sábado, 27 de fevereiro de 2010
Jogos
Sobre o Bingo de Sons
A estrutura básica do jogo Bingo, que é um jogo antigo e tradicional, é utilizada em muitos desdobramentos na escola: bingo tradicional de números, bingo de letras, de palavras, bingo de contas, bingo de uma série de coisas. Realmente trata-se de uma estrutura interessante para se jogar considerando diversos aspectos.
Aqui o que se propõe é um bingo que considera os sons da língua. Aprender a prestar atenção aos sons, às unidades fonológicas de ordens diversas – sílabas, fonemas, unidades inter e intrasilábicas – é um dos aspectos importantes para a alfabetização, visto que o nosso sistema de escrita é de base fonológica, embora não se restrinja a esse aspecto. Falaremos mais sobre isso oportunamente.
O Bingo de Sons é um jogo que favorece a reflexão fonológica, sem presença do escrito. Os sons são associados às palavras oralizadas, não escritas, indicadas por figuras que as representam. Cada casa do bingo é composta por uma figura que representa uma palavra, devendo o jogador estar atento ao seu significante sonoro, não ao seu significado. Como as palavras não estão escritas, ao procurar se têm em sua cartela palavras com as características que o professor indicar, os jogadores precisam concentrar-se e apoiar-se apenas na pauta sonora, e não nas letras ou no significado das palavras.
Para compreender o alcance, os limites e a amplitude do jogo, é bom esclarecer que os fonemas são abstrações, não são exatamente os sons, a imagem acústica. A materialização sonora dos fonemas são os fones. Esse bingo traz unidades silábicas, unidades intrasilábicas (como os encontros consonantais tipo em "inicia igual a TRIGO) e certas unidades fonêmicas, mas apenas aquelas que podem ser, de algum jeito, serem pronunciadas isoladamente, como as fricativas. Isso porque, se os fonemas orais, representados pelas vogais, constituem sílabas e podem ser emitidos isoladamente, os fonemas consonantais não se isolam na fala, pois a fala é co-articulada, os sons consonantais são emitidos em articulação com os orais, formando as sílabas. A sílaba é constituída de um ou mais fonemas, pronunciados numa só emissão de voz, os fonemas não são pronunciados independentemente, a não ser os orais. Além disso, em cada palavra, um fonema pode ter nuances diferenciadas. É por isso que é tão difícil pronunciá-los sozinhos, isoladamente de outros fonemas.
Assim, devemos cuidar de quando incluir no jogo os fonemas consonantais, incluindo apenas os constritivos e, de preferência, dentre esses, aqueles chamados fricativos (/f/,/v/,/s/,/z/,/x/,/j/), por serem fonemas mais fáceis de serem isolados, esticados, pronunciados independentemente e de serem percebidos sem a co-articulação com a vogal. Também o /R/ e /r/ vibrantes, podem ser, em algumas circunstâncias, observados na corrente da fala. Mesmo assim não é fácil...
...mas dá para brincar com eles...
Como não há escrita em jogo, apenas a fala, esse Bingo pode ser jogado também por crianças nas etapas iniciais da alfabetização, ainda com hipóteses pré-silábicas, favorecendo que desloquem a atenção do significado para o significante das palavras. Elas não terão, no jogo, o desafio de relacionarem fala e escrita, que é o que, justamente, ainda não sabem, terão sim o desafio de prestar atenção nos sons das palavras.
Os sons do jogo podem ser de sílabas, de unidades maiores ou menores que a sílaba (como /-ão/, /-ola/, /tr/) ou de fonemas (/s/), e podem ser focalizados os sons iniciais (aliterações) ou os sons finais das palavras (rimas). As cartelas (com as figuras) e cartas (para serem “cantadas”) podem ser confeccionadas apenas focalizando os sons iniciais silábicos ou com fonemas orais (vogais). Nesse caso, aos poucos o Bingo pode ser trocado para ir dificultando aos poucos, incluindo depois sons finais e fonemas iniciais consonantais nas cartelas e cartas. Podem também ser confeccionados Bingos só de um aspecto (ex. sons iniciais, silábicos ou fonêmicos) ou um Bingo misturado, como o que está apresentado no post anterior desse blog.
Antes de jogar é importante que os alunos se familiarizem com as figuras da cartela, saibam do que se trata, associando as figuras a seus significantes sonoros, as palavras orais. O professor pode também conduzir algumas observações sobre as palavras que nomeiam as figuras, comparando-as, questionando sobre semelhanças sonoras. Essa exploração inicial permite que se centre a atenção dos alunos nos sons das palavras correspondentes às figuras, indicando o “espírito” do jogo, além de permitir que o professor observe como os alunos estão pensando e como poderão encaminhar reflexões durante o jogo.
