quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Sobre os materiais deste blog

Esse é um texto mais atualizado sobre os materiais apresentados nesse blog, a partir de um dos primeiros posts que fiz. É um texto que dá uma ideia geral dos materiais do acervo e ajuda a organizar em blocos os jogos e materiais que vão sendo postados, considerando sua natureza.

Os jogos, materiais, atividades, dicas e as oficinas apresentados nesse blog destinam-se a todos que se interessam por alfabetização e que buscam ampliar seu repertório de propostas didáticas fundadas em firmes concepções de aprendizagem e ensino da língua escrita.

Enfatiza-se aqui a perspectiva de aprendizagem do sistema de escrita em contexto de letramento, por um lado, e a especificidade do processo de aprendizagem do sistema alfabético, por outro, confluindo para o que Magda Soares chama de "Reinventando a Alfabetização", ou seja, o trabalho específico com o sistema de escrita, com a identificação das palavras, sem perder de vista o eixo relativo à construção do sentidos na leitura e o contexto mais amplo relativo à cultura escrita. 

As atividades propostas a partir dos materiais apresentados focalizam a aprendizagem do funcionamento do sistema de escrita alfabética, o trabalho de reflexão fonológica, a mobilização de estratégias de leitura, a pesquisa inteligente, e abordam as diferentes unidades da língua – texto, palavra, sílaba, grafemas e fonemas e unidades inter e intrasilábicas (maiores e menores que a sílaba, como -OLA em bola, escola, sacola, viola, cola... e TR em troco, trinco, trator, truque...) – em contexto de exploração de textos - orais e/ou escritos - e de jogos. 

Costumo separar os materiais, kits e jogos que fazem parte do acervo que venho construindo, em três diferentes blocos, que, no contexto das Oficinas, se organizam, algumas vezes, em três módulos. Por ora, vou apresentar brevemente cada um desses blocos e, depois, à medida em que os posts forem aparecendo, aprofundaremos a discussão em torno de cada um deles. 


No primeiro bloco incluem-se os materiais confeccionados a partir de textos da tradição oral – que são expressão da cultura popular, parte de nosso universo cultural – estruturados para favorecer a leitura através de estratégias diversas, bem como a reflexão sobre a escrita alfabética e ortográfica. 

São kits confeccionados a partir de parlendas, trava-línguas, adivinhas, quadras, cantigas, ditados populares, frases feitas, permitindo atividades diversificas para diferentes níveis de leitura. Nota-se nesse bloco que, em se tratando de gêneros originalmente orais, é fundamental não perder de vista a sua abordagem em termos de oralidade. Para discutir mais sobre esse aspecto, e sobre textos da tradição oral, ver a brochura de minha autoria aqui

No segundo bloco, incluem-se os materiais confeccionados a partir de textos de vários gêneros literários, como fábulas, contos, lendas e contos indígenas e africanos, histórias infantis, quadrinhos,  poesia, favorecendo ainda mais a articulação entre letramento e alfabetização. 

Aqui encontramos também materiais produzidos a partir de narrativas audiovisuais, tão presentes na cultura infantil contemporânea - como desenhos animados e filmes de animação - e parte do repertório de “textos” dos sujeitos infantis, considerando a noção de múltiplos letramentos.


Esse bloco se desenvolveu a tal ponto que, hoje, em seus desdobramentos, acolhe as Caixinhas de Livros - sobre as quais vocês podem conhecer mais aqui - e os Arquivos Poéticos - que, por ora, inclui os Arquivo Alfabético Poético e o Arquivo Capparelli, que vocês podem ver  no link, clicando neles. Novos Arquivos estão no forno! 

Há Caixinhas de Livros que namoram com os Arquivos Poéticos, como a Caixinha O que tem nesta venda, a partir do livro de Elias José de mesmo nome, da Paulus, já que o que o livro traz é um texto com a ludicidade e o ritmo próprios ao texto poético. Confira parte dos materiais aqui. Essa Caixinha - ou Arquivo - rendeu outros jogos e posts, como o Lince, dentre outros. Todos eles se encontram tanto no marcador Caixinhas de Livros quanto no marcador Arquivo Poético. Confiram na lista de marcadores do lado direito da sua tela! No marcador Caixinhas de Livros vocês podem encontrar também os posts de Caixinhas a partir de outros livros infantis. Os materiais das Caixinhas e Arquivos são voltados para diversas atividades de reflexão sobre a leitura e a escrita a partir das histórias ou poemas, cuidando sempre, no entanto, de preservar o aspecto literário, estético como primordiais e prioritários em relação ao aspecto pedagógico. A esse respeito, ler o post sobre Literatura e Alfabetização, aqui

No terceiro bloco, incluem-se jogos diversos, com diferentes objetivos relativos à aprendizagem da escrita e leitura, como o aprendizado de letras, a apropriação do sistema alfabético, a consciência fonológica e a ortografia. O jogo, com sua natureza lúdica e intrinsecamente sociocultural, vem aqui contribuir para a reflexão sobre diversos aspectos da língua. Por vezes, os mesmos jogos, com pequenas adaptações, podem favorecer a reflexão de crianças em diferentes níveis de apropriação da escrita. 

Os jogos desse bloco não têm relação  com um texto, mas muitos jogos a partir de textos - incluídos no bloco anterior - são similares aos categorizados aqui. São classificados lá por serem produzidos a partir de determinado livro, parlenda ou poema, mas se assemelham a alguns postos aqui, como o caso do Bingo de Rimas, da Caixinha de O que tem nesta venda, e outros jogos do Arquivo Capparelli, por exemplo. 

Divido os jogos e materiais em:


  • de reflexão fonológica e grafonêmica;
  • para aprender sobre a estabilidade da escrita, de usar e ampliar o repertório de modelos de escrita convencional (que a criança aprende a reconhecer globalmente);
  • para aprender as letras e usar a ordem alfabética;
  • para refletir sobre os princípios do sistema alfabético e sobre as correspondências grafofônicas;
  • para consolidar as correspondências grafofônicas e trabalhar a ortografia;
  • para contribuir com o desenvolvimento da fluência de leitura e de apoio à compreensão leitora;
  • para apoiar a produção de textos.

