Antecede esse texto a parte da Introdução, já postada.
Discutir
sobre o abecê nordestino no contexto da alfabetização, requer tanto uma abordagem
de cunho cultural, quanto linguística e pedagógica. Nessa primeira parte
busca-se contextualizar a questão da nomeação das letras nesse abecê, esboçando
o posicionamento quanto ao lugar do aprendizado das letras na apropriação da
escrita alfabética, bem como introduzir as questões culturais e linguísticas que
envolvem os usos e o ensino do abecê nordestino, apresentando, em especial, o
argumento sociolinguístico que perpassa a problemática posta nesse estudo.
No post aqui no blog, irei apenas trazer
notícias do que será discutido nessa parte, no estudo que será publicado em
breve, tanto devido ao tamanho do texto, quanto para manter a surpresa.
a. Letras...seus nomes, seus sons, seus
traçados...
Nessa
parte, vamos discutir sobre o lugar das letras na alfabetização. Entre perspectivas
que negligenciam a aprendizagem das letras, pois enfatizam que a alfabetização
se dá na imersão nas práticas letradas, e, no outro extremo, a perspectiva que
aborda o ensino das letras, seus traçados, seus nomes e/ou seus sons, de forma
mecânica e descontextualizada das práticas de leitura e escrita, é preciso, e
possível, achar um caminho outro que não essa oscilação entre extremos. Aprender
os elementos da notação alfabética também faz parte das aprendizagens relativas
à cultura escrita e aprender as letras não se resume a aprender uma lista de
caracteres. As letras são os caracteres da escrita! Caracteres de um sistema complexo. As
crianças que convivem com a cultura escrita, desde bem pequenas, sabem disso,
podem saber disso, querem saber. Elas têm contato com letras de diversos tipos,
traçados, presentes em diversos materiais, em diferentes situações
socioculturais, apresentando, desde cedo, um interesse crescente por essas marcas gráficas, principalmente aquelas letras presentes em seus nomes próprios, de seus
familiares e colegas.
Exemplo de atividade mecânica tradicional.
Para superar
práticas de alfabetização que se construíram operando um apagamento das
práticas de leitura e escrita, que investiam na cantilena do alfabeto inteiro, na
grafia de letras individualizadas, descontextualizadas, na soletração de letras
e/ou na junção delas em sílabas soltas, foi preciso radicalizar, tivemos que
nos armar contra isso, que era igualmente maltratar os caracteres da escrita
alfabética. Mas será que, para defendermos as perspectivas com foco nos textos
e discursos, é necessário nos armar contra as letras em si mesmas e seu
aprendizado, operando igualmente um apagamento dos aspectos linguísticos da
notação alfabética? É preciso aprender as letras, claro! Aprender a
reconhecê-las e grafá-las, aprender seus nomes, para podermos nos referir a
elas e ir aprendendo as relações com seus “sons”,– são aspectos que fazem parte
das aprendizagens linguísticas e da metalinguagem envolvida no aspecto
notacional da linguagem escrita.
Aprender
os nomes das letras, discutiremos mais adiante, é importante também porque os
nomes dão pistas de seus “sons”, no caminho de apropriação da notação
alfabética.
Os
estudos históricos e linguísticos de Cagliari e Massini-Cagliari (1999) nos
ensinam sobre a constituição e a beleza do alfabeto, suas possibilidades e
limites, sobre a configuração gráfica e funcional das letras e a relação entre
essa configuração gráfica e a configuração funcional, na alfabetização, bem como nos ensinam sobre o princípio
acrofônico (CAGLIARI, 2009a, 2009b), que usamos para decifrar os valores
sonoros das letras, e sobre o qual falaremos muito aqui ainda. Com Cagliari (2009a, 2009b, 2011) aprendemos
tantas coisas interessantes sobre as letras e o alfabeto, através dos tempos e
espaços, na história da constituição dos sistemas de escrita pela humanidade. Essa
história mostra a importância das letras na constituição histórico-social da
escrita, do sistema alfabético, e em sua aprendizagem pelos sujeitos. É a essa
potência que nos referimos aqui ao falar das letras.
As
letras não negam os textos! Elas são os seus tijolos. Assim, reafirmo as letras
e a sua aprendizagem como aspectos importantes no campo da alfabetização,
marcas que interessam às crianças – mesmo às pequenas, quando convivem com a
escrita no dia a dia. Trata-se de um conhecimento que é social, que precisa ser
ensinado às crianças, no contexto da apropriação da cultura escrita.