O Bingo de Sons é um jogo que trabalha a consciência fonológica de forma lúdica e flexível. Mas não é um jogo fácil de jogar, não é tão fácil abstrair o significado e focar o significante. Não é tão fácil prestar atenção a todas as “palavras orais” a um só tempo, para verificar se há o som “cantado” pela professora em sua cartela. Não é tão fácil fazer isso de início, por isso, uma fase de exploração é indicada, com outras atividades mais simples de reflexão fonológica. Jogar em duplas, dois por cartela, é interessante, pois serão duas crianças prestando atenção às palavras orais da cartela.
Uma última observação: como bem nos ensina o rinoceronte Quindim (Emília no país da Gramática, Monteiro Lobato), letra não é som, letra é letra, som é som (fonema). O professor precisa também se familiarizar mais com os sons da língua, despindo-se de uma visão grafocêntrica que em tudo vê escrita. Quando for ler as indicações dos sons nas fichas, no caso de fonemas consonantais, cuidar para não pronunciar os fonemas como o nome das letras, juntando um fonema vocálico (som da vogal), tentando ao máximo focar o fonema apenas, embora isso não seja mesmo tão fácil e nem sempre possível.
Assim, do mesmo modo, é preciso estar atento ao fato de que o som /s/ inicial, por exemplo, tanto pode estar presente nas palavras sapo, sorvete, sino, quanto em palavras como cinto, cinema, cegonha. Costumo dizer para minhas alunas (e alunos, mais raros!) que nossa cabeça alfabetizada pode nos atrapalhar bastante ao abordar esses aspectos do ponto de vista dos que não sabem ainda ler e escrever convencionalmente. Explico: é comum em um jogo fonológico (sem presença do escrito) haver correções equivocadas do aluno, pelo professor, por considerar a escrita, não o som (por exemplo, se o professor disser que “cinto” está, nesse caso, errado, para o som /s/, pelo fato de estar considerando a letra S e não propriamente o som /s/). Assim, sugiro que joguem bastante o Bingo Fonológico com outras professoras, para se familiarizarem com ele antes de propor a suas turmas.
Para os que querem sempre que as palavras em um jogo estejam, de algum modo, contextualizadas, podem ser selecionadas para compor as cartelas as palavras de um texto, de um universo semântico, um campo lexical. Mas não necessariamente. Os jogos têm, por si só, uma natureza sociocultural e lúdica que é suficiente para justificar o uso de palavras aleatórias, escolhidas por suas características sonoras e sua possibilidade de representação visual nas cartelas.
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Pró,
ResponderExcluirSobre o Bingo, você diz no seu texto que é uma atividade de reflexão fonológica sem presença da escrita. Eu entendi o espírito da coisa, mas queria saber se tem formas de usar o jogo também relacionado com a escrita.
E queria saber também o que as crianças com hipóteses de escrita diversas estariam aprendendo com o jogo.
Aguardo resposta, tá?
Leila
Leila,
ResponderExcluirEm breve vou postar mais informações sobre o Bingo, abordando essas questões, tá? Acho sua pergunta interessante para continuarmos a pensar sobre o jogo.
Aguarde!
Bjs,
Lica
Ma-ra-vi-lho-so, esse Bingo. Amei! Dez!
ResponderExcluirCris
Oi, Cris,
ResponderExcluirTambém gosto muito. E é bem divertido jogar. Mesmo nós.
Beijo,
Lica
Professora,
ResponderExcluirAchei seu modo de abordar o trabalho com a consciência fonológica muito interessante, dinâmico e petinente. Um encontro feliz entre leveza, bincadeira e seriedade da proposta. Muito bom! Vou povidenciar um bingo fonológico para mim!
Visitarei sempre e divulgarei o seu blog.
Continue inspirada,
Taíse
Oi, Taíse,
ResponderExcluirMuito obrigada por suas palavras.
Ah, e você vai ver, é mesmo bem divertido jogar.
Beijo,
Lica
Obrigada! Ajudou-me muito, pois estou pesquisando para criar três jogos que explorem a consciência fonológica para o PNAIC.
ResponderExcluirQue bom, Djeines!
ResponderExcluirLica
Surpreendente a idéia do bingo nunca imaginei se trabalhar um jogo tão tradicional que faz parte da realidade de qualquer criança independente da classe social. E o mais importante se aprender silabas, fonemas, as unidades silábicas e dessa forma, fazer com que as crianças preste atenção nos sons das palavras reflexão na oralização, sem a presença do escrito. Percebi que com este jogo posso trabalhar em varias etapas do ensino só é preciso variar o repertorio das figuras/palavras e dicas sem esquecer que o jogo é de natureza sociocultural e lúdica
ResponderExcluirEmilia Soraia - edcb85 – alfabetização e letramento –(segundas – noite)
Isso aí, Emilia Soraia!
Excluir;)