCRITA, nenhum respeito à curiosidade das crianças sobre esse instrumento cultural, nenhuma situação de REFLEXÃO. Tipo aprender o bê a bá sem nem saber o que é a notação escrita e para quê a escrita, mais amplamente, serve. Sem ser convocada a refletir e aprender como a escrita alfabética, efetivamente, funciona. Só treino e preparação para o futuro. O reino da sonorização mecânica acima de tudo e de todos, passando que nem trator por cima das crianças, da aprendizagem e da língua. E esse som meio nhã? É isso que o NH faz na palavra NINHO????
Para que ocupar as crianças com essa cantilena monótona, fastidiosa, sem sentido, quando ainda não estão preocupadas com as convenções da língua, mas com seu funcionamento fonológico mais básico? Treinar os sons desses dígrafos sem o contexto das palavras não vai fazer sentido algum para crianças que ainda não estão se deparando com a ortografia das palavras, que não estão, efetivamente, em contato com palavras escritas em que eles se fazem presentes. E se nessa alfabetização que pregam os textos são altamente controlados, visando a confrontar as crianças com palavras que já possam decodificar, como as crianças vão estar em contato com palavras com esses dígrafos? É ao tentar ler ou escrever palavras como GALINHA, CHUVA, SONHO, GALHO, GUERRA, QUIABO e etc, que elas vão se deparar com essas outras formas de grafar os sons da língua, se perguntando se CHUVA é com X ou CH, brincando de “tirar a filha da fila e a malha da mala”, como José Paulo Paes brinca e faz poesia com a letra H... Para que confrontar crianças de 4 a 6 anos com as convenções e até as arbitrariedades da nossa ortografia (S/SS, CH/X)? Para que fazê-lo sem as palavras? Aliás, é importante que se diga: o português é mais transparente para a leitura e menos transparente para a escrita. É quando vão aprender a escrever ortograficamente que esses aspectos se tornam importantes, não para a alfabetização inicial, quando o que está em jogo é entender a natureza fonológica da escrita e seu funcionamento alfabético. Isso apresentado assim é antecipar completamente questões que não se colocam para essas crianças menores. É tudo mera memorização... Onde está o sujeito? Onde está a língua, a linguagem? Onde está o pensamento?
Tanto os dígrafos - em que cada consoante perde sua unidade sonora, pois a sequência de duas consoantes forma um único som (um só fonema) - quanto os encontros consonantais - em que cada consoante mantém sua unidade sonora, distinguindo-se o som de cada consoante (fonemas diferentes) - são fenômenos que, sem o apoio nas palavras escritas, não faz sentido algum. É nas palavras que isso faz sentido e para escrever, não para compreender o funcionamento alfabético. Sem esquecer que há casos em que é o contexto da palavra que diz se é dígrafo, como no caso do QU e GU (é dígrafo em QUilo e GUerra, mas não em QUadro e linGUiça). Sem as palavras presentes fica tudo muito abstrato! Ficar escutando o som que supostamente faz o LH e o NH, sem as palavras, vira uma cantilena de sons de australopitecos! E o que falar das convenções dos sons /x/ como X ou CH, e do som /s/ com S ou SS? Entrar no mérito das diferentes grafias do /s/ (e excluindo a letra C disso), é adiantar um conhecimento que é para crianças que já compreenderam o princípio alfabético. Mas, isso já sabemos, não é? Para definir o passo a passo do método, eles escolhem como foco a ESTRUTURA do sistema alfabético, não o ponto de vista da língua escrita, verdadeiramente, nem da aprendizagem da criança. E misturam tudo num liquidificador: o que é necessário para se apropriar do sistema e o que é necessário para escrever ortograficamente. Tudo isso para 4 a 9 anos, e sem chance de selecionar as fases supostamente mais condizente com cada faixa.
Esse é um tipo de complexidade que só faz sentido APÓS as crianças se apropriarem do princípio alfabético, entenderem como a escrita alfabética funciona, pois aí é que se deparam, na culminância de um processo longo de se apropriar das propriedades do sistema, com as múltiplas correspondências entre fonemas e grafemas e as convenções da ortografia. Aí sim cabe as complexidades ortográficas, a grafia e o som de dígrafos. Essa abordagem de sons de dígrafos para crianças pequenas, antes de tudo isso, é completamente absurda!
Fechando as fases iniciais...
Alonguei-me nessas fases iniciais do GG, pois elas remetem, diretamente, a dois dos pilares da alfabetização, definidos na PNA: a consciência fonêmica e a instrução fônica, elementos principais da perspectiva que assumem, e que influencia todos os outros pilares e todas os princípios dessa perspectiva.
Mas para fechar quanto a essas fases iniciais do GG, que envolvem a relação (muito mal feita) dos grafemas com os fonemas vocálicos, consonantais e os dígrafos, lembro: consciência fonêmica e ensino das relações fonema e grafemas não é o mesmo que método fônico ou exclusividade dessa perspectiva e, muito menos sinônimo de método sintético. Mesmo o chamado phonics - considerado como a abordagem sistemática das relações entre fonemas e grafemas - pode ser ensinado com uma variedade de estratégias e abordagens, não apenas com o método fônico sintético. Essa é uma escolha do GraphoGame e da PNA em geral. A opção por esses procedimentos não é uma verdade última que se possa tirar das pesquisas cognitivas. Eles fizeram escolhas e, muitas vezes, a partir de uma retórica enviesada para fazer parecer que a ciência cognitiva da leitura valida tais escolhas e apenas essas, silenciando sobre o fato que há diferentes modos de propor um ensino explícito e sistemático. Ensinar os sons isolados das letras e a sua síntese em palavras é só um dos caminhos - o mais abstrato, descontextualizado, artificial e sem significado. Há outras abordagens, como a de aprender os sons em grupos de letras, constituindo rimas, sílabas e encontros consonantais - que podem ser abordados de forma mais mecânica, descontextualizada, ou de forma contextualizada, sem perder a vinculação com a semântica da língua, em diversos contexto, como em jogos de palavras na literatura; em situações de jogos diversos, não de treinos disfarçados de jogos; na fruição da oralidade poética, brincando com trava-línguas e outros textos da cultura lúdica, dentre outras possibilidades, que preservam o caráter de interação social da linguagem e seus usos lúdicos e letrados. Há outras estratégias fonológicas que implicam o reconhecimento de unidades maiores que são produtivas no ensino da leitura de sistemas ortográficos semitransparentes. Recorrer a outras estratégias de decodificação depende do tipo de palavras a ler, da tarefa de leitura, do método de ensino utilizado e do nível de profundidade ortográfica da língua (transparente ou opaca).