Bom,
mas essa história toda sobre letras é, também, para justificar a conversa sobre
o alfabeto nordestino – ou do abecê do
sertão, como dizem. Ao menos, por ora, por isso. Ou seja,uma conversa sobre o
jeito de chamar as letras, atribuído ao falar do Nordeste, do sertão. E vamos
então ao abecê nordestino.
b. O abecê nordestino
O jeito
de falar as letras no Nordeste é referido, muitas vezes, como uma variedade
linguística do nordestino, outras vezes como vício de linguagem, curiosidade
exótica, às vezes com uma tolerância regional quase romântica, outras vezes
sendo alvo de chacota e preconceito, como vimos aqui. Como nos ensina Maurizzio Gnerre (1985, p.
4)“[...] uma variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus
falantes, isto é, como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas
relações econômicas e sociais”, e nesse quesito, o preconceito com o Nordeste
extrapola as questões linguísticas, o preconceito linguístico é, pois, antes de
tudo um preconceito social. Em vez de tomar todas as formas como variações, um
modo de falar, nessa perspectiva, é visto em comparação com uma forma tomada
como a correta – que o é por razões históricas, políticas, sociais, não
propriamente linguísticas. Como nos lembra Bagno (2002a, p. 180), Fontes,
referindo-se ao português do Brasil em relação ao lusitano, já denunciava, em 1945, que o “desprezo de
nossa língua anda sempre irmanado ao descaso por tudo o que ela representa: a
gente e a terra do Brasil”. O mesmo se dá entre os falares, as gentes e as
terras de diferentes regiões do Brasil.
Como
pano de fundo sociocultural em que a questão do abecê nordestino está ancorada,
e fazendo coro com o campo científico de estudos sobre as variedades
linguísticas e sobre o preconceito social envolvido nessas questões, trago aqui
a voz de Marcos Bagno, no prefácio do Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro,
que diz que, apesar de todo o avanço científico na área da linguística,
especialmente da sociolinguística, continua circulando na sociedade concepções
de língua falada e escrita que são arcaicas. O autor, de certo modo, ressalta o
papel da mídia brasileira, que não parece estar interessada em dar um
tratamento científico aos fenômenos de linguagem, tratando do tema a partir de
caricaturas dos falares regionais. Diz Bagno (apud NAVARRO, 2004, p. 12): “Em
suas manifestações sobre a língua, a mídia brasileira perpetua uma série de
crenças infundadas, baseadas numa visão estreitamente normativista e
estereotipada dos conceitos de ‘língua certa’ e ‘língua errada’” que “ajudam a
preservar e a nutrir um tipo de preconceito profundamente arraigado na nossa
cultura, o preconceito linguístico, fator de exclusão social”.
Dialogando
com essa perspectiva de fundo – mas não apenas essa – é que vou me debruçar
aqui sobre o abecê do nordeste, ou seja, o jeito de nomear as letras fê, guê,
ji, lê, mê, nê, rê, si. Lembro, inclusive – como já postei aqui numa das
provocações que iniciaram essa discussão – que essas formas estão registradas
em dicionário (Houaiss, Aurélio e outros) e indica-se outras possíveis designações
no Acordo Ortográfico de 1990, reiterado em 2009. O argumento – tal qual ouvi
ou li aqui e ali – de que esse abecê “oficial” seria o certo porque “está na
gramática”, nas normas para a língua, não tem lastro nos estudos
sociolinguísticos e nem mesmo nesses documentos descritivos ou normativos. Para
nós, da área de linguagem, não há nenhuma dúvida de que gramática não é
sinônimo de língua – que é muito mais ampla e apresenta variações – para o
senso comum, no entanto, esse poderia ainda se constituir em um argumento para
defender o alfabeto “oficial” como o correto e basear posicionamentos
preconceituosos. Vemos no entanto, que nem isso se sustenta. Precisamos, pois,
sair de uma posição de preconceito ou de ingenuidade, e estabelecer uma
discussão realmente frutífera e esclarecida sobre o tema.
E para
dar início a essa discussão esclarecida, começaremos pelos artistas nordestinos
da palavra, representantes da voz da cultura popular em articulações com a
cultura em geral, que muito nos ensinam nesse sentido. Luiz Gonzaga, em seu “ABC
do sertão” (composta com Zé Dantas), é quem nos dá a notícia mais certeira do
jeito de falar o alfabeto no sertão nordestino. Assim também é o cordel “A
letra é rê e não erre”, do baiano Noédson Valois, o Nonói contador de “causos”,
menos conhecido, que afirma esse abecê, defendendo-o melhor do que nós – estudiosos
do campo da linguagem – poderíamos fazê-lo.
