domingo, 26 de agosto de 2018

E os fonemas?

Nesse post, vamos falar de consciência fonêmica e grafofonêmica/fonografêmica, ou seja, a consciência metalinguística relativa ao fonema e a sua relação com a grafia. Aos que são estudiosos da área de letras, indico a observação no final da postagem, certo?

Embora a unidade fonológica que estrutura o sistema de escrita alfabética seja o fonema - pois os grafemas notam os fonemas, a reflexão fonológica sobre rimas e sílabas é muito importante para chamar a atenção para a dimensão sonora da língua e as diversas segmentações da palavra, importante na alfabetização inicial e, de qualquer modo, conferem um perfil analítico à língua. A consciência fonológica de rimas, sílabas e fonemas vocálicos contribui para a fonetização da escrita e para os avanços rumo à compreensão do funcionamento alfabético da notação da língua. A sílaba, em especial, contribui muito para o entendimento gradual de que o que as letras notam são os fonemas.

Para compreender o funcionamento alfabético, é preciso ir além dessas unidades fonológicas, e analisar as sílabas - unidade mínima de emissão sonora e, por isso muito mais natural para sujeitos não alfabetizados - em unidades menores, desenvolvendo a consciência fonêmica. Mas esse subtipo de consciência fonológica, diferente de ser prévia à escrita, se desenvolve junto à apropriação da notação alfabética. A análise oral apoia-se na palavra escrita e essa amplia a análise do oral. O fonema consonantal é uma unidade fonológica muito abstrata para quem não é alfabetizado. E por que isso?  

Os fonemas vocálicos soam, não é mesmo? As vogais são essas letras que representam sons que soam isoladamente, que não encontram obstáculos ao serem pronunciadas, e seus nomes coincidem com seus sons (ou alguns dos sons que assumem). Então é bem fácil observá-los oralmente e associá-los às letras que representam. Entretanto, os fonemas consonantais não soam isoladamente. Eles "soam com" - o nome consoante vem justamente daí, já pensou nisso? E soam com quem? Com as vogais! Por isso são tão abstratos, eles não são pronunciáveis nem perceptíveis isoladamente, porque a mínima emissão sonora é silábica - dizemos MA-LA, não M-A-L-A, não é? Além disso, é preciso considerar também que o fonema é uma unidade mental, não um som, pois a sua materialização pode ser de sons diferentes: a palavra DIA por exemplo, pode ser pronunciada como /Dia/, como se diz em algumas partes do Nordeste, ou algo como /djia/, com um chiadinho. O som muda, a palavra não. Então trata-se de um só fonema, pois a troca de fonemas troca, necessariamente, a palavra - esse é o conceito de fonema, ser uma unidade distintiva. Então, o que temos aí são alofones, dois fones diferentes, para o mesmo fonema. Fone é a materialização sonora do fonema. Parece complicado, não é? Mas é isso que garante que as palavras, seja lá a variedade linguística em que forem pronunciadas, continuem sendo a mesma palavra.

E como a unidade mínima de emissão sonora é silábica, pois não pronunciamos fones isoladamente, a não ser no contexto do ensino do sistema alfabético, a consciência dos fonemas não se dá pela emissão sonora (que é silábica), mas no contato com a própria escrita alfabética. O fonema consonantal não preexiste ao sistema alfabético como unidade sonora, tomar consciência da existência dessas unidades mínimas vem da necessidade de relacioná-las aos grafemas da escrita. Assim, é em situações de reflexão sobre as palavras escritas que o fonema ganha materialidade e pode, então, ser analisado pelas crianças. A presença da escrita amplia as possibilidades de análise fonológica, pois a escrita fornece um modelo de análise para o oral. É por isso que podemos dizer que a consciência fonêmica é, na verdade, consciência grafofonêmica. 

A consciência fonêmica não implica, necessariamente, a habilidade de pronunciar fonemas isolados e a segmentação artificial das palavras oralmente em todos os seus fonemas, como propõe a perspectiva dos defensores dos métodos fônicos. Mas também não há isso de achar que é impossível ter consciência fonêmica antes de estar alfabetizado. A relação entre consciência fonêmica e capacidade de leitura e escrita da notação alfabética é de causalidade recíproca, uma vai ampliando a outra, algumas habilidades são necessárias para se alfabetizar e outras se desenvolvem com a compreensão gradual do sistema. Há diferentes habilidades relativas ao fonema, umas, inclusive, são difíceis mesmo para os já alfabetizados. Por isso, é importante que as situações de reflexão sobre os fonemas se dêem em presença da escrita, se constituindo, na verdade, como consciência grafofonêmica. 