  • Por vezes, evidentemente, esses três blocos de materiais se imbricam e outras categorias ou novos aspectos em cada categoria podem surgir, já que a invenção, adaptação, inclusão de novos materiais ao acervo é constante, a partir do próprio desenvolvimento das oficinas e das trocas com outros educadores. Em cada Oficina que promovi até hoje, houve sempre quem inventasse, partindo dos materiais e atividades propostas, novos materiais ou novas atividades, variantes, adaptações, considerando as classes singulares que cada professor tem.   Já houve quem adaptasse alguns jogos para crianças menores, outros para crianças maiores, para uso em salas de AEE, professores de inglês tendo ideias para o ensino de língua estrangeira a partir dos materiais, tentativa de pensar adaptações para crianças de inclusão... 

    As oficinas e também o blog, nesses anos, têm sido espaços de trocas, inclusive, para que possam ser ampliadas  essas possibilidades. O blog, nesse sentido, pode funcionar também como um registro, um testemunho desse processo de ampliação de repertório, de acervo,  de propostas, tanto para mim, para minhas/meus alunas(os), quanto para quem vier visitar essa página. Portanto, opine, interaja, discorde, pergunte, oferte... Esse é o meu convite... Atualmente os acervos de materiais e as oficinas de produção e criação de jogos e materiais são vinculados ao LAP - Laboratório de Acervos e Práticas, Laboratório de Alfabetização que coordeno na FACED/UFBA. 

    O caminho da literatura trouxe, ainda, essa prática de dica de livros e comentário sobre eles ou de exploração de gêneros de textos (como as histórias acumulativas e os tangolomangos, a partir dos quais fiz alguns posts recentemente). Tenho feito também alguns posts com propostas de atividades não atreladas a um material específico. Tudo isso também se articula, hoje, ao LAP, às três dimensões de suas ações: material, simbólico cultural e didático-pedagógica. O blog foi, por muito tempo, e segue sendo, esse meu espaço de compartilhamento de ideias, de criação, de experimentação e de boas parcerias, que agora se expandiram para as redes do próprio Laboratório, que vocês podem seguir no Instagram e Facebook
    Abraço,
    Lica

    segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

    Troca letras e palavras flutuantes...

    Post vapt vupt...

    Um dia, já há algum tempo, postei o poema de José Paulo Paes, Letra Mágica, a propósito do qual eu comentei sobre atividades em torno da noção de par mínimo. Eis o poema abaixo e o post aqui.

    Letra Mágica

    Que pode fazer você
    para o elefante
    tão deselegante
    ficar elegante?
    Ora, troque o f por g!

    Mas se trocar, no rato,
    o r por g,
    transforma-o você
    (veja que perigo!)
    no seu pior inimigo: o gato.

    Dessa vez o trago de novo para dar a dica de textos que brincam com essas trocas de letras, esse pareamento de palavras diferentes a partir de uma só diferença de fonema e letra. Brincadeira com os aspectos fonológicos e fonográficos da linguagem. Pura poesia também! 

    Bom, e para provocar, são bons textos para, inclusive, nos lembrar das possibilidades de reflexão fonológica e fonográfica que a poesia nos oferece, muito mais gostosas do que o trabalho mecânico de treinamento fonológico que certos programas de alfabetização propõem. 

    No livro A turma do ABC, de Fátima Miguez, Nova Fronteira, vários são os pequenos textinhos poéticos que trazem duas ou três palavras formadas por par mínimo. São bem simples, mas bem lúdicos e dão boas brincadeiras. Eis dois deles:

    Salta o S do sapo,
    o P entra no papo...
    O sapo está no papo
    ou é papo de sapo?

    O Z de zoada
    faz muita zoeira,
    prefiro o T de toada.
    É som de primeira.


    O livro História em três atos, de Bartolomeu Campos de Queirós, da Global, brinca com os três atos: o ato do gato, o ato do pato, o ato do rato... E na história, outras ressonâncias sonoras aparecem, como as aliterações do fonema /g/ em "O pato bica a garra do gato e engole o G" e fonema /p/ em "o gato arranha o pé do pato e papa o P". Esse livro foi presente de minha amiga Aline Moura. 

    Essas brincadeiras de trocas de letras são muito interessantes para tornar observável o diferencial entre essas palavras que, no caso, aqui, diz respeito aos fonemas /g/, /p/ e /R/ e as letras que os representam G, P e R. Os fonemas consonantais, especialmente os oclusivos (como é o caso de /p/, /g/) - pois os fricativos e os vibrantes (como o /R/), por exemplo, são mais fáceis de serem isolados dos sons orais que os acompanham e, por consequência, mais fáceis de serem percebidos - são unidades muito abstratas para as crianças, que percebem o todo, a unidade silábica e, por um tempo, julgam que são essas as unidades representadas pelas letras. E elas percebem assim justamente porque a fala é co-articulada, pronunciamos a sílaba, não os fonemas isolados, e são os sons orais que constituem o núcleo da sílaba. 

    Ora, para se alfabetizarem, ou melhor, no processo de se alfabetizarem, é certo que as crianças precisam se dar conta dessas unidades fonêmicas. Mas, diferente de treinamentos fonêmicos sem sentido algum para elas, isso é perfeitamente possível de ser feito através de atividades de reflexão fonológica (fonêmica) em presença da escrita - ver as palavras escritas, compará-las, ajuda as crianças a observarem as diferenças gráficas (entre as letras) e associarem essa diferença às diferenças fonológicas de cada palavra, que é a diferença que o fonema, justamente, implica. Ou seja, a consciência fonêmica vem a partir da análise do escrito. E observar fazer isso brincando com a poesia da linguagem é muito mais divertido, implicado e contundente! 