A
canção contribuiu muito para divulgar essa prática do ensino do alfabeto,
inclusive, fora do Nordeste do Brasil, mas, a despeito disso, como vimos na
quinta provocação sobre o abecê nordestino, postado aqui no blog, há quem
consiga até mesmo criticar a canção, sob o argumento de que “assassina a língua
portuguesa”, ou que Gonzagão era analfabeto e por isso não conhecia os “fonemas”,
dentre outras pérolas, que vocês podem ver aqui. Note-se, entretanto, que, de
algum modo, o uso desse abecê aparece na canção como algo escolar: “pros
caboclo ler, têm que aprender outro abecê”, “na escola é engraçado...”. Se Lua
fala do sertão por contraste, como alguém que se encontra num entre-lugar, do
qual pode ver a diferença, pode julgar “engraçado”, quase assumindo – digamos
assim – certa comicidade ou atraso na situação. Ou seja, fala para uns e para
outros, então.
Nonói,
por sua vez, é mais explícito no seu jogo de contrastes, argumenta e
contra-argumenta sem dó. Falar erre, esse, ele... seria, para ele, uma inovação
sem necessidade, o abecê “oficial” seria uma espécie de “remendo”. E, para
isso, brinca com as palavras: “a letra é rê e não erre!” Com Nonói, não vamos
errar!
CD
Bahia Singular e Plural (IRDEB, 2000) – Vol. V (faixa 6)
Ouvir aqui:
No caso
desse cordel, a afirmação do uso do abecê aparece para além da escola, para
além do momento do ensino da leitura – “é assim que a gente lê” –, embora,
evidentemente, relacione-se também com o contexto escolar.
Essa pérola de Nonói
foi José Rêgo que me mostrou, e faz parte, igualmente, do repertório da
Canastra Real, junto com o “ABC do sertão”.
Antes
de seguir, quero não deixar dúvidas a respeito do lugar do qual eu mesma falo –
sou nordestina e o alfabeto que aprendi, aos 5 ou 6 anos, era nordestino... (e
eu não era do sertão, mas de Salvador mesmo). Falo desse lugar... Então,
sigamos.
Já vi
atribuírem o uso desse alfabeto no sertão ao fato de os professores, nesse
contexto, serem, em grande parte, professores leigos, antes das instituições e
dos programas de formação chegarem aos municípios mais distantes dos centros
urbanos. Ora, podemos nos perguntar: por serem leigos, não tiveram acesso ao conhecimento
“correto” do nome das letras ou, por estarem longe do discurso oficial, estavam
menos sujeitos à “colonização” desse modo de falar, à hegemonia dos modos de
ser da linguagem falada nas regiões sul e sudeste? Será que ele era usado só no
sertão mesmo? Sou moça da alfabetizada no início dos anos 70, na capital, zona
urbana litorânea, minha professora era formada, e só vim conhecer o efe, gê, jota,
ele, eme, ene, erre, esse quando bem maior que isso! Até hoje oscilo entre um e
outro...e pronuncio, sem pensar nem pestanejar, normalmente, as letras
“nordestinas”. O alfabeto sai, de mim, mais rápido e natural assim... E então, mesmo
considerando que não é tão simples discernir o alcance daquilo que venha a ser “sertão”,
se no Brasil o conceito é, geralmente, associado ao interior, bem como à
aridez, ao atraso, à miséria, ao iletrado, de falar chulo, e, mais
objetivamente, no sentido geográfico, considerado uma subárea ou sub-região que
envolve vários Estados – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio
Grande do Norte e Sergipe – podemos, então, questionar que seja só do sertão
mesmo, ainda que reconheçamos sua forte identidade sertaneja – quem somos nós
para negar Seu Lua, não é? Mas, então, por que esse alfabeto ficou sendo no
Nordeste? Porque ficou sendo do sertão? É do Nordeste ou é do sertão? E é só do
Nordeste? Por que será que permaneceu mais forte na Bahia? Por que será que na
Bahia não é só no sertão que “se ouve tanto ê”, diferente de outras capitais
que estão, efetivamente, na sub-região do sertão, mas já o “esqueceram”? Será
que no processo de “invenção” do Nordeste, tal qual discute Albuquerque Jr.