De todo modo, é bom ter em mente que, ainda assim, podemos brincar oralmente com os fones em duas situações, primordialmente:
  • “Esticando” os fricativos (/f/, /v/, /x/, /j/, /z/, /s/) e vibrantes (/R/, /r/ - R forte e fraco), numa tentativa de pronúncia isolada, em situações de jogo com a língua. Os fricativos são esses fonemas que friccionam, cujo obstáculo ao serem pronunciados não é total, mas parcial. Brincar de achar figuras que começam como "xxxxxxícara"..."xxxxxxá" (lembre que é o som que vale, não a letra, como o som /ssss/, pode ser sapo, cinto, cinema, sala, cera...); Lá vai a barquinha carregadinha de /sssss/sapo, /sssss/sorvete, /ssss/cinto...
  • Em sua repetição, aliteração, como nos trava-línguas – e aí, mesmo os fonemas oclusivos, mais difíceis de serem percebidos e pronunciados isoladamente, se tornam mais salientes. Os oclusivos são os fonemas que encontram obstáculo total ao serem pronunciados (/p/, /t/, /d/, /b/, /g/, /k/...).  Nos trava-línguas, mesmo os fonemas oclusivos se tornam observáveis por sua repetição: repare o /p/ se "amostrando" em “A pipa pinga, o pinto pia, quanto mais o pinto pia, mais a pipa pinga”  ou em “O peito do pé de Pedro é preto”.
É bom ressaltar que seja apenas brincando, seja já analisando oralmente essa unidade que trava a língua, seja observando essa repetição também no texto escrito, o trava-língua contribui para alfabetizar - no nível epilinguístico, ainda não muito consciente, controlado, explícito, apenas brincando; e, depois, no nível metalinguístico, de consciência fonêmica, analisando essas aliterações oralmente (observar o som que se repete e trava a língua) ou em presença da escrita (que letras indicam, no trava-língua escrito, as sonoridades que dificultam a pronúncia). 

Alguns autores, como Morais (2019), indicam que, em termos de consciência fonêmica, para se alfabetizar, basta identificar palavras que começam com o mesmo fonema e produzir palavras que começam o mesmo fonema que outra, tendo relação com a consciência de aliterações. Segmentar palavras em fonemas e contá-los, bem como ouvir e produzir fonemas isolados não seriam habilidades necessárias para se alfabetizar.

O sistema alfabético é um sistema complexo, não um código de transcrição da fala e, portanto, não se trata de memorizar e treinar associações entre fonemas e grafemas. Trata-se de atividade cognitiva, metacognitiva. Assim, se quando falamos em consciência fonêmica não se trata de artificializar a língua, pronunciando os fonemas de uma palavra isoladamente, nem de aprender os sons das letras fora do contexto das palavras, memorizando mecanicamente suas associações com os grafemas, qual seria, então, a abordagem da unidade fonema - além dessas brincadeiras orais - nas situações de reflexão linguística em presença da escrita? 

Acredito que a abordagem vai em duas direções, principalmente, que envolvem dois aspectos interessantes do fonema, que nos ajudam a refletir sobre isso: sua propriedade como unidade distintiva e sua propriedade de invariância (desculpem a simplificação, para os que são de letras e estudam fonologia). Vamos lá?

Como o aspecto distintivo define o fonema, começaremos por ele. E isso quer dizer o que? Fonema é uma unidade distintiva em uma língua, isso quer dizer que, se for trocado por outro em uma palavra, tem-se uma nova palavra, com um sentido diferente. Por exemplo, PATO e RATO são duas palavras diferentes, pois trocando o som /p/ pelo som /R/, mudou o sentido da palavra. Desse modo, /p/ e /R/, nesse contexto, são fonemas, fonemas diferentes. Ou seja, os fonemas existem nessa oposição a outros fonemas, a troca de um fonema em uma palavra forma, necessariamente, outra. Nesse exemplo, mudando-se apenas o fonema inicial, mudou a palavra e se um determinado som é distintivo, configura-se como um fonema. É importante sublinhar que o uso dos fones /R/ ou /r/ na palavra PORTA não muda a palavra, ela pode ser pronunciada com o R forte ou fraco, continua sendo uma porta, nesse caso são alofones, realizações fonéticas diferentes devido a variações dialetais. Ou seja o fonema /R/, por exemplo, ora é fonema (PATO-RATO), ora é alofone (/poRta/ x /porta/, com som forte e som fraco. Nesse caso, há perda do contraste fonêmico, há apenas variação de fones.

Desse modo, trabalhar as trocas de fonemas/letras iniciais é fundamental para a consciência grafofonêmica.. Há jogos e materiais estruturados que focam, justamente, essas comutações, como alguns do meu acervo (Adivinhas par mínimo, foto abaixo), jogos comerciais (como o Boggle Slam) e do acervo do CEEL (Bingo de Sons Iniciais, foto abaixo). 




Palavras que se distinguem apenas por um fonema  - e não necessariamente o inicial - são definidas  como pares mínimos, que são também muito usados como recurso poético. Sobre isso, veja nesse post sobre isso no poema O Colar de Carolina, de Cecília Meireles. No poema “Tanta Tinta”, da mesma autora, ela brinca também com os termos TINTA, TONTA, TENTA, pares mínimos que fazem a festa no poema, e ainda os desdobra em outras palavras. Os pares mínimos são sonoros e, por isso, servem muito bem à poesia! E eles têm muito a ver também com consciência fonêmica. Todos esses recursos que Cecília usa em seus poemas (e muitos outros autores), são matéria prima da poesia e também matéria prima da alfabetização! Para saber mais sobre o par mínimo e ver algumas brincadeiras envolvendo a alfabetização, veja essa postagem aqui mesmo no blog.  