A adaptação do aplicativo para o francês parece que não ignorou a realidade de sua língua, já que considerou efeitos morfológicos, que são importantes para a decodificação nessa ortografia. E aqui? Por que ignoram, quanto ao português, certas relações múltiplas de determinadas letras, por que ignoram a estrutura silábica simples e nossa língua tão silábica e a realidade concreta da segmentação silábica no fluxo da fala? É possível chegar aos fonemas a partir de uma forma mais holística de segmentar a língua, muito mais aproximada do modo de pensar das crianças e sem ignorar a co-articulação da fala. A consciência fonêmica é a culminância de um longo processo de reflexão sobre a língua, sobre suas unidades fonológicas diversas, até que se chegue a discriminar fonemas, em presença das palavras escritas. A escrita fornece um modelo de análise do oral e a sílaba ajuda muito a tomar consciência do fonema. Observar, por exemplo, que nas palavras ROSA, RITA, RAFAEL, RUTE, REGINA, RAQUEL tem esse segmento sonoro parecido, nas sílabas RO, RI, RA, RU, RE, que RAFAEL e RAQUEL tem ambos RA, mas CAMILA, por exemplo, soa parecido pelo A, mas o som muda, confrontar com a escrita e observar que essa coisinha parecida é o som do R, que tem um sonzinho diferente em RA e CA, são situações muito mais naturais do que partir do fonema, artificializando a língua, e sintetizá-los em sílabas, para muito depois formar palavras. A sílaba dá pistas sobre os fonemas, assim como os próprios nomes das letras. A consciência fonêmica é importante, mas não tem que ser o ponto de partida, e nem associada a habilidades como isolar e sintetizar fonemas, como bem ressalta Artur Gomes de Morais. Esse é o grande problema de uma marcha sintética do phonics. O raciocínio é: se os fonemas são abstratos demais, precisamos ensiná-los, treiná-los, massacrar as crianças até que entre a ferro e fogo! E começar por eles! Começar pelo mais abstrato! E fingir que tudo que se opõe a isso é procedimento global ideovisual que não propõe a análise do funcionamento alfabético da escrita. Tudo retórica, falácia.
É claro que compreender o princípio alfabético, aprender a estabelecer as relações entre fonemas e grafemas é fundamental na alfabetização. Mas não se chega a apenas pela via do método fônico sintético, que artificializa a língua isolando fonemas que são impronunciáveis sozinhos, sem o apoio de uma vogal. Não se chega a isso por essa via, sem desconsiderar o pensamento da criança e comprometer o real funcionamento da escrita alfabética, que nota a ortografia, não a fonologia. Não se chega a isso segmentando palavras em fonemas e sintetizando fonemas para formar sílabas e palavras - próximos níveis do “jogo”.
A política de alfabetização que temos hoje escolhe o caminho mais seco e frio, que, supostamente assentado em evidências científicas, desvaloriza a criança como sujeito social, cultural e pensante; artificializa a língua, reduzindo a linguagem escrita a uma técnica; e chama de jogo um treino que transforma as crianças em robozinhos visuais e sonoros, repetindo modelos e apertando telas sem pensar, tudo isso embrulhado em cenários de aparente jogabilidade. O jogo e a língua perdem aí seu caráter de objetos culturais, esvaziados enquanto prática socioculturais, quanto também o são as crianças como sujeitos e a aprendizagem como um processo complexo.
O contexto de jogabilidade e a simulação tridimensional de uma atividade supostamente interativa, com um sistema de recompensa para tornar o treino supostamente atrativo, é suficiente para conferir ares de situação lúdica a esse treinamento disfarçado de jogo digital? Com o treinamento mecânico na frente, onde fica mesmo o lúdico? O que define o lúdico não é apenas a experiência cultural que reputa os jogos como lúdicos - também aí comprometida - mas a experiência singular de quem sente a experiência como lúdica. O fato de ser (se é que é) um game não é garantia de experiência lúdica nem de aprendizagem significativa. Mas, o buraco é mais embaixo ainda: pode isso aí ser jogo, verdadeiramente vinculado a uma prática social, e mobilizar uma aprendizagem significativa? Onde está o significativo aí, tratando a criança e a língua dessa forma? Tanto a dimensão cultural quanto subjetiva do lúdico são potencialmente comprometidas nessa ferramenta. Gostaria de ver as crianças...
Por ora é isso, gente! Em breve faço uma segunda postagem para comentar as fases em que as letras/sons começam a formar sílabas e depois palavras. Pensam que melhora? Em breve! Continuo "jogando", enfadada, mas por uma boa causa. Espanta-me muito a quantidade de professoras/es achando essa ferramenta maravilhosa...
Ver aqui a Parte 2 dessa análise, que se refere às fases que abordam sílabas.
Quer saber mais sobre o fonema e o que mesmo acredito que é preciso, quanto a essa unidade, para se alfabetizar, no que diz respeito à consciência fonêmica e grafofonêmica? Vai lá no blog, no post "E os fonemas?".
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
POST 0 - Sobre a PNA – alguns apontamentos
A
Política Nacional de Alfabetização (PNA) foi lançada por decreto (isso diz o
que sobre tal política), em abril de 2019. Totalmente construída com base na
perspectiva da abordagem fônica, referenciada em pesquisas da ciência cognitiva
da leitura e em programas levados a cabo em outros países, importa, junto com a
supostamente neutra ciência cognitiva, um viés altamente instrumental de
alfabetização, alinhado à perspectiva das avaliações, testagens, da eficiência,
eficácia, em um arcabouço semântico e discursivo que reduz a educação a uma
instrumentalização técnica dos sujeitos numa sociedade mercantil, meritocrática
e neoliberal. A educação em seu sentido “essencial”, social e humanista, visando
à formação de sujeitos pensantes, críticos, e a alfabetização e letramento vinculados
às oportunidades desses sujeitos em lidar com as diversas práticas sociais de
leitura e escrita da sociedade em que estão inseridos, parece bastante ameaçada
– sabemos disso. Com isso, minimiza-se o papel da escola, numa sociedade com
tamanhas desigualdades sociais, e em um tempo em que descobrimos que os ideias
de justiça social, respeito à diversidade e aos direitos humanos não estão
garantidos. O liberalismo deu lugar ao neoliberalismo predatório, e à
mercantilização da educação, impulsionada ainda lá nos anos 90 – mas que vem
agora a rodo, passando por cima de tudo. O neoliberalismo na educação e a
instrumentalização técnica dos sujeitos andam de mãos dadas, e essa perspectiva
da PNA, no seu modo de se apresentar, também. Quanto a essa questão, sugiro que
assistam ao vídeo com a fala do francês Christian Laval, sobre a temática de
seu livro, “A ESCOLA NÃO É UMA EMPRESA: o neoliberalismo em ataque à educação
pública”, traduzido para o português pela Boitempo. Dá um panorama do contexto
no qual toda essa discussão se insere.