    O que dizer, por exemplo, da poesia de Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, livro que é cheio dessas brincadeiras com rimas, pares mínimos, assonâncias e aliterações? São recursos estilísticos da poesia, que, propondo mil ressonâncias das palavras umas nas outras, conferem musicalidade e ritmo às estrofes - e constituem em matéria fantástica para a reflexão sobre a língua! Vejam esse, Tanta tinta, que adoro:


    Tanta Tinta

    Ah! Menina tonta
    toda suja de tinta
    mal o céu desponta!
    (Sentou-se na ponte,
    muito desatenta…
    E agora se espanta:
    Quem é que a ponte pinta
    com tanta tinta?…)
    A ponte aponta
    e se desaponta
    A tontinha tenta
    limpar a tinta
    ponto por ponto
    e pinta por pinta…

    Ah! a menina tonta!
    Não viu a tinta da ponte.

    Bom, e lógico, muitos outros autores brincam com essas trocas fonêmicas, como o próprio José Paulo Paes, autor que, aliás, tem muitas maravilhas de poemas em que outros jogos de palavras aparecem, como alguns do Uma letra puxa a outra, que é parte do kit Arquivo Alfabético Poético, postado aqui. Mas vale à pena lembrar alguns, especialmente aqueles em que acrescentando-se letras vão surgindo outras palavras... Note que nem sempre a palavra está de fato presente, mas só aludida pelo sentido do enunciado, como Cabral, palavra aludida no verso que diz que a letra L faz "cabra descobrir o Brasil". Eis alguns:

    L é uma letra louca
    e faz a uva andar de luva
    transforma a nota mi em 1000
    cabra descobrir o Brasil

    É com o H
    Que a filha sai da fila,
    Que malha sai da mala.
    Com H a mana faz manha.

    São textinhos muito indicados para as crianças prestarem atenção na escrita das palavras, na mudança mínima de fonema que faz com que as palavras mudem completamente, ótimos para as reflexões do processo de alfabetização! Dá para fazer várias brincadeiras...  

    Mas considerando que poemas são constituídos dos significantes e significados das palavras, do jogo entre essas duas faces do signo linguístico, ambos colaborando com a construção de sentido e na poesia do texto, além dos jogos com os sons e grafia, temos também jogos com os significados das palavras.  

    Assim, se alguns poemas propõem esse jogo com a mudança das palavras pela troca, inclusão, acréscimo ou substituição de letras,  outros trazem o foco nos diferentes significados de uma mesma palavra, brincando com a semântica da língua, com figuras de linguagem, figuras de estilo - e não mais com os aspectos fonológicos e gráficos. José Paulo Paes mesmo tem os poemas "Inutilidades", Pura verdade" e "Atenção, Detetive", obras de puro deleite semântico.

    Atenção Detetive

    Se você for detetive
    Descubra por mim
    Que ladrão roubou o cofre
    Do banco do jardim
    E que padre disse amém
    Para o amendoim

    Se você for detetive
    Faça um bom trabalho
    Me encontre o dentista
    Que arrancou o dente do alho
    E a vassoura sabida
    Que deixou a louca varrida

    Se você for detetive
    Um último lembrete
    Onde foi que esconderam
    As mangas do colete
    E quem matou o piolho
    Da cabeça do alfinete.


    Inutilidades

    Ninguém coça as costas da cadeira.
    Ninguém chupa a manga da camisa.
    O piano jamais abana a cauda.
    Tem asa, porém não voa, a xícara.

    De que serve o pé da mesa se não anda?
    E a boca da calça se não fala nunca?
    Nem sempre o botão está em sua casa.
    O dente de alho não morde coisa alguma.

    Ah! se trotassem os cavalos do motor ...
    Ah! se fosse de circo o macaco do carro ...
    Então a menina dos olhos comeria
    Até bolo esportivo e bala de revólver.

    Ele brinca aí com a polissemia das palavras e com a figura de estilo chamada de catacrese, que é quando se usa emprestada uma palavra em seu sentido figurado por falta de uma palavra própria. Mesa não em pé, cadeira não tem costas, tomamos emprestado esses termos usados para seres vivos e usamos para esses objetos. Assim como cabeça ou dente de alho...eis a catacrese. E usar simultaneamente os dois sentidos de banco, manga, cavalos, bala, etc, é brincar poeticamente com a polissemia das palavras. Vê que a graça está em captar ao mesmo tempo os dois sentidos - ao menos- dessas palavras? Muito bacana, não é?

    Um outro texto que acho bacana que explora a catacrese é a lista de "coisas que não servem para nada", do livro Listas Fabulosas, de Eva Furnari, da Moderna. A lista é assim:


    Coisas que não servem para nada


    1. Depilar perna de mesa
    2. Calçar sapato em pé de feijão
    3. Passar esmalte em unha de gato
    4. Por colírio no olho do furacão
    5. Descascar a batata da perna
    6. Passar batom na boca do balão
    7. Fazer massagem nas costas da cadeira

    Essa é a lista da Olfa, membro do Clube das Listas. Tem outras listas lá! Minha preferida: Lista dos nomes preferidos de duplas caipiras, da Dárdara (Eva Furnari e seus nomes estramboticamente engraçados). Só para deixar um gostinho: Cisco e Farelo; Abóbora e Celeste! Rsrsrsrs, essa Eva! Aliás, veja que abóbora aí está no nosso tema - trocas de letras -afinal, faz uma referência à expressão abóbada celeste, não é? 

    Bom, mas voltando a José Paulo Paes, olha como ele usa a polissemia e essa figura de estilo - a catacrese - também no seu poema Pura verdade, em que fala de "braço de mar coçando o sovaco", de "ângulo obtuso ficar inteligente e a boca da noite palitar os dentes", de "pé de vento calçar as botinas" e de "cavalo-motor sacudir as crinas". E o autor fecha o poema brincando com o aparente ilogismo, dizendo: "É a pura verdade/A mais nem um til/E tudo aconteceu/Num primeiro de abril"! 