Vê como  o aspecto distintivo do fonema está em jogos e na literatura? E na tradição oral, também pode estar! Nesse exemplo de atividade abaixo, a partir da parlenda “Cadê o toucinho que estava aqui?” também vemos essa abordagem:

Depois de brincar com a parlenda, saber se conheciam e as diferentes versões que conheciam, de pesquisar essas versões, a professora colocou no quadro uma delas:

Cadê o toicinho 
que estava aqui?
O gato comeu
Cadê o gato?
Foi pro mato
Cadê o mato?
O fogo queimou
Cadê o fogo?
A água apagou...

Depois disso, ela sugeriu à turma criar oralmente mais versos para essa parlenda, incluindo um rato e um pato nesse encadeamento, e deixou as crianças discutirem e acharem uma solução. Percebe que, nessa proposta, ela tanto brinca com esse repertório como tradição, herança de nosso povo, como gênero oral, que abriga várias versões, pois vai mudando no tempo e espaço, quanto como renovação desses textos da cultura da infância? Pois bem, depois de muitas  propostas e negociações para "renovar" essa parlenda, ela ficou assim:

Cadê o toicinho 
Que estava aqui?
O rato comeu
Cadê o rato?
O gato espantou.
Cadê o gato?
Saiu com o pato.
Cadê o pato?
Foi pro mato
Cadê o mato?
O fogo queimou
Cadê o fogo?
A água apagou...

Depois de discutirem sobre rimas, a professora colocou no quadro a parlenda escrita e quatro palavras do texto: RATO, GATO, PATO e MATO. E propôs analisarem as semelhanças das palavras rimadas em -ATO, e as crianças observaram que terminam com as mesmas letras, do som ATO. Observaram também que só mudando a letra inicial – e o som inicial – a palavra vira outra. 

O interessante dessa situação é que uma criança começou a experimentar escrever ATO com todas as consoantes do alfabeto, em ordem. A professora gostou da proposta e aproveitou na sua aula! Ela fez uma tabela, propondo que, depois de juntarem todas as consoantes com –ATO, separassem as palavras que existem das que não existem. As crianças foram sugerindo, discutindo, a professora, junto com elas, ajustando, e a tabela ficou assim:


A situação gerou ainda muitas conversas como por exemplo: sobre o que é BATO, CATO, LATO...que foram sugerindo frases e a professora conduzindo para que compreendessem que se trata de verbos conjugados; falaram sobre XATO existir no som, mas ser escrita com CH e não com X; sobre o significado de NATO, que acharam que não existia; sobre QATO não poder, porque Q sempre vem com U - essa é uma restrição da língua - e com U ia ficar QUA; falaram ainda que DATO não existe, mas DATA sim...Ou seja, a atividade favoreceu não apenas a consciência fonêmica em presença da escrita (grafofonêmica), mas outras conversas e aprendizagens muito produtivas sobre a língua, seus aspectos semânticos, morfológicos e ortográficos.  

Bom, mas por que é importante abordar essas comutações de fonemas/letras na alfabetização? Justamente devido ao que falamos antes: o fonema ganha materialidade ao ser observado no contexto da palavra escrita. Ao analisar RATO-GATO-PATO-MATO, os fonemas que as letras R, G, P e M representam, aparecem, ganham corpo. 

O mesmo acontece quando se trata da propriedade da invariância. A invariância diz respeito à identidade do fonema em itens lexicais (palavras) diferentes, ou seja, compreender, identificar e produzir um mesmo fonema em palavras distintas. É um aspecto da consciência fonêmica que, quando se trata do fonema inicial, envolve a aliteração, um nível importante de consciência fonológica, que pode ser considerado também no âmbito da consciência fonêmica. Vou falar sobre isso trazendo um exemplo. Meu filho Joaquim, uma vez indagou: "Ô, mãe, Zi de Ziraldo (estava lendo, a seu modo de menino de 5 anos, O menino maluquinho, de Ziraldo) e Zé (apelido do pai dele)...tem algo parecido e algo diferente..." Ele ficou pensativo. Pedi que pegasse o livro e olhasse o nome do pai dele escrito na geladeira (ele tinha uns imãs de letras e montava nossos nomes lá). E ele disse em tom de descoberta, analisando as duas palavras escritas: Zé e Ziraldo: "Aaaaah, o parecido é o Z e o diferente é o E de ZÉ e o I de ZI... o parecido é esse zzzzz (e fez o som)". Vejam que situação interessante de consciência fonêmica na oralidade, que se ampliou (caiu a ficha!) quando Joaquim foi confrontado com a escrita. É disso que se trata aqui. A observação das duas sílabas orais, analisando-as ainda de forma difusa, com uma sensibilidade fonológica a essa diferença fonêmica, em confronto com a escrita, se completou, apoiando a análise do oral. Ele pôde observar a unidade gráfica que representa uma unidade mínima fonológica, abstrata, que não tem uma realidade sonora de forma isolada, mas que no confronto com a palavra escrita, tomou corpo e se apresentou. Fantástico, não é?

Veja a proposta daquela mesma professora que trouxe a parlenda "Cadê o toucinho que estava aqui?", agora com o trava-língua "O rato roeu", para abordar a invariância do fonema. Depois de brincar de trava-línguas, de observar as aliterações do /R/, pedindo às crianças que prestassem atenção aos sons que travam e atrapalham a pronúncia, com a participação ativa das crianças, ela listou as palavras começadas por R do texto com o objetivo de chamar a atenção, através da aliteração, para a identidade do fonema, sua invariância em diferentes palavras. E isso para que as crianças tomassem consciência do fonema através de sua realização pelo grafema no contexto da palavra.