Esse
contexto maior não pode ser negligenciado ao analisarmos a PNA e sua
implantação no Brasil atual. Disfarçados de conhecimento universal, neutro e
contra a ideologia, o referencial científico e a política pública que defendem
no MEC, hoje, traz a retórica de salvacionismo político e pedagógico. Fosse
apenas divergências teórico-metodológicas... Mas... Não podemos esquecer, no entanto, que as
políticas públicas constituem uma instância que se articula de modo dinâmico e
complexo às instâncias das teorizações e das concretização de ambas nas práticas,
bem como com os interesses mercantis articulados às escolhas no âmbito das
políticas. Aguardemos como será sua implementação, mas o modo como sua
instituição tem se efetivado, desde o tal Decreto, não nos dá motivos para
esperar boa coisa, não, nem em termos políticos, nem pedagógicos.
Mortatti
(2000; 2010) fala das dinâmicas relações entre tematizações, normatizações e
concretizações nas concepções de alfabetização e, por isso, falar de políticas
também envolve falar de concepções de alfabetização e de sua concretização
pedagógica. E o campo das concepções de alfabetização é, e sempre foi, um campo
de conflitos e de disputas sobre quem está com a verdade sobre o que é
alfabetizar e como se alfabetiza, e de luta pela hegemonia em dizê-lo, com
alguns diálogos possíveis. E isso tanto no passado, como no momento atual. É da
própria dinâmica do campo, como argumenta Mortatti (2000), que se move, historicamente,
na dialética entre o novo e o antigo, o tradicional e o inovador, o novo
tornando-se antigo e o inovador, tradicional, nos discursos que se sucedem.
Dinâmica com suas mudanças e continuidades, permanências e rupturas que operam,
simultaneamente, articulando teorizações, normatizações das leis e políticas
públicas, e concretizações de ambas na prática pedagógica. Sugiro o post sobre o campo da alfabetização, com muitas indicações de leitura sobre a temática.
Entretanto,
talvez jamais tenha se verificado, como agora, um achatamento do campo, a
tentativa de validar uma voz única, o desrespeito à diversidade de concepções,
o uso de falácias e premissas equivocadas para ganhar a argumentação e impor
uma perspectiva – ainda que, por vezes, com uma retórica mansa de que não é
imposição. Querer fechar o diálogo – e, para tal, dar às “palavras”, aos discursos,
outros sentidos que eles não têm – é, inclusive, um estratagema fascista...e
assim o fazem em relação às perspectivas que querem criticar (considerando aqui
os equívocos conceituais e premissas equivocadas que os defensores da
perspectiva fônica usam para se referir, por exemplo, a “letramento”,
“construtivismo”, “função social” etc). E para tal, buscam meios de impor um suposto discurso de autoridade. Na forma como estão agenciando a PNA e
a abordagem que a fundamenta, com metadiscursos que supostamente lhes dariam autoridade, e colocando-se como campo neutro, universal, negam
sua natureza de concepção, negam-se como representantes de UMA perspectiva assumindo-se
como representantes DA única perspectiva que seria legítima. Mas, para quem
varre para debaixo do tapete a natureza sociopolítica inerente da linguagem, é como
se fosse possível adotar um discurso objetificado, neutro, fora da ideologia,
fora de um ponto de vista, de um lugar de onde se fala... Mas é bem assim:
Diversas
perspectivas e pesquisadores do campo da alfabetização, que possuem diferentes
bases epistemológicas, seguem debatendo, com entraves também, por vezes, e luta por hegemonia, mas sabendo-se concepção. E tendo espaço
no debate, essas concepções seguem nos interpelando quanto aos diferentes aspectos, facetas,
dimensões envolvidas, contribuindo para que não percamos de vista a
complexidade que é ensinar e aprender a língua escrita (SOARES, 2004, 2016). Precisamos seguir, ainda que, por vezes, com divergências inconciliáveis, labutando
pela melhoria das condições de formação inicial e continuada de professores,
sem sectarismos, e as condições do trabalho docente em nosso país, pois sem
isso, não há abordagem, método ou concepção que dê jeito. Só assim, podemos assegurar que a dimensão técnica, didática, metodológica, se articule à dimensão humana e política, conforme discute Candau (2013). Mas, no caso deles, há
animosidade, desrespeito e cinismo no trato com o campo da alfabetização, e podemos duvidar
se buscam mesmo esses princípios quanto ao papel da educação e da
alfabetização.
Não é
de hoje que a perspectiva fônica busca representatividade nas políticas
nacionais, estaduais e municipais no Brasil, envolvendo, inclusive, articulações
“lobísticas” com os governos e a mídia, interesses editoriais e benefícios
políticos a seus propositores. No atual governo, cavam seu lugar e se apresentam
com a retórica da alternativa única de concepção válida de alfabetização,
achatando, como já dito, a complexidade do campo e suas diversas concepções,
que focam, muitas vezes, diferentes facetas da apropriação de um objeto de
conhecimento – a linguagem escrita – que é complexo e multifacetado. Para eles, diversidade é dejeto, doença a ser superada com conceito e metodologia única.
Se a
ciência cognitiva da leitura tem coisas a nos ensinar sobre a alfabetização – e
tem sim – e se a abordagem fônica precisa também ter seu espaço no debate entre
concepções de alfabetização, ela não pode ser a referência única para
determinar os rumos da alfabetização no país. O problema maior dessa abordagem
teórico-metodológica, então, é o como ela se apresentou ao conseguir o espaço
tão almejado no MEC, se apresentando, por decreto, como única perspectiva
válida para referenciar uma política pública, operando um apagamento de toda a
diversidade de concepções desse campo. Única vertente válida e validada para
gerir os rumos da alfabetização, tentando silenciar todas as outras abordagens
– seja as desqualificando, seja numa tentativa mal amanhada de cooptá-las, com
uma retórica mansa que tenta apagar as divergências enormes de princípios em
questão.
Devem
estar bem bastante satisfeitos e se sentindo “por cima da carne seca”, já que
finalmente ganharam esse espaço, e assim, com esse respaldo político, tentam
sobrepujar-se a todo o campo da alfabetização no Brasil, com um aparente
ressentimento – que aparece na linha argumentativa em diversos momentos – a
verdade última que eles têm o privilégio (!!!) de portar não era ouvida!
(Ironia detectada).