(2009), toda a região Nordeste ganhou um caráter sertanejo e por isso, caberia
falar de abecê do sertão, mesmo havendo uso na capital, ao menos na Bahia? E mais...
quem determinou o alfabeto “correto”? De onde surgiu o efe, e de onde surgiu o fê?
O gê, o guê, o jota, o ji?... Qual as raízes de cada um deles?
Essas
são questões que precisamos colocar, mesmo que algumas, não consigamos
responder. Para tentar compreender alguns desses aspectos, ou ao menos buscar
mais indícios e trazer a complexidade da questão à mostra, se faz necessário
mergulhar em um campo complexo de informações históricas, que envolvem ora a
história da escrita, da constituição do alfabeto,ora a história dos métodos de
alfabetização no Brasil. E ainda tem a cultura do Nordeste...São muitos
aspectos a considerar.
Um
argumento de base nessa questão é o argumento das variedades linguísticas e
suas relações com questões de ordem cultural e sociopolítica. Entretanto, mesmo
se tomarmos a questão do abecê pelo viés da variação linguística regional, com
todo o respaldo sociolinguístico e cultural para validá-lo, ainda me parece
faltar uma discussão mais ampla sobre ouso desses dois tipos de alfabeto, suas
origens, seus usos, suas funcionalidades. Assim, é pertinente situar a
problemática e trazer alguns aspectos para continuarmos a pensar sobre isso, fundamentando
nossa defesa do alfabeto que usávamos e ainda usamos, em alguma medida, no
Nordeste, e buscando um posicionamento mais potente diante desse uso. Embora
não seja uma pesquisa fácil de ser feita, e se ache pouca coisa sistematizada
sobre o tema, quero levantar ao menos alguns aspectos que possam, porventura,
contribuir nesse sentido. E não apenas para os nordestinos! Trata-se de uma
herança cultural brasileira e da história da alfabetização no Brasil!
Nisso,
saber como, historicamente, se chegou a essas duas formas de designar certas
letras – o fê, guê, ji, lê, mê, nê, rê, si e o efe, gê, jota, ele, eme, ene,
erre e esse – ajuda bastante a situar a questão de outro modo. Quem traz alguma
informação sobre isso, desde a constituição de nosso alfabeto latino, é o
linguista Luiz Carlos Cagliari, ao tratar da origem do alfabeto na história da
escrita (Parte 2). Cagliari é quem nos ajuda a desmistificar, em primeiro
lugar, isso de que uma forma seja mais correta que a outra (2009a), mostrando
as origens remotas de ambas as formas do alfabeto.
Nada
mais pertinente para combater o preconceito linguístico e o tom jocoso do
preconceito social, imbricado naquele, do que passear um pouco pela
historicidade dos fenômenos. Não para criar disputas, justificar-se, mas para
reposicionarmos a questão em outros termos. É sobre isso que falaremos na parte
2, no próximo post. Aqui!
Que maravilha...
ResponderExcluirJá era tempo de se falar mais disso.
Acompanhando aqui.
Line
E não é, Line?! Já era tempo mesmo... ao menos no sentido linguístico, pouco se vê discutir sobre isso, apenas no sentido cultural, vemos algumas manifestações aqui e ali.
ExcluirSerá que é porque as letras parecem ser algo menor no ensino da língua escrita?
Muito obrigada por comentar,
Sds,
Lica
Realmente, um tema do qual pouco se fala de forma aprofundada, embora muito se critique no Sudeste, pouco se conheça no resto do Brasil e muito se defenda aqui na Bahia, mas sem saber todas essas coisas.
ResponderExcluirParabéns por esse estudo, muito bem vindo.
Adorei e estou acompanhando cada postagem.
Abraço,
Jacira P.
Salvador/BA
Exatamente, Jacira...se critica sem fundamento, se defende sem tanto conhecimento de causa. O argumento cultural e sociolinguístico é fundamental, contribui para reconhecermos nosso abecê como um modo nosso de nomear as letras. Mas para combater o preconceito, precisamos ir um pouquinho além, abordando o aspecto mais linguístico mesmo. É isso que eu quero fazer, para contribuir com o debate e com uma defesa mais consistente do nosso lindo abecê.