Em todas essas palavras há "algo parecido" no início, como o /z/ de Joaquim, não é? E esse som parecido é o /R/. Percebe que, nessa aliteração, nessa invariância, as crianças passam a prestar a atenção a esse fone? RA-RO-RE-RU-RI, todas essas sílabas, que de início poderiam lhes parecer muito diferentes (e, por isso, grafadas com caracteres diferentes), podem passar a ser analisadas em unidades menores, chamando a atenção ao fonema inicial. Por isso que argumento que as sílabas também ajudam às crianças chegarem no fonema, elas dão pistas sobre os fonemas que as compõem. Trata-se aí de consciência de aliterações, tanto no sentido dado na poesia - repetição de fonemas consonantais - quanto no sentido dado na psicologia cognitiva da leitura - coincidência de fonemas iniciais em duas ou mais palavras.

É importante dizer, no entanto, que, evidentemente, tanto o caráter distintivo quanto a invariância dizem respeito a fonemas em qualquer posição. Mas, o fonema inicial é muito saliente, chama mais a atenção e, por isso, focá-los já é suficiente para contribuir com a consciência fonêmica. Estudos mostram que essas propriedades podem ser generalizadas e, uma vez descobertas, podem ser aplicadas aos fonemas em geral, não precisando trabalhar isso com todos os fonemas em todas as posições nas palavras. 

Mas é importante chamar a atenção para outras particularidades dos sons menores que as sílabas, as unidades intrassilábicas. Observar que PATO e PRATO ou POTE e POSTE  têm algo de sutilmente diferente no som, apesar de sentidos tão distintos, é fundamental também nesse sentido. Colocar foco em unidades intrassilábicas, que são abundantes nos trava-línguas, além de preparar a consciência fonêmica - a mais difícil de todas, também é muito produtivo para trabalhar as sílabas complexas (o R e S aí configuram sílabas complexas, com encontro consonantal PRA ou travada POS). Quanto a isso, ver o post sobre o jogo Trave o trava-língua.

Uma observação importante quando se fala de invariância, é a questão da variação linguística e dos alofones nesse sentido, por isso retomo aqui esse ponto. O fonema é uma unidade concebida mentalmente, a materialidade do som é o fone. Os fones são os sons que, de fato, ocorrem na fala, inclusive os que estão envolvidos na variação da pronúncia das palavras. Ou seja, é fone que é a unidade sonora. No Glossário Ceale, lemos que "[...] nossa ortografia é baseada na relação fonema/grafema e não na relação som (fone)/letra. Se a ortografia tivesse como referência a relação som (fone)/letra, deveria representar qualquer variação de pronúncia e, consequentemente, de fones". O fonema é uma unidade abstrata, uma representação mental desse som, uma unidade que deve representar qualquer pronúncia regional, social, que possa ser dada a uma palavra. Por exemplo, na Bahia e em grande parte do Brasil, pronunciamos TIA como tchia, um som chiado do T, e em outros lugares, como em outras regiões do Nordeste, como tia. O fonema é o mesmo (não muda a palavra, lembra?), mas o fone sim (são alofones). Foi o que indiquei em relação ao se passa palavra DIA, em algumas regiões pronunciado DI, em outras, algo como DJI. A variação do fone não implica em outro fonema. Mesma coisa quem pronuncia poRta, com o R forte, e quem pronuncia porta, com o r fraco, tremido. O fonema é o mesmo, o fone não – lembra da definição de fonema como unidade distintiva das palavras? Pois é. Agora, nas palavras CARRO e CARO, a unidade aí é distintiva, pois nesse caso, muda-se a palavra. Assim, uma coisa são os fonemas (entidades abstratas da língua), que estruturam o sistema, outra são os fones e alofones de variedades linguísticas falada (entidades concretas da fala). 

Assim, simplificando bem, a propriedade da invariância, é de identidade, mas com essas pequenas variações possíveis, no nível dos fones, dos sons concretos, como nesses casos. Bom, já deu para notar que o conceito de fonema é bem complexo. Ele vem da fonologia, uma área da linguística, mas é um conceito importante para o alfabetizador e, inclusive, para uma abordagem consistente da variação linguística no processo de apropriação da escrita. É preciso diferenciar o que são as relações entre fonemas e grafemas e o que é variação do fone em determinada variedade linguística, não confundindo essas duas coisas, que pode gerar, inclusive, conclusões errôneas que define pronúncias como certa ou errada. Além disso, o sistema de escrita, em última instância, representa arbitrária e convencionalmente a língua falada, não codificam diretamente os sons da fala, senão escreveríamos como se fala, não é?