O
problema maior, então, é achar-se no direito de determinar, impor e “fechar
questão” de que uma determinada abordagem teórica e/ou metodológica pode ser a
única legítima e que, sozinha, resolveria todas as questões que envolvem o
ensino e a aprendizagem da língua. Nenhuma abordagem dá conta, sozinha, de
todas as facetas da apropriação da linguagem e da cultura escrita, muito menos
de todos os problemas de alfabetização do país. Considerar diferentes áreas do
conhecimento, diferentes perspectivas é, geralmente, fundamental para dar conta
de um objeto complexo e multifacetado como é a linguagem escrita. Ademais, os
problemas que envolvem a alfabetização no Brasil não são estritamente
didático-pedagógicos. Nenhum método ou abordagem, isoladamente, dá conta desses
problemas, que envolvem a melhoria das condições das escolas públicas, a
valorização profissional dos docentes, o combate à desigualdade social, dentre
outros.
Como
objeto multifacetado, a linguagem escrita exige diferentes focos. Pensar a
alfabetização, hoje, exige atenção a diferentes perspectivas, advindas, muitas
vezes, de diversas áreas do conhecimento, campos de estudos diversos, com suas
contribuições específicas – mas sem esquecer a Pedagogia, a interpretação
pedagógica dos conhecimentos produzidos pelas diferentes áreas do saber. Pedagogia à qual eles torcem o nariz, colocando-se num lugar superior numa suposta hierarquia de saberes mais valorizados. Determinada perspectiva, qual seja, embora possa ser considerada fundamental ao
campo, não dá conta de todas as facetas da apropriação da linguagem escrita
(SOARES, 2004, 2016), demandando que o campo pedagógico possa articular
diferentes perspectivas de modo coerente e produtivo. E tem muitos pesquisadores da área de educação discutindo alfabetização, e considerando estudos dessas diversas áreas de conhecimento.
Mortatti
(2015, p. 119) alerta, no entanto, quanto ao “ecletismo teórico-conceitual”, ao
silenciamento das tensões no campo, que a autora denuncia, como a “tentativa de
imposição de falso consenso, por meio da homogeneização de pluralidade de
pontos de vista e posições teóricas e políticas, sabidamente em disputa.”
Assim, é preciso ter atenção aos ecletismos desavisados, claro, não dá para
apaziguar as divergências com combinações e bricolagens aleatórias e
simplórias. Por
outro lado, é preciso atentar, como afirma Belintane (2006, p.273), à
necessidade de consensos mais amplos e diversificados, que considere o
movimento dialético que é típico do conhecimento científico contemporâneo em que
se busca a interdisciplinaridade, se respeita a heterogeneidade e se considera a
complexidade dos processos e das diversidades culturais. E, no meu
entendimento, a questão das diferentes facetas das quais fala Magda Soares,
completa bem essa ideia. Também no campo da Didática, Candau (2013, p. 35) sublinha que o grande desafio é "assumir que o método didático tem diferentes estruturantes" e que o importante é articula-los e não "exclusivizar qualquer um deles, tentando considerá-lo como único estruturante".
É
importante achar um equilíbrio entre as facetas, e ter em mente diferentes
pontos de vista sobre como abordá-las metodologicamente, sem pretender uniformizar ou acabar
com as diferenças de perspectivas, que sempre nos interpelam – e é normal que
seja assim, no campo da construção de conhecimentos científicos na área das
ciências humanas. As contribuições dos diversos campos ora se combinam para dar
conta da complexidade da prática pedagógica, ora se apresentam em disputa,
havendo, assim, tendências, mas também tensões no campo das concepções de
alfabetização. Essa é uma dinâmica própria ao campo.
Mas vem uma perspectiva que, parecendo não se saber perspectiva, se apresenta como verdade, apoiando-se no discurso de autoridade e da validação científica – e ainda assim, amaciando com a retórica do diálogo e da adesão voluntária (voltaremos a isso adiante). Convoco Mortatti (2010, p. 339), para nos lembrar que a “verdade científica do momento” pode ser considerada como uma “semimercadoria” que “circula no simbólico mercado científico”.
Mas vem uma perspectiva que, parecendo não se saber perspectiva, se apresenta como verdade, apoiando-se no discurso de autoridade e da validação científica – e ainda assim, amaciando com a retórica do diálogo e da adesão voluntária (voltaremos a isso adiante). Convoco Mortatti (2010, p. 339), para nos lembrar que a “verdade científica do momento” pode ser considerada como uma “semimercadoria” que “circula no simbólico mercado científico”.
Considerando
o campo da ciência cognitiva da leitura, referência básica, única, da PNA, e a
própria PNA, que também faz escolhas de perspectivas dentro desse vasto campo
da ciência cognitiva – sim, também tem isso! Há recortes nada neutros –, há três aspectos que é preciso
considerar: os aspectos que não podemos negligenciar, que são apontados e/ou
enfatizados pela abordagem cognitiva; os que são apresentados com certo ar de
novidade na PNA, quando, em verdade, já estão aí, de algum modo; e os aspectos que
a PNA traz que são inegociáveis no âmbito das concepções que defendemos (e nem
sempre são imperativos para todos os autores da ciência cognitiva). Além disso,
há esse fato de que nem tudo que a PNA escolhe como foco é ponto pacífico entre
os pesquisadores desse referencial, vale também ressaltar que as pesquisas são dinâmicas,
o conhecimento construído muitas vezes é circunstancial, a ciência é dinâmica –
ou seja, há diferentes modelos em disputa, mesmo dentro de uma mesma abordagem.
Há coisas que a PNA assume que muitos pesquisadores da ciência cognitiva
ponderam ou até discordam. Ou seja, os autores dessa política também selecionam
o que querem focar, pois há muitos autores que relativizam certas verdades que
eles apresentam como ponto pacífico nas pesquisas estrangeiras, há muitos
pesquisadores que reconhecem outros aspectos que não os cognitivos – e esse
pedaço os autores da PNA silenciam, porque convém. Ou seja, esse referencial da ciência cognitiva - já limitado a aspectos cognitivos - é
apresentado como um conjunto uniforme, homogêneo, com conhecimentos dados, fechados,
imunes a problematizações. E não é bem assim...
Mas
voltemos aos três pontos que quero considerar nessa introdução.