    Desse tipo de jogo com a semântica, com a polissemia, muito bacana também é o livro Isso, isso, de Selma Maria, da Peirópolis, em que a autora traz coisas assim, em forma de verbetes, imagens poéticas muito interessantes:

    Biruta
    A pessoa quanto mais biruta fica mais se perde no pensamento
    A biruta quanto mais biruta fica mais acerta a direção do vento.

    Bamba
    A piada bamba faz rir
    A corda bamba faz cair.


    Canto
    Um gato acha seu canto dentro da casa
    o passarinho solta seu canto lá na mata.

    Bom, quanto a isso, é a própria matéria da poesia, não é? Figuras de linguagem, de estilo, imagens poéticas, brincadeira com os sons e significados... Matéria de fazer poema, matéria de fazer linguagem, tudo a ver com aprender sobre a língua...

    No processo de produção para a Feira de Livros da escola onde trabalho, fizemos  oficinas de poesia com várias propostas de "desembolorar" as palavras, brincando com a polissemia, as metáforas, os sentidos literais e conotativos, a construção de imagens poéticas... Esse livro foi muito usado nessas aventuras poéticas, com os professores e com as crianças! 

    É isso, gente! 
    Ah, completem essa leitura com o post antigo, citado, que você pode ver aqui.
    Beijos,
    Lica

    quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

    Algumas propostas a partir dos Tangolomangos!

    Enfim!
    E vamos que vamos ao terceiro post sobre os tangolomangos. Quem não viu os outros, é bom dar uma olhadinha antes, aqui e aqui. O primeiro post falou desse gênero de texto, sua origem, estrutura e características, versões e muitas curiosidades sobre. O segundo trouxe dicas de livros que dialogam com a estrutura dos tangolomangos e esse terceiro traz atividades de linguagem e matemática a partir dos tangolomangos. Vamos a elas!

    Como sempre, inicio fazendo uma ressalva quanto às atividades e materiais a partir de textos. E a ressalva de hoje é a de que brincar, ouvir, ler, cantar os tangolomangos tem um valor em si mesmo, primordial, que não deve ser perdido de vista. Os textos, ainda mais literários (seja da literatura oral ou escrita), não devem ser meros pretextos para as atividades. Isso vocês já sabem, mas não me canso de sublinhar. Mas dito isto, tendo isso sempre em mente e confiando que vocês não o esquecerão, trago aqui algumas sugestões, afinal, o texto literário ou da tradição oral, na alfabetização, também é tomado como construção linguística passível de provocar reflexões e descobertas!

    De cara, vale para os tangolomangos o que foi dito sobre os contos acumulativos. Com quanto mais tangolomangos as crianças brincarem e quanto mais os ouvirem, mais ampliam seu repertório, fazem relações, comparam, criando uma familiaridade com eles. Cantados, lidos, brincados, recitados, muitas são as variações possíveis, até dramatizados...

    Como é um texto de estrofes curtas, versificado, com ritmo próprio, rimas, outras sonoridades, repetições, é bem legal para a leitura compartilhada, o professor e as crianças alternando a leitura, pelo que vão memorizando, e também para a pseudoleitura coletiva, acompanhando com o dedo, apoiados no ritmo dos versos. As crianças podem ir reconhecendo certas palavras no texto, identificando onde está determinada palavra, bem como brincar com rimas, aliterações, assonâncias.

    Materiais...
    Quanto a materiais, cada texto em particular pode sugerir diferentes tipos de fichas, desenhadas e/ou escritas, para ajudar a recuperar a sequência do texto. Algo referente à causa do tangolomango, da mazela, do sumiço, pode ser uma possibilidade! Apoiar-se na imagem para dizer o texto de memória, considerando as sonoridades dos versos, é bem bacana para ir se apropriando do texto. Os algarismos e os numerais escritos sem dúvida podem compor o kit, para associar um ao outro ou aos tangolomangos correspondentes.  Os versos de alguns desses textos em livros trazem o número por escrito (em linguagem materna), já outros, trazem o numeral mesmo, essas são oportunidades de criar materiais com possibilidades de associação entre a escrita dos números por extenso, a escrita do numeral e a quantidade que representam (desenhos dos personagens ou signos que os representam, como bolinhas, por exemplo).

    Nem todos os tangolomangos vão necessariamente se prestar ou demandar um material, é preciso ter bom senso para identificar quando isso pode ser produtivo ou não. Nem dá para ter materiais de todos os textos lidos, não é mesmo? São apenas sugestões... Cada um vai fazendo suas escolhas...

    Os fatiados...
    A ordenação do texto é uma atividade muito produtiva também com os tangolomangos, devido a suas características: as estrofes, versos, rimas, palavras que se repetem. Eles podem ser fatiados em estrofes, em duplas de versos ou em versos. No primeiro caso, fatiados em estrofes, temos dez ou nove estrofes (ou mais) e as crianças terão que reconhecer, no escrito, a palavra que representa o numeral, para então ordená-las e, quem sabe, considerar também outros elementos de cada uma delas, como algumas palavras que porventura já reconheçam.


    No caso da ordenação de partes da estrofe, ou seja, de duplas de versos, além do reconhecimento dos numerais escritos, o que vai ajudar as crianças a ordenar serão as rimas no final de cada verso 2 e 4. Por exemplo, na estrofe abaixo terão que associar a ficha com os versos:

    Era uma velha que tinha nove filhas.
    Foram todas comer biscoito.

     ... com as fichas com os versos:

    Deu um tangolonomangolo numa delas
    E das nove ficaram oito.

    As crianças aí têm que descobrir que podem se apoiar na rima de biscoito com oito. Essa, em si, já é uma boa atividade de reflexão sobre a escrita. Pode-se explorar esse pareamento primeiro na oralidade e só depois tornando observável a grafia semelhante das palavras que rimam. Deixa ver primeiro se as próprias crianças não descobrem isso...