Tanto a invariância do fonema (sua identidade em diferentes palavras), com “O rato roeu”, quanto o fonema como unidade distintiva, como na situação a partir da parlenda “Cadê o toucinho?”, são propriedades que as crianças podem observar em situações de consciência fonêmica em presença da escrita. E jogos, textos da tradição e a poesia literária podem contribuir com o desenvolvimento da consciência fonêmica/grafofonêmica e a apropriação de conhecimentos sobre o funcionamento alfabético da notação escrita, em contextos lúdicos e letrados. Lembrem que a matéria prima da poesia é também matéria prima da alfabetização. Desde que o texto seja contexto e não pretexto para a análise linguística, podemos aprender sobre a língua ao mesmo tempo em que aprendemos sobre a linguagem poética, seus recursos expressivos, suas belezas.  

É isso, gente!

Observação: pessoal de letras, estudiosos da fonologia. Sei bem que o que tento aqui é uma simplificação enorme da complexidade do conceito de fonema e tudo o que ele envolve. Sei também que há correntes diferentes no âmbito da fonologia tanto na história quanto tomada no campo conceitual atual. Espero que me perdoem a possível heresia, mas preciso tornar um assunto complexo, abstrato, e tão importante, para o alfabetizador, minimamente palatável às professoras e professores, articulando-o também à prática pedagógica. Não me ocupo da fonologia pura, mas aplicada, aos que terão a generosidade de me corrigir por algum deslize grave, aceito contribuições de bom grado. Sou diletante na linguística, mas sei de meu papel como educadora.  

25 comentários:

  1. Pró,
    É muito difícil mesmo, mas você consegue tornar o difícil mais fácil, os exemplos são essenciais. Aprendo mil vezes mais na sua aula do que na de fonologia pura, sem ser aplicada à alfabetização. Já que você não sabe (pelo que diz aí) se está tão precisa a sua interpretação dos conceitos, você bem podia se juntar com uma professora de letras e fazer um curso bem bala para alfabetizadores, viu?
    Ia ser show de bola!
    Mas você já é show, viu?
    Abraço
    Bruna

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  2. Mestra Liane,
    Nunca pensei que alfabetizar fosse tão divertido! Na verdade quando pensamos em alfabetização dá um frio na espinha. Com as suas aulas comecei a entender que brincando se aprende muito, e de forma alegre. Daí onde está o grande mérito dos métodos apresentados nas nossas aulas, através de vossa expertise no assunto.
    E como foi difícil discernir pré-silábico de silábico, alfabético não sonoro de alfabético com valor sonoro, e o quê mais? A psicogênese, incrível análise da escrita das crianças; eu confesso humildemente que não tinha vivenciado isso antes. Sim, achei maravilhoso, e gostaria de continuar. Confeccionar vários jogos e ler todos os livros sugeridos. Infelizmente um semestre não dá para tudo... Mas eu chego lá.
    Fico por aqui, mas volto mais tarde.
    Aguardem.
    Fátima Britto - EDCB85

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    1. Oi, Fátima!!!
      Justamente...um semestre é muito pouco, não dá para tudo. Mas se deixei um gostinho de quero mais, já fico satisfeita. Vocês têm referências teórico-metodológicas para aprofundar o estudo e muitas dicas para pensar em estratégias didáticas produtivas.
      Venha fazer uma oficina de produção!

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  3. Oi, Lica, enviei um e-mail pra vc, pois você disse-me certa vez que poderia me ajudar quando precisasse. Será que o e-mail chegou? Porque você também já me disse que muitas vezes é mais fácil deixar mensagem aqui do que no e-mail. Espero que possa me ajudar. Bjs grandes, da sua eterna admiradora.

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  4. Professora,
    Considero o tema abordado muito significativo para a minha trajetória acadêmica, porque tenho buscado entender melhor os estudos relacionados à fonética e fonologia, e isso desde a minha primeira graduação em letras. Gostaria mesmo de pesquisar sobre a alfabetização e endender melhor como " A presença da escrita amplia as possibilidades de análise fonológica, pois a escrita fornece um modelo de análise para o oral"(CASTRO,Liane).

    Obrigada pelo texto,
    Abraços,
    Daniele Ferreira Sampaio (graduanda em pedagogia -2019.1 -EDCB85- Alfabetização e Letramento

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    1. Oi, Daniele!
      Depois me mande um e-mail lembrando que te mando algumas referências de estudo dessas questões, tá?
      Pode sempre contar com isso!
      Liane

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    2. Há perspectivas diferentes de ver a relação entre a consciência fonêmica e a apropriação da escrita. Há autores que defendem que é a escrita que possibilita, no nível dos fonemas, que as crianças tomem consciência dessa unidade, por ser muito abstrata, sem realidade sonora, como discuto nessa postagem. É diferente da perspectiva dos que acham que ter consciência do fonema é pré-requisito para aprender a linguagem escrita, percebe?
      É um campo fascinante de estudo!

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  5. Então, Daniele.
    Espero que nosso curso ajude você a ampliar esses conhecimentos, e você possa ver o conhecimento da fonologia aplicado à alfabetização.
    Essa afirmação que você destaca tem muito a ver com nosso conteúdo de consciência fonológica, que vai mostrar como a aprendizagem da escrita alfabética vai se dando paralelamente e de forma recíproca à consciência das unidades sonoras, em especial as fonêmicas.
    Chegaremos lá!