ExcluirAbraço e obrigada,
Lica
Como bem diz o texto, é necessário pensarmos o quanto esse preconceito linguístico está diretamente imbricado com a xenofobia e outros preconceitos. Boaventura de Sousa Santos fala sobre o pensamento abissal, pensamento esse que cria uma dicotomia de pensamentos e ações: certo/errado, bem/mal, bonito/feio, legal/ilegal, ciência/senso comum, cultura/natureza. Entre todas essas dicotomias, uma sempre é hegemônica e produz o silenciamento e a destruição da outra. Negar o outro é um instrumento eficaz de dominá-lo. Nessa dicotomia Sul/Nordeste, o lado hegemônico é sul que, através da língua, nega e violenta um norte/nordeste constituído por uma herança negra, indígena e pobre.
ResponderExcluirMarcos Bagno defende a ideia de que não existem erros de português, tendo em vista que um falante nativo da língua conhece a sua estrutura fundante. O que ocorre são "erros" ortográficos(coloco a palavra entre aspas, porque o conceito de certo e errado pode ser questionado).
Retornando à Boaventura, acredito que devemos defender uma ecologia dos saberes, onde tanto o ABC da gramática normativa, quanto o Abecê falado no Nordeste deva ser respeitados, ensinado às nossas crianças que o uso de um ou de outro irá variar de acordo com algumas situações, mas que um não está acima do outro.
Wesley Conceição - EDCB85
Isso mesmo, Wesley.
ExcluirMuito boa reflexão!
Todos os brasileiros deveriam aprender que há dois alfabetos em uso no Brasil, pois, historicamente é isso e não há nada de complicado nisso. A complicação vem, justamente, dessas outras forças que você bem coloca.
E precisam aprender não só por fazer parte de nossa cultura brasileira, mas também porque há mobilidade das pessoas entre as regiões e o desconhecimento pode, sempre, gerar situações de constrangimento, para qualquer um que use o abecê que for, mas, principalmente, por quem usa o que não é hegemônico.
Como sabemos, no entanto, o conhecimento, embora importante, não é suficiente para zerar o preconceito, de qualquer ordem.
Já temos tantas referências para desconstruir a questão do preconceito linguístico, como do cultural, racial, etc, entretanto, ainda temos que testemunhá-lo, e muito. Mas continuemos nossas lutas!
Olá Professora Liane e colegas da turma EDCB85,
ResponderExcluirDiversas possibilidades na alfabetização podem ser encontradas pelos sujeitos em aprendizagem, afinal a língua é uma matéria viva, que está em constante movimento e transformação. Através do texto escrito pela professora e, também, com as colocações do colega Wesley, observo que são fundamentais atentarmos, que não há uma hierarquia na construção de linguagem sobre o mundo — apesar do preconceito social ainda existir no Brasil, falta de "letramento" sobre a diversidade da formação brasileira de alguns.
O abecedário do sertão nordestino assim como a alfabetização pela norma culta do português podem e devem se relacionar nos momentos de aprendizagem alfabética nas escolas, podendo ser uma possibilidade de dirimir o preconceito linguístico . Posto que os elementos linguísticos presentes no processo de alfabetização não se dissociam das questões culturais e sociais dos sujeitos.
O Brasil, em sua dimensão continental. é fruto de uma mistura de diversos povos do mundo. O país é dos tupis-guaranis, afro-brasileiros, europeus quando hoje dos orientais. O povo brasileiro representa a diversidade linguística, que quando for apropriada na educação, seja na modalidade básica do Fundamental ou da EJA, pode constituir formas diversas e criativas para a alfabetização e o letramento.
A escola não é lugar para se reproduzir preconceitos linguísticos, mas do reconhecimento de uma variedade linguística e do ensino da variedade culta, conforme critica Magda Soares no livro "Linguagem e Escola uma perspectiva social"(1991, p.78):
"Um ensino de língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre a escola e a sociedade, o direito que têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de prestígio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais".
Olá, Carlos!
ExcluirPois é, é bem assim como você diz: "os elementos linguísticos presentes no processo de alfabetização não se dissociam das questões culturais e sociais dos sujeitos". Enquanto o processo de alfabetização for tomado como um aspecto meramente técnico, estaremos dissociando o que é inerentemente indissociável. E sim, com certeza tem modos de abordar os aspectos linguísticos da alfabetização de forma viva, cultural, política, constituindo, como você diz "formas diversas e criativas para a alfabetização e o letramento".