    Para encontrar o par de rimas, caso o professor informe de que estrofe se trata, as crianças podem considerar a pauta sonora das palavras que rimam naquela estrofe, associando o que sabem de cor ao escrito, apoiando-se também na versificação (descobrem oralmente que são duas palavras no final dos versos) ou podem considerar a própria grafia semelhante das duas palavras. É interessante observar as estratégias que as crianças usam para tentar dar conta da tarefa e provocar gradualmente a prestarem atenção, oral ou graficamente, nos aspectos que podem ajudá-las a resolver o problema.

    No caso de fatiados em versos, por sua vez, podemos propor a cada mesa uma estrofe ou dar tudo misturado para todos, vai depender do nível de leitura das crianças. Aí, para descobrirem a ordem, as crianças poderão considerar os numerais, as rimas e outros elementos que terão que prestar atenção, como por exemplo, onde a palavra tangolomango aparece na estrofe, atentando à relação da pauta sonora (o que sabem de cor da estrofe) com a grafia das palavras nos versos.


    Evidentemente, cada proposta dessas depende do domínio que as crianças têm da leitura. Será muito fácil ordenar estrofes para aqueles que podem ler com certa autonomia e muito difícil ordenar os versos para aqueles que ainda não têm recursos para identificar palavras por meio de estratégias diversas. É preciso conhecer bem suas crianças para propor para cada agrupamento aquilo que será ao mesmo tempo desafiante e possível de ser feito com certa autonomia, ou apoiado nas interações entre elas e com o professor.

    Temos que lembrar também que o reconhecimento de palavras por essas estratégias não é uma adivinhação aleatória, mas uma pesquisa inteligente, na qual a criança deve considerar tudo o que sabe sobre letras e sons, para tentar descobrir o que não sabe ainda. Para se constituir, de fato, em uma exploração que implica em reflexão, estratégias, pesquisa, resolução de problemas, e não numa tentativa de adivinhação, é importantíssimo saber para que crianças propor que desafios de leitura.

    Outras atividades de linguagem...
    Para crianças que já têm uma possibilidade maior de leitura e escrita, já alfabéticas, sugiro desafiá-las com outras atividades, como escrever o tangolomango que já sabem de cor, ler novos tangolomangos, reescrever mudando as situações, os motivos dos sumiços e, consequentemente, as palavras que rimam com os números.

    Uma atividade bem interessante para essas crianças é descobrirem outras tantas palavras dentro da palavra TANGOLOMANGO, misturando suas letras. Essa desmontagem e remontagem de palavras podem ser feitas com letras móveis – é a melhor forma – ou no papel mesmo. Para começar é preciso esclarecer que não é necessário usar todas as letras, que as crianças podem formar palavras com várias quantidades de letras, e que podem colocar as letras em qualquer ordem. É bom também combinar que tipos de palavras eventualmente não valem. Valerá nome próprio? Interjeições? Onomatopeias? Isso vocês é quem decidem... Elas podem fazê-lo em duplas, em trios, é melhor, pois assim trocam ideias sobre as possibilidades e sobre a grafia correta das palavras. Observar as estratégias que usam para encontrar as palavras é uma fonte riquíssima de informação para o professor a respeito de como as crianças estão pensando. E pode ajudá-lo a perceber que intervenções podem ser produtivas para levá-los a novas descobertas. Depois de terminada a tarefa, as palavras encontradas por cada grupo podem ser compartilhadas e será bem interessante observar junto com as crianças os que uns e outros encontraram e outros e uns não...

    Segue abaixo uma lista com algumas palavras formadas com letras da palavra tangolomango, tente encontrar outras! 
    • Com 3 letras: ano, ato, gol, mal. 
    • Com 4 letras: gato, gana, galo, gola, gago, gomo, goma, gota, lago, logo, lata, mago, moto, mano, mato, mata, mala, mana, talo, tolo, lona, nata, nato, nona, alma. 
    • Com 5 letras: lagoa, manga, manta, manto, natal, tango, longo, gnomo, magoa.
    • Com 6 letras: mongol, Angola. 
    • Com 8 letras: angolano. 

    Você pode conferir mais algumas palavras nesse link, aquiMas observe que este é um site que forma palavras e não-palavras, é preciso observar o que, de fato, é palavra na nossa língua, ok? E nem todas são do universo das crianças, precisa considerar isso também.

    Outra proposta divertida e interessante para a reflexão sobre a escrita é a de ir comendo as letras da palavra tangolomango e ir tentando ler, vendo quando dá para ler (palavras existentes ou pseudopalavras) e quando não dá para ler (porque apresenta ordens de letras não possíveis na nossa língua, como ngolomango) – e mesmo assim tentar. Pode ser bem engraçado! É uma boa oportunidade de discutir sobre palavras que têm um sentido na língua, palavras que não o são, mas que dão para ler, restrições de certas junções de letras na língua...enfim, várias coisas, até o fato de que o que é restrição em uma língua pode não ser em outra. O ng juntos aparece em línguas africanas, por exemplo. E o que é não-palavra em uma língua pode ser em outra. GO, por exemplo, não é nada (salvo se considerarmos as siglas) em português, mas é o verbo IR em inglês... Mas vamos ver a brincadeira?

    TANGOLOMANGO
    ANGOLOMANGO
    NGOLOMANGO
    GOLOMANGO
    OLOMANGO
    LOMANGO
    OMANGO
    MANGO
    ANGO
    NGO
    GO
    O

    E de trás para frente:
    TANGOLOMANG
    TANGOLOMAN
    TANGOLOMA
    TANGOLOM
    TANGOLO
    TANGOL
    TANGO
    TANG
    TAN
    TA
    T
    E misturando, tirando umas do início, outras do fim... Nossa! Quanta palavra! Dá até para escolher algumas para fazer uma história maluca – quem sabe até sobre um comedor de letras –, e usá-las como nomes de personagens, lugares... e o que mais a imaginação inventar!