Quanto
ao primeiro aspecto, como tenho insistido, afinada com outros pesquisadores da
área, lembro que há resultados de pesquisas da ciência cognitiva, em especial
da psicologia cognitiva da leitura, que precisamos considerar ao pensar em
metodologias de alfabetização. São aspectos
que não podemos negligenciar, como, por exemplo, a importância do
desenvolvimento da consciência fonológica, o ensino sistemático do
funcionamento alfabético e o processamento da leitura automática, que vai da decodificação fonológica à identificação lexical automática das palavras. Mas isso não
resolve TODAS as questões envolvidas na alfabetização e no letramento. A PNA
traz apenas esse referencial, embora os autores dessa política digam por aí que
não há a indicação de método único. Ok, não de método único, creio não teriam a
petulância de fazê-lo, mas indicam uma abordagem única sim! Baseiam-se na
abordagem fônica, que privilegia não apenas a relação fonema-grafema, como
preconiza também que ela seja o ponto de partida da alfabetização. A relação
fonema-grafema é da estrutura do sistema, não dessa abordagem, o diferencial
dessa abordagem é a ênfase dada a esse aspecto e o fato de ser esse o ponto de
partida. Assim, um outro problema aí é que, mesmo sendo aspectos a considerar, do
ponto de vista de outras concepções não o são, necessariamente, com os mesmos
princípios adotados na PNA. Voltaremos a isso quando falarmos dos próximos itens destacados nesse debate, especialmente sobre os componentes essenciais da alfabetização. Vamos ao segundo ponto que quero discutir.
A PNA
traz, por outro lado, também aspectos já presentes em outras abordagens e mesmo
em outros programas do MEC, mas que são, de certo modo, aspectos apresentados como novidade. É o caso da dimensão
fonológica da notação da língua e do ensino sistemático do sistema de escrita.
Eles se acham “donos” do princípio alfabético! O princípio, no entanto, é do
sistema, não é de um método específico. A linguística já aborda essa questão do
princípio alfabético, da importância de se apropriar desse funcionamento na
alfabetização, há muito, muito tempo – muito antes de esses pesquisadores arrogantes
que escreveram a PNA nascerem e acharem que são os iluminados pela ciência. Quanto
à consciência fonológica, há pesquisadores da área da psicologia e da educação
que a tematizam há muito tempo, como Artur Gomes de Morais – e no PNAIC ela foi
amplamente considerada ao lado das práticas de leitura e escrita. Magda Soares
vem, há muito tempo, insistindo na necessidade de colocarmos foco na
especificidade da alfabetização, na abordagem dos aspectos especificamente linguísticos
– fonológicos e notacionais – da apropriação da escrita. Mas tudo isso é
apagado, porque para eles, só serve o pacote completo!
Cabe
ressaltar que, nesse ponto, podemos também referir ao fato de apresentarem
procedimentos antigos, que já se revelaram infrutíferos no passado, como
“novidades”, agora referendadas na ciência. Quanto a isso, sugiro a leitura do
artigo de Mortatti e seu posicionamento quanto à PNA. Um artigo fantástico e necessário da autora foi publicado recentemente sobre a PNA, intitulado "Brasil, 2091: notas sobre a 'política nacional de alfabetização'”.
E
nisso, chegamos a aspectos que a PNA traz, mas que são aspectos inegociáveis, do ponto de vista de outras concepções. A
consciência fonológica é reduzida na PNA à consciência fonêmica. Quando
discorrem sobre a Educação Infantil, embora citem, brevemente, a consciência fonológica de
unidades mais holísticas – como a sílaba, a rima e as aliterações – o fazem
rasteiramente, bem en passant, sem a devida importância e apenas citadas para
logo chegar à consciência fonêmica. E esta, é proposta desde o início do
processo, como pré-requisito para todo o resto. Ou seja, o que, do ponto de
vista da aprendizagem, da apropriação do princípio alfabético é o ponto de
ponto de chegada – o princípio alfabético –, é tomado pela PNA como ponto de
partida – o que implica em treinar meninos pequenos a pronunciar fonemas
isolados, ensinar previamente os “sons” das letras, provavelmente, inclusive,
fora do contexto das palavras – o que é absurdo até mesmo para pesquisadores da
ciência cognitiva que dizem abraçar – e, mais, implica em tomar a decodificação
como condição para qualquer outra aprendizagem relativa à língua escrita. Mas antes da consciência fonêmica as crianças pensam sobre a pauta sonora da língua e a segmentam em unidades mais holísticas - porque esses saberes são desconsiderados no ensino e aprendizagem? Por que o sistema não se estrutura assim, não é? Ou seja, o foco é o ensino e o objeto de ensino - o sistema - não a criança que aprende... Retomaremos essa questão quando falarmos dos componentes essenciais da alfabetização, segundo a PNA, no Post 2 dessa série. Mas cabe
ressaltar que, mesmo que vislumbrem procedimentos fônicos analíticos, em
contexto de palavras e de brincadeiras, há aí um pressuposto de pré-requisito
complicado em termos de conciliar com a perspectiva da aprendizagem das
crianças, que não inicia com o mais abstrato. Sem contar que há as diferenças
relativas à concepção de infância e de
cultura lúdica quando o brincar é tomado, nessa perspectiva, apenas para motivar as crianças ou
disfarçar o treinamento.
Com
isso tudo, quero questionar essa imposição de política pública que se decreta baseado
em premissas equivocadas – a de que o campo da alfabetização e as políticas
anteriores ignoraram os estudos da psicologia cognitiva da leitura até aqui; a
de que considerar a consciência fonológica seja enfatizar apenas a fonêmica; a
de que a abordagem fônica é a única que considera o ensino sistemático para mobilizar a apropriação do princípio
alfabético e esse princípio como aspecto fundamental na alfabetização. Destaco um trecho da PNA
que diz que:
Referenciando-se,
com completa reverência, aos documentos estrangeiros filiados a suas
perspectivas, desprezando todo o conhecimento produzido no Brasil (salvo os que
se filiam à concepção que abraçam) ou mesmo no estrangeiro, de outras perspectivas, o Caderno da PNA faz um histórico que
desconsidera os programas das políticas anteriores e todo o campo da
alfabetização. É mentira que as políticas públicas de alfabetização ignoram
pesquisas da ciência cognitiva da leitura. O PNAIC, por exemplo, programa de
formação de professores do MEC de 2012 até agora, vinha trazendo uma
perspectiva conciliadora que incorporou aspectos que estavam esquecidos ou
minimizados em programas anteriores, relativos aos aspectos linguísticos da
alfabetização, e contribuiu para que fôssemos colocando, nas práticas docentes,
foco nas diversas facetas da apropriação da escrita, inclusive aspectos
enfatizados pela psicologia cognitiva da leitura (e pela linguística, não nos
esqueçamos!!!). A consciência fonológica, o ensino sistemático do funcionamento
alfabético – tudo está lá, e de forma bem enfatizada. Mas não com os mesmos
princípios defendidos por eles – eis a questão! Mas a mentira se expõe: não
ignoram! A questão é que para eles só serve o pacote todo, só serve abordar esses elementos com as
mesmas premissas e princípios que defendem. Mas esse programa anterior, e os autores que o
construíram e que discutem essas conciliações, não adotaram essas pesquisas cognitivas como referencial único nem verdade
última.