Te convido a ler mais sobre o tema em outros posts do blog, para ver que, além da questão das variações linguísticas, o preconceito com o abecê nordestino implica em desconhecimentos de sua origem e de sua legitimidade social, cultural e linguística, para além de ser uma variedade nordestina.
Sds,
Liane
Lendo o texto me dei conta que sempre usei o abecê nordestino sem saber. Através do seu texto Liane pude conhecer o cordelista Noédson Valois, o Nonói e refletir um pouco mais sobre a colonização linguística, compreendendo que a língua ela não é neutra e sim carregada de história(s) e identidade que devem ser preservadas. Nós enquanto educadoras e pertencente a essa cultura temos uma responsabilidade grande em relação a desnaturalização da língua hegemônica e propagação de outros formas de uso da língua. Achei super importante você pontuar seu local de fala. Agora vou seguir para a próxima parte para matar a minha curiosidade. EDCB85
ResponderExcluirAna Paula Gomes
Oi, Ana Paula!
ExcluirQue bom que você ficou animada e curiosa de ler mais sobre o tema.
E é isso mesmo, nós temos uma responsabilidade grande nisso, pois, ao contrário, podemos também ceifar sujeitos de linguagem com o preconceito e o desconhecimento.
Referir-se a lugar de fala está em voga hoje em dia, mas faz muito tempo que os estudiosos da linguagem, da análise do discurso, apontam essa questão de que os discursos sempre são proferidos de algum lugar. As condições de produção dos discursos, de onde se diz o que se diz, influenciam de forma inerente o próprio dito.
É um pouco o que diz também aquela tirinha do Hagar sobre os navegantes e não-navegantes que vimos na aula.
E, evidentemente, nesse assunto, falo como nordestina, orgulhosa de sê-lo.
Abraço,
Liane
Nasci no sertão de Santaluz, terra do sisal, e aprendi através do abcedário nordestino. Luiz Gonzaga esteve sempre presente com suas músicas, a cultura do cangaço e suas histórias. Milhares de crianças nordestinas, assim como eu, usaram e usam o ABC do sertão que tem dado muitas contribuições à alfabetização, pois as crianças se beneficiam muito do nome das letras para ler e escrever. O que a sabedoria nordestina já sabia há muito tempo é que as crianças usam o nome das letras como pistas fonológicas para escrever. Muito mais fácil, portanto, usar FÊ, LÊ, MÊ, RÊ, do que Efê, elê, emê. Devemos refletir sobre a nossa diversidade cultural para combater preconceitos. E o ABC do sertão nos inspira de forma bela e acolhedora.
ResponderExcluirJoston Darwin
Pois é, Joston!
ExcluirTem isso também. Para nós, que aprendemos com ele, há uma memória afetiva grande em torno desse uso.
É triste vê-lo sofrer as chacotas que sofre, não é?
Mas podemos ter altivez, nosso abecê é muito rico culturalmente e muito válido linguisticamente!
Liane
EDCB85, faltou indicar, Joston.
ExcluirO bom disso tudo é saber que existem profissionais como o linguista Caligari que nos mostra que não existe o certo e/ou errado em relação ao alfabeto como demonstra em seus estudos sobre a origem do alfabeto na história! Eu completaria dizendo como falta a sensibilidade e estudo por parte de profissionais da área ao tratar com preconceito ao aluno que trás em sua bagagem a alfabetização "do interior"e por não falar "corretamente"o "português"! Vera Mota
ResponderExcluirMas a culpa não é bem dos professores, toda a sociedade tem essa ideia de que o outro alfabeto é correto e esse um desvio, ainda que o usem e até gostem dele. E há muito pouco estudo sobre isso para apoiar o professor nessa defesa. É justamente por isso que acho esse estudo, e a pesquisa empírica que vem junto, importantes para mudar essas representações junto aos professores (ao menos eles).
ExcluirVeja o post intitulado "Quinta provocação sobre o abecê nordestino"...
Liane
EDC B85 - 2018.1
Essa discussão é interessantíssima! Devorei esse texto já com vontade de ler os próximos. Acredito que seria de grande contribuição social a popularização dessa discussão, ao menos para desconstruir no senso comum a ideia de que o "alfabeto nordestino" é sinônimo de atraso ou, como citado no texto, fruto de educação fornecida por leigos, bem como toda a variedade linguística do nordeste. Acredito que os ideais preconceituosos do senso comum com relação a este assunto é, em grande parte, devido à falta de conhecimento do outro lado da história. A mídia seria um eficiente veículo de popularização de informação, mas sabemos que ela utiliza todos os seus recursos e influência para alienar e reproduzir/cristalizar preconceitos. A iniciativa do blog, entretanto, já um caminho. Já estou indicando aos amigos!