    E a matemática?

    Bom, o tangolomango, evidentemente, é também muito produtivo para certos conceitos e operações matemáticas. A contagem regressiva e a subtração sucessiva são aspectos que logo vêm a nossa mente. De subtração em subtração, as crianças podem ir fazendo o caminho decrescente dos dez primeiros algarismos, em situações diversas, bem divertidas. A contagem de um a dez (ou o que for) também está presente aí, quando for o caso de crianças menores. E os personagens podem ser desenhados, cada desenho enfileirado com cada quantidade e numeral, enfim, uma série de propostas relativas à contagem e comparação das quantidades. 

    Mas outros aspectos do pensamento lógico-matemático passeiam entre os tangolomangos, como a reversibilidade do pensamento, a seriação e classificação, operações que fazem parte da construção do número pelas crianças. E podem inspirar muitas situações problemas.

    A partir dos textos, o professor pode  ir provocando a reflexão e a contagem decrescente através de questionamentos: quantas eram as irmãs? O que aconteceu com a primeira? Quantas ficaram? O que aconteceu com a segunda? Quantas ficaram? Depois pode inventar outros problemas matemáticos orais como, por exemplo: eram dez irmãs, oito foram comprar biscoito, voltaram apenas cinco. Quantas tiveram tangolomangos no caminho? Esses problemas orais podem ser depois escritos pelo professor, digitados. Respondidos e ilustrados pelos alunos, pode virar um livrinho bem legal!

    Jogos
    Vários jogos que trazem os números de um a dez podem também ser propostos nesse clima de um a dez, dez a zero, de relações entre os números desse intervalo. Desde juntar o numeral escrito com quantidades de coisinhas, de objetos de uma coleção, começar com dez coisinhas e ir retirando uma a uma... ou ir jogando o dado e ir retirando (ou com fichas escrito  – 1 ou – 2)...

    Isso lembra um jogo que chama Tira e Põe, que as crianças jogam lá na escola em que trabalho. Cada criança joga com uma caixinha, cada caixinha com uma quantidade igual de grãos, sementes ou palitos; jogam em duplas e vão jogando o dado, ou dois dados somando as quantidades, no caso de dois dados, e retiram da caixa a quantidade indicada no dado (ou pela soma dos dados). Depois recolocam. Ganha quem primeiro reencher sua caixinha. A quantidade de grãos e o uso de um ou dois dados dependem do grupo em questão, das possibilidades das crianças. Para jogar em grupos maiores, de 4 ou 5 crianças, pode-se propor que cada criança derrube a quantidade de grãos (ou palitos, fichas, sementes...) de sua caixa numa caixa maior no meio da mesa (todos devem ter a mesma quantidade, tipo 10 ou 20) e sucessivamente joguem os dados e retirem da caixa grande a quantidade indicada pelo dado, colocando em sua própria caixa. Ao final da partida, quando todos os grãos da caixa do centro terminarem, cada um deve contar os grãos de suas caixas, os resultados marcados em uma tabela e, depois de verificar quem ganhou em 1º, 2º e 3º lugares (pela quantidade de grãos), o grupo deve combinar quantos grãos devem ir devolvendo para os outros para que, no fim, todos fiquem com a mesma quantidade de grãos em suas caixas novamente. Essa combinação precisa da intervenção do professor, para ajudá-los a decidir quantos grãos quem deverá dar para quem. É uma tarefa e tanto!!!

    Desse jogo pode-se partir para outro, chamado Dobradinha, mas nesse caso jogar uma Dobradinha simples. Cada jogador (jogo em duplas) com dez marcadores (palitos, grãos...) deve lançar o dado na sua vez ou cada um com um dado, lançam simultaneamente. O que tirar o menor valor deve dar ao colega a quantidade que representa a diferença entre os dados. Por exemplo, se no lance dos dados um jogador tira 6 e o outro 2, este deve dar quatro (6-2) de seus marcadores ao colega. Cada um joga uma vez. Quando os dez marcadores de um dos jogadores acabar, ele deve controlar as dívidas e devoluções anotando-as em um papel. O desafio é grande aí, pois as crianças passam a operar sem o material concreto, com a noção de número negativo, fazendo muitas contas de adição e subtração para isso. Cálculos mentais ou apoiados em seus registros. Mas é muito instigante e dá muita flexibilidade ao pensamento! O registro deles no papel deve ser livre, seja com a representação dos marcadores (desenhos de palitos ou bolinhas) ou com numerais mesmo. Dependendo da turma, dá para experimentar... Jogando bastante vão certamente aprimorando suas estratégias de cálculo e se dando conta de muitas coisas envolvidas nessas operações. Para os maiores, a ideia é sempre dobrar os dados, por isso Dobradinha (6 e 2 viram 12 e 4, e a diferença é 8 ou, pensando de outro jeito, 6-2 é 4, o dobro é 8!). O jogo pode se desenrolar até um tempo e, no final daquele tempo combinado, vence quem estiver com mais marcadores, sem dívidas. Pode ser também estipulado um valor máximo de dívida - como 10 - quando, então, o jogo acaba. O Dobradinha tradicional, para as crianças maiores, funciona do mesmo jeito, exatamente a mesma coisa, só que com maior número de marcadores e dobrando-se o dado (se tiro 6, conto 12, e meu colega tira 4, conta 8), aumentando o número de operações que devem fazer com os valores nos dados e de cálculos das dívidas, com valores maiores.