Além dos programas e políticas, pesquisadores
de outras concepções tampouco têm ignorado as pesquisas cognitivas como é
insinuado pela arrogância dos defensores da PNA. Artur Gomes de Morais,
por exemplo, vem pesquisando e publicando sobre a consciência fonológica desde
o final dos anos 80, bem como Terezinha Carraher, hoje Terezinha Nunes, que
atualmente, inclusive, escreve sobre a área da leitura e escrita, junto com
Peter Bryant, renomado pesquisador americano, também referenciado no campo da ciência cognitiva. Artur, inclusive, faz um histórico
dessas pesquisas em seu novo livro “Consciência fonológica: na Educação
Infantil e no Ciclo de alfabetização”, além de ter outro livro especificamente
sobre o sistema de escrita alfabética, suas propriedades e seu ensino sistemático. Magda
Soares, por sua vez, vem insistindo, há tempos, na necessidade de voltarmos o foco aos
aspectos linguísticos – notacionais e fonológicos – da apropriação da língua
escrita, após termos focado nos aspectos sociais do letramento e nos aspectos
psicolinguísticos, com as perspectivas construtivistas e sociointeracionistas
de alfabetização. Ela chamou de “reinvenção
da alfabetização” (2003) essa retomada dos aspectos propriamente linguísticos do
processo de ensinar a ler e escrever, mas em outras bases – sem perder de vista
a linguagem escrita como prática social e a construção ativa de conhecimento
pelos sujeitos.
Do
mesmo modo, também a Linguística, há muito tempo, já enfatizava diversos
aspectos que a PNA parece querer inaugurar, relativo ao princípio alfabético,
ao ensino das letras, à base fonológica do sistema de escrita. Linguístas – a
exemplo de Luiz Carlos Cagliari, por exemplo - discutem questões gráficas e fonológicas
do processo de alfabetização faz muito tempo no Brasil. Cagliari tem uma vasta
obra, publicando, desde os anos 80, livros articulando alfabetização e
linguística. Mas o crédito que a PNA dá é apenas a pesquisas estrangeiras, que escolhem também, ou
às que, aqui, seguem a linha dessas referências. É preciso saber que eles selecionam, no campo de estudos estrangeiros, aqueles que lhes servem bem. Mas também lá, há um campo de conflito de concepções teórico-metodológico que eles querem silenciar, apagar, não mencionar, para dar peso a seu discurso colonialista de autoridade.
Ou seja,
diante desse histórico feito no Caderno da PNA, nota-se que essa política desconsidera
completamente o campo da alfabetização no Brasil, as discussões que temos feito aqui, também alinhadas a estudos - de outras perspectivas - estrangeiras e, com sua retórica de
evidências científicas, alinhamento estrangeiro (!!!) e adesão voluntária,
tenta convencer os incautos de que, instituída por decreto, não é uma imposição
desrespeitosa ao campo teórico da alfabetização e ao campo escolar (sobre adesão
voluntária – essa outra retórica – falaremos no Post 4).
De 22 a
25/10 ocorreu a CONABE - Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em
Evidências, na qual insistem nessa perspectiva de verdade única, última,
científica, neutra, universal. Acompanhemos! Como se pode ler no site do MEC, foi
criado um Painel com 12 especialistas que irão “elaborar, de forma imparcial,
um relatório que ajudará a formular políticas públicas daqui para frente”. De
forma imparcial??? E continuam:
A criação de um painel de
especialistas foi utilizada em diversos países como uma forma não de confirmar
pontos de vistas previamente adotados, mas sim para se obter uma revisão
sistemática de literatura seguindo critérios científicos e oferecendo,
portanto, sínteses de evidências robustas e imparciais.
Eles
acreditam nisso de serem imparciais!!!??? De que todas as outras perspectivas
que não seguem esse parâmetro das “evidências científicas” é “ponto de vista
previamente adotado”???!!! É muita arrogância! Nesse governo eles não acreditam
(acreditam?) que estão fora da ideologia? Pois...Será que acreditam nessa
imparcialidade também pelo fato de estarem se alinhando às perspectivas
estrangeiras, como se, elas mesmas, também fossem neutras e universais, e não
fruto de escolhas em um campo de conflitos? O objetivo da CONABE, segundo afirmação
de Carlos Nadalim registrada no site mencionado, seria alinhar a estratégia do MEC,
no Brasil, àquelas de “autoridades educacionais” de países como o Reino Unido, EUA,
França. Quem as intitulou como autoridades e, especialmente, as únicas
autoridades a se considerarem validadas a terem hegemonia nas políticas
públicas e nas práticas educativas? Bom, para conferir autoridade discursiva e
aparente neutralidade no posicionamento, citam os documentos “Estratégia
Nacional de Leitura” (Reino Unido, 1998); o Painel Nacional da Leitura (EUA, 2000); o Observatório Nacional da
Leitura (França, 1998) – os mesmos documentos citados e reverenciados no
Caderno da PNA.
O
documento francês citado, o Apprendre à lire, do Observatoire national de la
lecture, não é tão reducionista quanto a PNA. Aliás, segundo Magda Soares, tampouco
o é o relatório americano, o National Reading Panel. Referindo-se a esse dois
documentos, a autora já denunciou, desde 2004 no artigo “Letramento e
alfabetização: as muitas facetas” (2004, p. 14), que
[...] a
concepção de aprendizagem da língua escrita, em ambos, é mais ampla e
multifacetada que apenas a aprendizagem do código, das relações grafofônicas; o
que ambos postulam é a necessidade de que essa faceta recupere a importância
fundamental que tem na aprendizagem da língua escrita; sobretudo, que ela seja
objeto de ensino direto, explícito, sistemático.
E isso
Magda vem defendendo, Artur Gomes de Morais vem defendendo e muitos outros pesquisadores
brasileiros vêm defendendo. Só que não da forma radicalizada que tomou o “back
to phonics”, não da forma que a PNA postula. Como Magda bem previu, na época,
as coisas se colocaram aqui (como nos EUA), em termos de antagonismo, enfatizando
que a tendência a esse tipo de radicalismo torna perigosa a “necessária
reinvenção da alfabetização”, que ela mesma defende. E esse antagonismo, ela já
apontou, desde aquele ano, que é mais político que propriamente conceitual. Voltamos, então, agora, ao radicalismo das polarizações?
Ocorre
que, no Brasil, o cenário agora é esse mesmo, de radicalização, apesar de ter havido uma
tendência crescente a se considerar a especificidade da alfabetização ao lado
do letramento, como era o caso, por exemplo, do PNAIC, e de nessas perspectivas
mais conciliadoras, a escrita alfabética e sua base fonológica serem, sim, foco
de atenção.