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  6. Jhenyfer Ferreira (EDCB85)19 de junho de 2019 às 11:22

    Na educação, estudar e compreender as relações entre a fonética, a fonologia e a escrita, o som da palavra e sua transcrição, fazem parte da janela de análise sobre os processos pedagógicos pelos quais os alunos passam. O que demanda uma certa sensibilidade dos professores ao lidar com as instâncias, não raramente dissociadas, de reconhecimento da palavra, conhecimento do objeto ao qual ela é atribuída, sua locução e grafia, no intercurso de associação e significação das crianças, durante seus desenvolvimentos cognitivos. A relação fonema-grafema, quantidade de letras-palavra, repetição delas ou representação à extensão silábica são gigantes pormenores que têm implicações baseadas na percepção dos professores alfabetizadores, tanto em relação às especificidades do trabalho a ser desenvolvido com cada criança, em suas fases próprias, quanto em relações aos trabalhos de Alfabetização e Letramento que envolvem a turma num geral.

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    1. O conhecimento da linguística em geral e da fonologia em particular é de extrema importância para o professor alfabetizador e mesmo depois. É uma pena que esse estudo esteja tão ausente dos cursos de formação inicial e, muitas vezes, quando são dados em letras, não têm esse caráter aplicado à educação, à alfabetização, parecendo muito abstrato para o professor...
      Mas é fundamental!
      Mesmo com o pouquinho de tempo que temos para a alfabetização no nosso currículo, tento, de algum modo, trazer essa dimensão para os estudantes.
      Esse semestre, vi muitos interessados nessas questões. Gostei!

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  7. Essa semana achei um dos livros da época em que eu tinha uns 6 anos... O título é "Chapeuzinho Amarelo", de Chico Buarque. Parei para folhear e me encantei com o fato de que pude articular com os assuntos trabalhados no componente. O livro trata sobre o medo, temática comum entre as crianças. Porém durante a narrativa, o autor vai brincando com os fonemas das palavras, as rimas, o ritmo, o trocar de letras. No final (spoiler) a menininha perde o medo do lobo porque, ora bolas, é só um bolo! É incrível - ou crível - como podemos trabalhar a ortografia em suas amplas naturezas (fonológica, gramatical, etimológica) sem colocar o contexto em detrimento. Dessa forma, é possível trabalhar as tantas variedades linguísticas, as convenções. Utilizar a ludicidade e a brincadeira, algo que deve ser transversal às práticas pedagógicas, também é algo a se agregar a esse processo do alfabetizar letrando (e letrar alfabetizando). Muito gostoso ir fazendo reflexões extra-muro!

    Dandara Daltro
    (EDCB85 – Alfabetização e Letramento)

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    1. Amoooo esse livro, Dandara!
      Vê, a menininha perde o medo dos trosmons (monstros) brincando com a língua. Troca letras, sílabas, desmembra e recombina partes das palavras para fazer festa com seus nomes e mandar o medo para longe. É fantástico!
      Muitas possibilidades de brincar com a consciência fonológica em presença da escrita (ou não, brincando só oralmente de lobolobolobolobolo...o lobo vai mesmo virando bolo, não é?
      E é isso mesmo, tudo junto, brincadeira, linguagem, interações, literatura...
      A literatura pode sim ser contexto da alfabetização nessa perspectiva lúdica, que não mata o texto, não o usa como pretexto, mas amplia suas possibilidades brincantes, estéticas, linguísticas.
      Estou feliz de ver essa turma ir extra-muro, seja nas políticas, seja nas teorias, seja nas práticas!!!
      Viva!!!

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  8. EDCB-85 CARINA DA SILVA LACERDA MATRICULA 212102397 NOTURNO OLÁ A TODOS! NÃO SEI SE COMO LEIGA NESSA COMPREENSÃO PODEREI MOBILIZAR NOSSOS PARÂMETROS PARA O QUE DEVE SER LEVADO PARA AS SALAS DE AULA E POR QUE NÃO PARA VIDA? ??!!! DEVO CONTAR DESDA NOVA ENSINO E SEMPRE TIVE A PROBLEMÁTICA DE ALFABETIZAR, CARTILHAS FIZERAM PARTE DA MINHA VIDA E SÓ TENHO 29 ANOS. NÓS PERGUNTAMOS COMO TERÁ SIDO A EDUCAÇÃO DO SÉCULO XVI? COM TANTA DIVERSIDADE COLONIZADORA E POPULAR INDÍGENAS, EUROPEUS, AFRICANOS, COMO NORMATIZAR UMA LÍNGUA?COMO DEFINIR SUA LEGITIMIDADE?SE FOR POR TEMPO A NOSSA SE CONSOLIDARIA!TEMOS 470 ANOS QUE FALAM POR SI! MAS POR QUE DEFINIR UM GRAFEMA, UM FONEMA SE NOSSA LÍNGUA TUPI-GUARANI-AFRICANA-PORTUGUESA-HOLANDESA-MEXICANA DIRIÃO?CONVIVEMOS COM ELAS HÁ SECULOS E DIALOGAM ENTRE SI, ENRIQUECEM NOSSO VOCABULÁRIO, DEFINEM QUEM SOMOS, NOSSA ESSÊNCIA(PLURALIDADE)DIVERSIDADE TERRITORIAL, LINGUÍSTICA,POPULAR E HISTÓRICA DESIGUAL POR QUE SERÁ? SEM REFERÊNCIAS NÉ?? FONTES DIVERSAS, DADOS DESIGUAIS!