    Um jogo que muito combina com a ideia do tangolomango é o jogo proposto no Caderno de matemática 3 do PNAIC, "Construção do sistema de numeração decimal", o jogo Nunca Dez. É um jogo de trocas, em que cada jogador, a partir de lances de dados, vai juntando unidades de algum material (palitos, canudos, etc) e quando forma dez é preciso trocar por outro elemento que represente a dezena (palito maior, canudo de outra cor, etc). Esse é um jogo que joga-se muito lá na escola em que trabalhei a vida toda, na qual meu filho estuda, mas lá joga-se em diversas bases, não apenas na base 10. Chama-se Jogo do Troca, e joga-se em diversas variantes,  com diversos materiais, estruturado de diversas formas, umas variantes são mais  simples, outras mais complexas. O objetivo é que as crianças entendam o sistema de trocas que está na base do sistema numérico e façam muitos cálculos mentais. Joga-se com a base 5, 6, 10, enfim, variando as bases. O Jogo do Troca merece um post só para ele, prometo fazer futuramente.


    Outro joguinho, mais simples que o Dobradinha, joga-se com dois dados, que podem ser os tradicionais com as bolinhas indicando o número ou com o numeral mesmo indicado nas faces. É um jogo sem competição, cada um joga os dois dados de vez e efetua somas, subtrações e até multiplicações, no sentido de pensar nas somas sucessivas (duas vezes cinco, quer dizer contar duas vezes o cinco, que dá dez, cinco mais cinco). Dá até para fazer divisões simples, especialmente por dois (6 dividido por duas pessoas, 3). O desafio é propor uma conta. O jogo vale por si só, não precisa anotar as contas em linguagem matemática ainda.

    Um jogo legal também é o Jogo das Somas, com um tabuleiro simples de nove quadrados dispostos como na foto indicada e fichas com os números de 1 a 9. As fichas com os números de 1 a 9 devem ser colocadas nas casas de modo que cada número da fila superior seja a soma dos números da fila debaixo daquela em que se apoia. É um desafio e tanto, além das somas que precisam ser feitas!


    Já no Jogo dos Doze, a ideia é fazer somas até 12 utilizando-se de dois dados, um tabuleiro com numerais de 2 a 12 e marcadores de duas cores ou tipos diferentes (fichas, pinos, grãos ou sementes diferentes). Joga-se em duplas. Cada jogador escolhe seu tipo ou cor de marcador e guarda para si. Cada um na sua vez, os jogadores jogam os dois dados e somam os números indicados nas faces. O jogador coloca no tabuleiro um de seus marcadores em cima do numeral que representa o número obtido dessa soma. Se a soma dos dados for 4 (3 + 1), por exemplo, o marcador deve ser colocado em cima do numeral 4 no tabuleiro. E assim passa-se ao outro jogador. Quando os valores estão mais baixos, pode-se optar por lançar apenas um dado. 

    Quando a soma der como resultado um mesmo número que já havia sido marcado no tabuleiro, seja pelo próprio jogador ou por seu adversário, o jogador deverá passar a sua vez. Pode combinar várias opções para descobrir o vencedor. Pode ser aquele que marcar mais casas, mas pode também ser aquele que conseguir primeiro alinhar três de seus marcadores na horizontal, na vertical ou na diagonal. Em ambos os casos o que determina quem vence é a sorte (do lance dos dados ou do alinhamento de marcadores), não a possibilidade de fazerem suas somas. Jogando, vão perceber que várias combinações permitem que se chegue a um mesmo resultado, como para chegar em 6, pode ser 5 + 1, 4 + 2, 3 + 3. Joaquim adora esse jogo e descobre muitas coisas. Já sabe que para ter doze, com o lance dos dados, a única possibilidade é 6 + 6, "porque não tem no dado 10, para ser 10 + 2, né, mãe?"...Já sabe que para obter 2 pode jogar com um dado só, mas pode também jogar dois e cair 1 + 1... Já está percebendo que para um mesmo resultado há várias possibilidades de soma...Já está começando a perceber que qualquer número mais um dá sempre o número seguinte na série numérica... Enfim, lá vai ele, passando da contagem nos dedos ao cálculo mental e à familiaridade com as somas até 12... Ah, de início é bom jogar com dados tradicionais, em que podem visualizar bem as quantidades, mas depois podem ser introduzidos dados com os algarismos escritos nas faces, aumentando mais o desafio. 

    Perfeito para perceberem que várias somas diferentes podem chegar a um mesmo resultado é também o famoso jogo Feche a Caixa, que trabalha estratégia e essa ideia de várias formas de se chegar a um mesmo resultado, com muito cálculo mental! Esse jogo já existe industrializado, mas é bem simples de fazer com papel mesmo, a exemplo desse da foto. 


    Joga-se com a sequência de numerais de 1 a 9 e dois dados. Os jogadores devem lançar os dois dados ao mesmo tempo e somar suas faces. O jogador deve então procurar um meio de marcar uma ou duas fichas/numerais que deem a soma dos dados. Por exemplo, se ele tirar 4 nos dois dados, dá 8, se a caixa do oito já estiver fechada, deve procurar outro meio de marcar 8, fechando duas casas. Mas não há dois 4 na sequência, então ele pode marcar o 5 e o 3 ou o 7 e o 1. Se tirar 7 e 1 nos dados, mas o 7 já estiver fechado, então tem que procurar outro meio para chegar a 8, como fazer 6 + 2, por exemplo. Fechar a caixa significa eliminar  um ou os dois numerais escolhidos da sequência (no tabuleiro mais elaborado, abaixa-se a lingueta com os numerais eliminados, no de papel, pode simplesmente baixá-lo, prender, de modo a não ficar mais visível). O mesmo jogador continua jogando os dados enquanto for possível usar a soma dos dois para fechar caixas - uma ou duas. Ah, e uma vez fechadas as casas 7, 8 e 9, passa-se a lançar somente um dado e a cobrir o numeral que ele indica. O jogo segue até que não seja mais possível avançar, fechar casas (ou caixas, como se diz no jogo)... Assim, sua vez acaba se você não puder mais fechar uma ou duas caixas. Cada jogador, ao terminar sua jogada, deve registrar a soma das caixas que não foram fechadas, que representa os pontos perdidos, passando a vez ao adversário. Isso aos poucos vai indicar a estratégia de fazer as somas utilizando-se, quando possível, as casas mais altas, para somar menos pontos negativos. Após a contagem dos pontos negativos (caixas que não foram fechadas), passa-se então o tabuleiro para o outro jogador (se for tabuleiro de papel, ele poderá ter o dele). Quem atingir primeiro 45 pontos negativos, em várias jogadas, perde o jogo. Pode também começar o jogo cada jogador com 45 pontos e esses irem diminuindo.