ResponderExcluirEmanuela Galdino, EDCB85 - 2018.1
Que ótimo, Emanuela!
ExcluirVamos divulgar, vamos reaquecer a defesa de seu uso, ensiná-los às nossas crianças! Vocês são ou serão professores em breve, têm um papel fundamental nessa divulgação!
Cá do meu lado, digo que esse estudo terá uma publicação em breve, a pesquisa também será divulgada em eventos e, quem sabe, em algum momento ganhe espaço na mídia...
Você viu o filme que foi feito sobre o assunto? Postei aqui, veja aí.
Abraço
Vivendo em um país continental como o Brasil, trazer a temática das variações linguísticas para a escola é primordial! Me lembro bem na minha infância a minha professora do fundamental corrigindo o nosso alfabeto nordestino... É com leitura e muito estudo que vamos nos libertando dos preconceitos que o nosso povo (principalmente norte-nordeste) tanto sofre. Ótimo texto, muito bem explicativo!
ResponderExcluirGabriela Chagas, EDCB85 - 2018.1
Pois é, Gabriela!
ExcluirLeia os outros posts...tem ainda mais outro tanto de argumentos para ajudar a gente a combater esse preconceito.
Abraço
Lendo as postagens sobre as sua inquietações sobre correlação aos "mistérios" que envolvem a ABC Nordestino também passei a me questionar sobre suas origens, porque ele se manteve/mantém vivo em um região delimitado do nordeste brasileiro? Em um vídeo produzido pela TV UNESP (https://www.youtube.com/watch?v=KfqFQtD4QE0&t=199s) que trata sobre a história da educação, especificamente com relação a ruptura do modelo educacional jesuítico a partir da ascensão do Marquês de Pombal. Fiquei a me perguntar será esse alfabeto sua descontinuidade nesse período. É um questionamento que venho me fazendo. Será?
ResponderExcluirLuís Claudio Silva Lima
Alfabetização e Letramento 2018.1
Olá, Luis Claudio,
ExcluirA historia da alfabetização nesse período é muito lacunar para podermos afirmar qualquer coisa...
Como em Portugal (a partir da França) já havia proposta de nomear as letras mais próximas a seus sons, pode ser que os próprios jesuítas tenham trazido essa dupla nomeação, ou pode ser que posteriormente é que surgiu esse modo nordestino de nomear.
Agora, o sumiço dessa forma de nomear (em outras regiões do Nordeste) provavelmente tem relação com a universalização do ensino, mais perto da República.
Mas tudo é mistério!
E, no entanto, o caminho é esse mesmo, colocar perguntas, levantar possibilidades...
Você leu a Parte 3 desse estudo? leia lá: http://oficinasdealfabetizacao.blogspot.com/2017/12/parte-3-argumentos-da-historia-da.html.
Obrigada pela interação com o texto.
Liane
Nossa, assim que vi esse titulo me deu muito vontade de ler. Nunca tinha me deparado com a nomeclatura de abecê nordestino, isso foi surpreendente, por que eu sempre falo fê, guê, ji, lê, e me corrigem, dizendo que não é a forma “correta” de falar. E isso me intrigava. Esse texto é esclarecedor e instiga a varias inquietações. Uma delas é o modo de ensinar sobre as letras as crianças. Será que vou ensinar o abecê nordestino ou não? Como ensinar as letras?
ResponderExcluirDe uma coisa eu tenho certeza, é preciso romper com as tradições, e oportunizar as crianças uma alfabetização apartir do seu contexto social e cultural. O alfabeto não é simplismente 26 letrinhas, existe inúmeras maneiras em suas pronuncias, por isso é fundamental estar munida de conhecimento, para ter argumentos sólidos para uma prática efetiva.
Aluna: Qeise de Deus da Hora
EDCB85 - 2018.1
Oi, Qeise!
ExcluirEntão, justamente, todo o estudo sobre o nosso abecê nos liberta para poder ensiná-lo sem medo a nossas crianças.
Acho que o que temos que fazer - e em todo o Brasil, mas principalmente aqui - é ensinar que no Brasil temos dois modos de nomear as letras do alfabeto, ambas certas, mas uma usada mais em certas regiões. Nossas crianças têm o direito de saber ambos!