Embora
o documento francês traga o referencial cognitivo para mostrar a importância do
ensino sistemático do funcionamento alfabético da escrita e da consciência
fonêmica, dão bastante ênfase aos aspectos socioculturais e semiológicos da
escrita. O documento indica expressamente, referindo-se às crianças pequenas,
que vale muito mais as sensibilizar para as implicações e as funções da língua
oral e escrita, para os desafios da comunicação linguística, do que as treinar
precocemente e sistematicamente à decodificação do escrito (1998, p. 32-41),
pois “escrevemos sempre para dizer alguma coisa” (p. 42). Para que serve a
escrita? O que ler quer dizer? Essas são questões ressaltadas como fundamentais.
Mesmo quando referem à língua em si mesma, referem outros aspectos, que não
exclusivamente os fonológicos, afirmando-se que a escrita pode se fazer por
entradas diversas, ressaltando-se sua forma, seu sentido, suas finalidades (p.
44). E a PNA? Vai fazer o que com nossas crianças da Educação Infantil, se
mesmo em termos de consciência fonológica, prioriza a fonêmica em detrimento
das unidades mais holísticas, que poderiam ser exploradas na continuidade das
práticas brincantes (a partir, por exemplo, das sonoridades do repertório
lúdico dos textos tradicionais da infância?).
Na
etapa da alfabetização propriamente dita, ainda que o foco do documento francês seja a
abordagem fônica, também consideram muitos procedimentos condenados pelos que
só veem a consciência fonêmica no horizonte e a alfabetização como uma questão
meramente técnica. Por exemplo, o documento francês defende a decodificação,
mas também que as crianças tenham um repertório de palavras estáveis, modelo de
escrita convencional, para apoiar a leitura inicial, cotejando decodificação e reconhecimento mais global de algumas palavras; o documento dá ênfase aos
processos de tratamento dos sentidos, e a seu papel na compreensão dos textos,
articulando a necessidade dos processos de decodificação aos processos de
compreensão. Ou seja, não tem isso de primeiro a decodificação e só depois
compreensão, esta como uma consequência do domínio daquela, como a PNA parece
sugerir: “a compreensão de textos, por sua vez, consiste num ato diverso do da
leitura. É o objetivo final, que depende primeiro da aprendizagem da
decodificação e, posteriormente, da identificação automática de palavras e da
fluência em leitura oral” (BRASIL, 2019, p. 19).
Outros livros,
como o “L’Apprenti lecteur”, organizado por Rieben e Perfetti (1989), com
textos de vários autores da ciência cognitiva, bem como o “De l’illettrisme em
général et de l’école em particulier”, de Alain Bentolila (1996), autor
envolvido no documento do Observatório francês – do qual assisti algumas aulas
na Université Paris IV –, também trazem uma visão de linguagem escrita muito
mais ampla do que a trazida na PNA. No próprio livro “A Ciência da leitura”
(2013), mais atual e bem considerado por eles, há autores com discursos
bastante conciliadores nesse sentido. Mas eles escolheram o sectarismo.
Podem
dizer que as novas-novíssimas referências da neurociência cognitiva, após esses livros, é que
trazem resultados que validam esses reducionismos, ao que digo: resultados de
pesquisas, contemporaneamente, parecem (e só parecem, pois entre pesquisas e
aplicações práticas e éticas, há uma distância) validar um mundo
instrumentalizado, mercantilizado e desumanizado. Mundo de racionalidade
técnica levada ao extremo. Resta-nos saber o que restará de humanidade nisso
tudo! Resta saber se queremos apostar num mundo assim. Em todo caso, o que
quero ressaltar aqui é que os autores dessa PNA trazem as referências a
documentos estrangeiros de modo bem enviesado, falacioso, pois eles recortam
dali o que bem interessam para propor uma política altamente instrumentalizada,
sectária e reducionista de alfabetização.
Me
respondam: se pesquisas mostram ou mostrassem, de fato, que procedimentos
fônicos dos mais sintéticos e descontextualizados dão melhores resultados no
treinamento fonêmico e na habilidade de decodificação, então, automaticamente
validamos esses procedimentos que retira da linguagem todo contexto, todo o
sentido? O que e quem definem que aprendizagens importam mesmo? Porque essa primazia da
técnica em relação aos aspectos semânticos e semiológicos da escrita? Essas indagações definem respostas que temos que problematizar, respostas que definem valores,
concepções de mundo, de educação, de linguagem. Não definem respostas únicas,
automáticas. Se pesquisas mostrassem que se cada cidadão matasse uma pessoa por
ano, a violência diminuiria, automaticamente validaríamos a matança
institucionalizada? Discutiremos mais sobre “evidências científicas” no Post 3.
Dito
isso, vamos adiante. Proponho analisar aqui alguns pontos da PNA, considerando
o que temos até agora – o Decreto Nº 9.765, de 11 de abril de 2019, o
Caderno da PNA, de 15 de agosto de 2019 e outros referencias que porventura circulem na mídia. Minhas reflexões aqui e nos posts
seguintes consideram e dialogam com textos, manifestos, matérias, entrevistas e vídeos que circulam ou venham a circular na
mídia, seja em defesa da PNA, sejam críticos a ela. Vamos estudar! Vou me concentrar,
inicialmente, em discutir quatro pontos:
- o uso do termo literacia e silenciamento sobre o letramento, conceito utilizado e tematizado no campo desde meados dos anos 1980;
- a escolha do que sejam os componentes “essenciais” da alfabetização e a questão da abordagem única;
- a insistência na questão do ensino baseado em “evidências científicas” e a consideração exclusiva da ciência de perspectiva cognitiva;
- questões de implementação da política, como a retórica da "adesão voluntária" e ressonâncias nas redes e na formação docente e etc.
Os
posts seguintes a esse vão abordar cada um desses aspectos. Contribuam, vamos refletir em muitas vozes! Junto aqui, nos textos dessa
série, várias postagens minhas no Facebook, em que abordei a questão, e os
desdobramentos delas nos comentários, trechos inspirados em outras postagens do
blog, na entrevista que dei ao CENPEC, em apontamentos de minhas falas em Santa
Catarina e em outras oportunidades que tive de abordar a PNA, inclusive
reflexões advindas de conversas com outros colegas alinhados a mim nessa
trincheira. E de leitura, muita leitura.