    Veja aqui uma versão das regras e até uma ficha pronta para imprimir, se quiser. Mas na internet tem várias opções, pesquise! Na Nova Escola tem uma versão para jogar on-line,  muito bacana, confira aqui. Você pode jogar com um amigo ou jogar sozinho com dois nomes diferentes e ver qual ganha.

    Bom, se seu grupo já reconhece a linguagem matemática das sentenças de somas e subtrações, pode ser proposto também um Bingo de Contas, colocando-se nas cartelas várias contas de adição e subtração. Na mesa deve haver fichas com as respostas a essas contas (cada resultado deve aparecer nas fichas quantas vezes ele aparece nas contas de todas as cartelas, por exemplo, se houver sete contas espalhadas nas cartelas diferentes cujo resultado é 6, devem haver sete fichas com o numeral 6, além do 6 do conjunto que será usado exclusivamente para cantar os números). O professor canta um dos resultados e cada jogador deve então procurar essas fichas quando em sua cartela houver uma conta que dê o resultado cantado pelo professor. Por exemplo, o professoro canta 6, se o jogador tiver em sua cartela alguma dessas contas: 5+1, 6+0, 3+3, 4+2, ou 7-1, 8-2..., ele deve marcar com a ficha indicando o numeral 6.  O jogo acontece como um bingo comum, quem preencher a cartela deve gritar Bingo! Cuidado ao preparar as cartelas para não colocar mais de uma conta com o mesmo resultado em uma mesma cartela, privilegiando o jogador que a tiver. Pode-se jogar em duplas, cada dupla com uma cartela, um ajudando o outro. Também aqui nesse jogo, além do cálculo mental, fica bem observável que operações diferentes podem chegar a um mesmo resultado.


    Bom, como esses, há muitos outros joguinhos, bem interessantes, inspirados na brincadeira com os números de um a dez ou dez ou nove a zero... Mas acho que por ora já dei bastante dicas, não é? Minha gente, antes de gostar de leitura e escrita eu era louca – e sou ainda – por Matemática. Mas por essa Matemática gostosa! Cuido dessa área também na escola e lá o jogo é um dos pilares do trabalho com a Matemática. Esses foram apenas alguns, possíveis para as crianças nessa fase de início das operações e das aventuras com números e letras...

    E ainda a linguagem...
    Por fim, e voltando à linguagem, que tal experimentar fazer um tangolomango com as crianças? Pensar nos personagens, em rimas inusitadas com os numerais, nas situações que resultarão no desaparecimento sucessivo dos personagens, na estrutura das estrofes e versos... e no modo, se for o caso, que a situação vai se inverter e todo mundo voltar ou seja lá que fim vocês quiserem! Inventar coletivamente pode ser bem divertido. Vão escrevendo, no quadro ou no caderno, acolhendo sugestões das crianças, ajustando as estrofes à medida que o texto segue... enfim, uma atividade de produção textual, em um gênero com regras bem próprias (ritmo, rimas, versos), mas também com várias coisas a inventar! Para os que já escrevem, e dependendo da turma, talvez seja legal tentarem também em duplas ou em pequenos grupos.

    Para inspirar, vejam um tangolomango inventado por Rosana Pamplona é o “Tangolomango das Bruxas”, que saiu na Revista Crescer. Veja abaixo! Algumas rimas são iguais à que aparecem frequentemente, como oito/biscoito, inglês/seis... outras são mais inusitadas...

    TANGOLOMANGO DAS BRUXAS 

    UMA BRUXA MUITO VELHA
    TINHA UMA FILHARADA 
    ERAM DEZ BRUXAS BEM FEIAS 
    SÓ FAZIAM TRAPALHADA!

    DAS DEZ FILHAS DA VELHA BRUXA 
    UMA DELAS ERA ESNOBE 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM NOVE! 

    DAS NOVE QUE FICARAM 
    UMA ROUBAVA BISCOITO 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM... OITO! 

    DAS OITO QUE FICARAM 
    UMA PEGOU O CANIVETE 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM... SETE! 

    DAS SETE QUE FICARAM
    UMA XINGAVA EM INGLÊS 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM... SEIS! 

    DAS SEIS QUE FICARAM 
    UMA SE TRANCOU COM TRINCO 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM... CINCO! 

    DAS CINCO QUE FICARAM 
    UMA FEZ CAIR O PRATO 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM... QUATRO! 

    DAS QUATRO QUE FICARAM 
    UMA FOI PARA O XADREZ 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM...TRÊS! 

    DAS TRÊS QUE FICARAM 
    UMA CORREU NO MEIO DAS RUAS 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E SÓ FICARAM DUAS! 

    DAS DUAS QUE FICARAM 
    UMA MERGULHOU NA ESPUMA 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E DAS DUAS FICOU UMA! 

    A ÚLTIMA QUE FICOU
    JÁ NÃO VALIA MAIS NADA 
    DEU O TANGOLOMANGO NELA 
    E ACABOU-SE A BRUXARADA! 


    Outro inventado, que já indiquei, mas indico de novo, é o de Ângela Lago, o Tangolomango dos ETs. Para quem não viu, é aqui

    Vejam um exemplo de texto enumerativo decrescente inventado pelas crianças: 


    Bom, minha gente, é isso aí... Acho que agora posso dar um tangolomango por um tempo, para terminar minha Tese, né? Não estou devendo mais esse post tão prometido e posso agora dar um tempinho. Espero que aproveitem bem!

    Beijos, fui!
    Lica