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    1. Carinha,
      Os processos de normatização de um língua tomada como culta e as definições quanto a sua modalidade escrita, é sempre um processo histórico, social e político. A língua não é um objeto neutro, dado, mas articula-se as dinâmicas de poder de uma sociedade e em seu processo histórico de constituição.
      Saber disso é o primeiro passo para sabermos que todo o tipo de preconceito linguístico é, antes de tudo, preconceito social, cultural.
      Agora, é fato que, para se constituir como uma língua, diferente de outra, há alguns aspectos que precisam ser considerados.
      Mas como você traz muitas coisas misturadas - coisas que têm suas particularidades - como a dimensão das relações entre grafemas e fonemas e também a questão do léxico, por ora, basta comentar isso.
      Agora, com certeza, a diversidade enriquece a língua! Isso é fato!

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  9. O assunto sobre a consciência fonológica foi o que mais me chamou a atenção, realmente é incrível ver como a palavra muda com os fonemas e como alunos conseguem perceber esse jogo de palavras e de som como visto nos excelentes jogos que a postagem apresenta, bala, sala, fala, mala, podendo ser usado também as imagens adaptando assim as atividades de alfabetização com cada nível que a criança ou turma se encontra. A criança ao produzir as silabas e ler as palavras elas vão conhecendo aos poucos esse mistério do som das palavras e como algumas palavras mesmo escrita de forma incorreta tem o mesmo som ao ser pronunciado, dessa forma o educador pode mostrar a duas formas, por exemplo xuva/chuva/ chícara/xíara, tem o mesmo som porém só existe uma forma de grafar corretamente.
    Dessa forma, após ler esse texto, percebo o grande equivoco do método fônico ao ser trabalhado os fonemas isolados, eles precisam estar articulados e contextualizados, pois caso contrário se torna uma alfabetização artificial.
    Hortência Marinho
    EDCB85 – Alfabetização e Letramento

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    1. Justamente, Hortência!
      A própria definição de fonema refere-se a sua natureza distintiva, ou seja, relativa a mudar as palavras. Os fonemas existem nas palavras, não têm existência prévia na mente do não alfabetizado!
      Mas o mais legal de tudo isso, é o que você bem ressaltou do texto: tudo isso pode ser feito de forma reflexiva, lúdica, significativa, contextualizada, letrada! Esse é o "pulo do gato", para que nem haja uma negligência do aspecto fonológico da alfabetização, nem vire essa coisa artificial, mecânica e sem sentido do método fônico sintético.

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  10. FO-NE-MA:

    FO - forte demais esse aprendizado, pois o que é o FO separado do contexto no processo de letramento?
    NE - necessariamente a criança precisa ter acesso a diversos gêneros textuais para se apropriar dos fonemas, das palavras e desse mundo da escrita;
    MA - mais conteúdo. Mas, tenha calma, a criança precisa de tempo e de provocações para juntar o que está separado e toda suas relações.
    Para mim, o mais importante são as contextualizações. O entendimento do todo, e suas partes e que as partes podem formar outras partes e outros todo. Excelente o exemplo do ATO. As parledas, as adivinhas, os jogos e todo o universo da tradição oral contribuem bastante com esse aprendizado.

    Janete Reis - graduanda EDCB85

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  11. Janete!!!
    Você não sabe como fico feliz de ver vocês expressando os conhecimentos assim, metalinguisticamente, brincando com as palavras!!! Adorei!!!
    Muito bom comentário!

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  12. Boa noite, Professora!
    Estudar sobre os fundamentos para a Alfabetização tem sido desafiador, uma vez que, para uma mente alfabetizada, a relação de leitura e escrita parece óbvia. Está sendo um desafio interessante e construtivo. Após a leitura deste post e do capítulo indicado pela senhora, compreendi melhor que a Reflexão Fonológica abrange diversas outras consciências, dentre elas a Silábica, de Rimas e Fonêmica. Esta última sendo mais vinculada ao uso do sistema alfabético, da escrita. O método fônico defende iniciar a alfabetização focando no aprendizado do sons das letras, mas agora consigo compreender melhor como isto é completamente descontextualizado para uma criança que sequer aprendeu sobre a relação dos grafemas com os sons.
    Ainda preciso estudar mais sobre o que temos trabalhado em sala de aula, mas acredito que aos poucos ficarei familiarizada com todos estes conceitos e reflexões!

    Naiara Santana Santos - Discente de EDCB85

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    1. Naiara,
      Fico muito feliz de ver que, no esforço de compreenderem um assunto que é, de fato, complexo (tento torná-lo menos árido com explicações, jogos e brincadeiras, mas sei que é complexo), vocês vão construindo saberes e, ao mesmo tempo, buscando mais e mais.
      Acho que isso de complementar as aulas com essa interação no blog foi muito acertada, pois tenho visto as aprendizagens se ampliarem com essa estratégia.
      Que bom!

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  13. Obs.: Quando digo "[...] para uma criança que sequer aprendeu sobre a relação dos grafemas com os sons[...]" quero dizer que elas ainda não entendem que a escrita é o registro do que se fala. Logo, apenas focar na consciência fonêmica, sem trabalhar ludicamente a consciência das Rimas e das Sílabas, por exemplo, torna o processo sem sentido, mecânico.