E, sim, envolve questões linguísticas, sociolinguísticas e culturais.
Uma boa dica para começar é procurar saber como eles nomeiam, das experiências fora da escola...
As letras são caracteres da escrita e quanto mais forem aprendidas em contextos significativos, melhor! Como a partir dos nomes próprios...
Abraço,
Lica
Sou baiana, mas há alguns anos moro em Vitória-ES. E sempre nos encontros familiares as crianças pedem para eu repetir o abecedário nordestino.Eles se divertem, alguns perguntam "É sério que é assim?". O que era e é super normal para mim, é divertido, estranho para outros. E isso despertou o desejo em conhecer mais sobre essa diferenciação referente aos alfabetos. Parabéns pelo texto!! Estou ansiosa para a próxima parte. Como acessá-la??
ResponderExcluirOlá, Pabliane,
ResponderExcluirPois é!
Aqui tem muitas postagens sobre o abecê. Basta você navegar no marcador abecê nordestino, nessa lista de marcadores na coluna do lado direito do blog, que pode acessar todas elas.
A parte 2 está aqui:
http://oficinasdealfabetizacao.blogspot.com/2017/10/parte-2-argumentos-da-historia-do.html
Boa leitura!
Depois da aula de terça-feira, vim correndo no blog procurar sobre o abecê nordestino. Que riqueza de material! Fiquei pensando como a gente reverbera na nossa prática a xenofobia ao que tange a nossa linguagem. Como esquecemos que o processo de letramento está interligado ao nosso meio social e consequentemente, a nossa cultura. Então, por que anulamos? Por que esquecemos ao elaborar as nossas práticas visando a importância de ensinar os dois modos? O quão estamos anulando o conhecimento próprio dos nossos alunos, a imersão na sua cultura (porque língua é cultura) e a desvalorização do que é nosso. Além disso, ensinar dentro da caixinha não permite que a criança pense, elabore um raciocínio, compreenda as variações linguísticas do nosso país e entenda que todas são importantes. Esse post é libertador e nos desprende de ensinar o ''comum'' e ''estabelecido'' para as nossas crianças.
ResponderExcluirGeovana- EDCB85 - Semestre Suplementar
Maravilha, Geovana!!!
ExcluirAcho que ganhamos mais uma docente que irá seguir ensinando o nosso lindo alfabeto!!!
Que bom que gostou!
Realmente professora, o sumiço do alfabeto nordestino seria uma perda significativa não só para a região nordestina como para todo o Brasil por se tratar de uma parte cultural importante para a história do país. Infelizmente devido ao preconceito muitos brasileiros discordam que se trata de uma riqueza cultural e histórica. Apesar de alguns estados do nordeste não utilizarem o ABC nordestino, deixar com que ele desapareça seria lamentável para as gerações futuras. Porque é importante saber que existem duas maneiras de pronunciar e que ambas são válidas e parte da nossa herança linguística e que por questões culturais se admite falar de uma forma ou de outra. EDCB85 Daniele Farias 2021.1
ResponderExcluirExato, Daniele!
ExcluirAcho importante que TODA gente de nosso país deveria aprender que temos esses dois abecês, ainda que nem todas as regiões usem o nosso.
Precisamos ensinar as nossas tradições e as variações existentes da nossa língua para que as crianças possam aprender seu sentido. Os “abecês” precisam ser legitimados, apresentados e nomeados das diferentes formas no processo de Alfabetização.
ResponderExcluirVamos salvar nosso abecê do desaparecimento! Depende de vocês, nas escolas...
ExcluirÉ urgente e indispensável dialogarmos sobre esta temática nos encontros de formação continuada de professores alfabetizadores. Infelizmente, estamos permitindo que teorias baseadas em métodos fônicos sufoquem a maneira como nós nordestinos, em especial, baianos, aprendemos a nomear as letras do alfabeto. É muito comum, nas classes de Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental o recurso didático de músicas que cantam e recitam o alfabeto, muitas vezes utilizando o princípio acrofônico, mas em nenhuma delas recitamos as letras f, como fê, a letra s, como si, e o l como lê. E assim vamos educando crianças que desconhecerão os outros nomes das letras do alfabeto. O que não percebemos, enquanto educadores, é que estamos negando, a estes sujeitos, o direito de conhecer e aprender os nomes das letras do alfabeto que fazem da parte da nossa história.
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