Assim
como eu, outros pesquisadores estão aguerridos a discutir a PNA, e vale também
divulgar. Os indicarei aqui, sempre! Precisamos multiplicar e unir vozes! Sugiro
as demais entrevistas dessa série que o CENPEC está promovendo, abordando a
PNA. A primeira foi com Magda Soares e Maria Alice Junqueira, a segunda a minha, à qual se seguiu, até agora, a de Antônio Gomes Batista, Carlota Boto, Isabel Frade, Sônia Madi e Clécio Bunzen, que nos fala, particularmente da questão do letramento/literacia. Outras vozes serão
convocadas, vamos acompanhar aqui. A Faculdade de Educação da USP fez um
evento, no início de outubro, que foi gravado – quando disponibilizarem os
vídeos, divulgo o link, agradecendo a Claudemir Belintane pela confirmação de
que estará disponível em breve. O próprio Claudemir já se manifestou algumas vezes sobre essa querela de métodos também e pode nos ajudar a pensar: aqui. Sugiro também assistirem ao Educação 360, Painel5: “Alfabetização: A guerra dos métodos”, com a participação de Artur Gomes de Morais
(da UFPE), Renan Sargiani, coordenador-geral de Neurociência Cognitiva e
Linguística da Secretaria de Alfabetização do MEC, além de Guilherme Cardozo,
Doutor em Estudos da Linguagem e PhD em Estudos Sociais. Reparem,
principalmente, na fala do professor Artur (2:23:20 a 50:35). A Abalf - Associação Brasileira de Alfabetização também tem divulgado posicionamentos de diversos pesquisadores do campo, de diversas concepções, sobre a PNA. Esses posicionamentos terminaram por constituir um conjunto que foi publicado na Revista Brasileira de Alfabetização, aqui. Ressalto o texto de Clécio Bunzen, dentre esses, que tematiza a questão do uso de "literacia" no documento, discussão que será o foco do Post 1 dessa série aqui, em breve. O incentivei a escrever, pois sabia que seria uma contribuição enorme a essa discussão. Agradeço-o pela oportunidade de dialogar com ele a partir do texto, ao que ele retribuiu fazendo uma menção à minha leitura, anterior a sua publicação. Valeu, colega! 'Tamos juntos!
E, para
finalizar esse post, lembro, mais uma vez, que é preciso fazer essa ressalva,
para refletirmos sobre tudo isso na instância das concretizações nas práticas
escolares: precisamos ter clareza de que a alternativa à negligência ou a uma
abordagem casual, vaga, não explícita e pouco sistemática do sistema de escrita
e de sua base fonológica, que traz equívocos quanto ao processamento da leitura e do reconhecimento das palavras -negligência essa em função de um discurso pedagógico marcado pela hegemonia
da didática construtivista e de certas vertentes sociointeracionistas - não é,
necessariamente, a abordagem fônica posta na PNA. A alternativa não é necessariamente essa! Temos alternativas potentes de
abordagem da faceta linguística em situações significativas e reflexivas, no
contexto da linguagem viva, das práticas de oralidade e letramento, da cultura
lúdica, unido as diversas facetas da apropriação da linguagem e da cultura
escrita e considerando o sujeito como sujeito de cultura, de linguagem e ativo em seu processo de aprendizagem.
Inúmeras
pesquisas e registros de práticas no âmbito do PNAIC e da experiência do
projeto de Magda Soares em Lagoa Santa/MG, por exemplo, mostram resultados muito positivos de
práticas fundadas em concepções mais conciliadoras que envolvem a apropriação
da escrita alfabética e a fluência de leitura, as habilidades que compreensão
leitora e produção de textos, e a ampliação da participação em práticas letradas.
São evidências que não podemos desconsiderar (Mas, para eles só servem as
evidências de laboratório). É ainda preciso avançar muito no entendimento de como fazer esse ensino com esses princípios, entender sobre esse referencial? Sim, muito! Mas o caminho estava aberto. Não deixemos ele fechar! Nem nós, nem os professores, que, felizmente, não fazem apenas o que é orientado pelas políticas, ainda mias pelas que desconsideram toda a sua trajetória docente até aqui.
Esse
aqui é o POST 0 dessa série, introdutório: Sobre a PNA – alguns apontamentos. Seguem os
próximos:
POST
1 – Literacia e letramento
POST
2 – Componentes essenciais da alfabetização e abordagem única
POST
3 – Evidências científicas apenas de perspectiva cognitiva
POST
4 – Questões de implementação
O POST
4 incluirá minhas considerações sobre pontos de fuga, formação docente e um
fechamento da discussão, possivelmente indicando outros aspectos a continuar
discutindo... Porque esses 4 pontos são apenas alguns deles...e do lado de cá ninguém quer fechar questão!
Sugiro,
por ora, também a leitura do Caderno, para que essa discussão considere suas
próprias impressões sobre a PNA.
Seguimos com Post 1 - sobre literacia e letramento. Em breve!
Adendo de fevereiro de 2020 - Quer dizer... "em breve".... se eu me reanimar... Ando muito muito desanimada, sem iniciativa para seguir aqui e em lugar algum. Mas vamos ver. Se não, de cada ponto desse que me comprometi a discutir, indico a leitura de discussões de outros pesquisadores, certo?
Adendo de fevereiro de 2020 - Quer dizer... "em breve".... se eu me reanimar... Ando muito muito desanimada, sem iniciativa para seguir aqui e em lugar algum. Mas vamos ver. Se não, de cada ponto desse que me comprometi a discutir, indico a leitura de discussões de outros pesquisadores, certo?
2021 - enjoei tanto que nem terminei...
Referências
BELINTANE, Claudemir. Abordagem da oralidade e da escrita
na escola a partir da tessitura interdisciplinar entre a psicanálise e a
linguística. In: Psicanálise, Educação e Transmissão, 6., 2006, São Paulo.
BENTOLILA, Alain. De l'illettrisme en général et de l'école
en particulier. Paris: Plon, 1996.
BRASIL, Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019. Institui a
Política Nacional de Alfabetização. Diário Oficial da União, Atos do Poder
Executivo, Brasília/DF, 11 abr. 2019. Edição: 70-A, Seção: 1 – Extra, p. 15.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação. PNA: Política
Nacional de Alfabetização/Secretaria de Alfabetização, Brasília: MEC, SEALF,
2019.
CANDAU, Vera Maria. A Didática e a relação forma/conteúdo. In: ______ (Org.). Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 29-37.
MORTATTI, Maria do Rosário L. Os sentidos da alfabetização: São Paulo – 1876/1994. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
MORTATTI, Maria do Rosário L. Os sentidos da alfabetização: São Paulo – 1876/1994. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
______. Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações
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brasileira? Revista Brasileira de Alfabetização – ABAlf. Vitória/ES. v. 1, n.
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OBSERVATOIRE NATIONAL DE LA LECTURE. Apprendre à lire. Paris:
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RIEBEN, L; PERFETTI, C. (Ed.). L'apprenti lecteur.
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SNOWLING, Margaret J.; HULME, Charles. A ciência da leitura.
Porto Alegre: Penso, 2013
SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo:
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______. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista
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