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    1. Isso...porque é diferente mesmo...uma coisa é uma coisa, outra é outra. Entre a fonetização da escrita e a apropriação do princípio alfabético, tem muita reflexão!

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  14. Professora
    Meu comentário parte mais de uma dúvida sobre consciência fonológica.
    Seguinte, algumas aulas atrás comentava sobre a identificação dos fonemas pelas crianças, lendo essa postagem, percebo que essa identificação, assim como cita:

    "Vejam que situação interessante de consciência fonêmica na oralidade, que se ampliou (cai a ficha!) quando Joaquim foi confrontado com a escrita. É disso que se trata aqui. Poder observar a unidade gráfica que representa uma unidade mínima fonológica, abstrata, que não tem uma realidade sonora de forma isolada, mas que no confronto com a palavra escrita, toma corpo e se apresenta."

    Nesse exemplo fica nítido que a intimidade da criança com a palavra que a fez ter essa lembrança/associação, portanto a familiaridade com a palavra inicial (Zé, no caso) foi importante para a palavra descoberta, o aprendizado.

    Pois bem
    Seguindo com meu comentário/dúvida, indago, quando se trata de alfabetização de jovens e adultos que por vezes estão familiarizados com palavras com gramáticas não formal, como lidar? Pois se o processo de alfabetização tende a seguir uma sequência lógica em que a gramática somente surge após esse processo, lidar com essa situação requer de nós, futuros pedagogos atuar de que maneira, para que não possamos atropelar a ordem do processo?

    Compreendi a variação linguística, mas percebo que um semestre não é possível sanar todas ou a maioria das coisas que estamos para enfrentar na alfabetização.

    Algumas dessas situações eu pude observar no artigo de Luiza Juchema e Doris Bolzanb: Consciência fonológica na alfabetização de jovens e adultos: como esta relação é concebida pelos alfabetizadores... E me espantei.

    Enfim
    Sei que uma resposta no blog não será suficiente, mas abre o diálogo.
    Se possível, indique leituras. Meu objetivo é trabalhar com jovens e adultos.

    Obrigada.
    Abraços pró.

    Ana Paula de Jesus Nunes - Matutino
    Alfabetização e Letramento - FACED

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    1. Oi, Ana Paula,
      Olha...de fato, não é uma questão que a gente consegue dar conta de dar uma resposta simples aqui.
      Mas posso dar alguns rumos para começarmos a discussão...No nível da consciência fonológica, penso que quando você se refere a gramática está falando da ortografia, não é? De como lidar com essa questão quando a variedade linguística falada é distante da forma gráfica da língua.
      Então, justamente, essa é a das questão você já traz: a variação linguística.
      Bom, de cara te digo que esse é justamente o desafio, pois quando chamamos a atenção para os sons da língua, no aprendizado da escrita precisamos considerar essa questão da variação, ou passaremos que nem trator em cima dos sujeitos falantes de variedades menos prestigiadas.
      Para analisar as escritas dos alunos, o alfabetizador precisa, justamente, ter muita clareza da diferença entre as questões relativas ao sistema e aquelas que se relacionam com a variedade falada. Ou seja, estudar sobre o funcionamento ortográfico da escrita na língua portuguesa (tema de nossas últimas aulas) e entender bem a questão da variação linguística.
      Isso vale tanto para as crianças quanto para os adultos...
      O que não dá é para cairmos na falácia de que só dá para aprender a escrever se aprender, antes, a falar, supostamente, de forma "correta". Tanto o menino que fala algo como "bardji", como o que fala "baudji" têm que vencer desafios para entender que, a despeito de ser pronunciadas assim, a ortografia da palavra é BALDE. Mas é lógico que os desafios de escrita de quem fala "bardji" é sempre maior, pois a variedade considerada culta da escrita se aproxima mais dos que falam "baude" - mas NUNCA, para nenhuma das duas variedades, a escrita é espelho da fala.
      Não sei bem o que te espantou no artigo citado, pois não o li, mas te digo que esse estudo deve começar por esses três aspectos: consciência fonológica, funcionamento ortográfico do português e variação linguística. O desenvolvimento da consciência metalinguística vale também para qualquer público.
      Depois disso, aí sim, dá para se debruçar sobre a abordagem didática mais específica da consciência fonológica com o público da EJA em especial, pois o que vai ser diversa é a organização do o trabalho pedagógico, ou seja, as estratégias didáticas, os gêneros de texto utilizados, o modo de abordar a variação linguística.
      Comece pelas indicações de bibliografia que eu já dei no curso! Artur Gomes de Morais, Marcos Bagno, Faraco, etc...
      E, siiiiiiiiiiiiiiim, um semestre apenas não é suficiente para tanta coisa.
      Precisaríamos aprofundar mais o estudo teórico, precisaríamos entrar mais na organização do trabalho pedagógico...Sou a primeira a dizer!!!
      Tento fazer como dá para abordar um pouco de tudo, faço escolhas, muito fica de fora ou só esbarrado, mas tento dar o lastro e os rumos para que vocês possam seguir estudando, se formando nesse campo...
      Obrigada e abraços, Ana Paula!

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