Gente,
Conforme
prometi no post sobre livros ilustrados,
que vocês podem conferir neste link, aqui, apresento outro livro, muito legal,
que traz charadas visuais bem interessantes. E é lindo visualmente! Trata-se do
livro OH!, de Josse Goffin, da Martins Fontes. Vocês podem conferir mais sobre
o autor em seu site.
A
relação entre imagem, palavras e coisas é um tema complexo. Muitos discutem
sobre isso e alguns pintaram isso. É o caso do pintor belga surrealista René
Magritte (1898-1967), que pintou um quadro de um cachimbo e, embaixo, escreveu uma legenda dizendo Ceci
n’est pas une pipe, que quer dizer: Isto não é um cachimbo.
Olhando
o quadro de Magritte, sem entender o francês, podemos de início concluir que
estamos diante de um cachimbo. E se entendemos francês, podemos, a primeira
vista, achar contraditório. Mas é só
aparentemente contraditório; o artista queria, na verdade, nos fazer pensar. De
fato, não é um cachimbo, logo percebemos que se trata de uma representação artística de um cachimbo, um signo icônico – uma pintura
de um cachimbo, mas não um cachimbo, que se possa efetivamente fumar. E o
quadro é de uma série que se chama, justamente, A traição das imagens (1928).
A
aparente contradição entre imagem e texto vem da associação imediata
que fazemos mentalmente entre a imagem, a palavra e o significado. Isso é tão imediato
que nós realmente tomamos as imagens (e até palavras) como as coisas que
representam. Só após um momento de reflexão, nos damos conta de que, de fato, a
imagem não é a coisa, a pintura não é o objeto cachimbo, mas a representação dele
através de uma imagem.
E
Magritte mostra isso de uma forma muito interessante e inteligente! Um dos
fascínios da obra desse autor está na abordagem da interação entre o objeto e a
sua representação e, nesse sentido, esse é seu quadro mais representativo e
famoso. A obra se presta a uma excelente reflexão sobre o papel da arte e sobre a representação.
Em
um livro no qual o filósofo Michel Foucault dialoga com o quadro de Magritte, encontra-se
uma fala do próprio pintor sobre isso: “O famoso cachimbo... Como fui censurado
por isso! E, entretanto... Vocês podem encher de fumo o meu cachimbo? Não, não
é mesmo? Ele é apenas uma representação. Portanto, se eu tivesse escrito sob
meu quadro: “Isto é um cachimbo”, eu teria mentido.”
E
tem mais... o que vemos aqui não é nem a pintura, mas a foto da pintura...são
camadas e camadas representativas...
E o que
quer dizer quando afirma-se que é uma representação? Ora, uma foto de uma casa,
um quadro com uma casa pintada e a palavra “casa”, por exemplo, não trazem uma casa
real, são diferentes planos de representação. Com a imagem, ainda mais a fotografia,
temos uma casa específica, mas representada. Uma foto pode ser da minha casa,
por exemplo, mas não posso abrir sua porta e morar lá dentro. Uma pintura pode
representar uma casa sem que aquela casa de fato exista, e pode representá-la
de modo realista, naturalista, bem reconhecível, ou pode representá-la de modo
mais abstrato, como nunca seria uma casa real.
A palavra “Casa”, por sua vez,
traz um significado conceitual, não necessariamente uma casa específica. A
palavra vai servir para nos referir a uma casa específica ou a qualquer e toda
casa. É um conceito. Isso tudo diz respeito ao signo e aos diferentes modos de
os signos representarem. A imagem pintada é um ícone, guarda alguma semelhança
com o que representa, a palavra é algo convencional, não tem essa semelhança, é
um símbolo.
Mas
a imagem pode também ser menos naturalista, como por exemplo, o cachimbo no
quadro de Georges Braque, pintor cubista francês (1882-1963).
Braque
estava mais preocupado em, justamente, desmontar o sistema de representação naturalista,
cutucando a noção de perspectiva linear, cultivada por séculos na pintura. O
resultado é um cachimbo meio retorcido, quase sem volume. É ainda a representação
de um cachimbo, podemos reconhecê-lo, mas, em comparação com o cachimbo de Magritte,
trata-se de um signo menos semelhante ao objeto que representa...
As
crianças pequenas, aos poucos, vão dando conta desse mundo de representações, das
abstrações, percebendo que uma imagem não é a coisa, e as ilustrações de livros
de literatura infantil são bons referenciais para essas observações. Depois,
vão aprendendo também a natureza representativa das palavras. A linguagem constitui um sistema de signos abstratos, convencionais, seja acústico (linguagem falada), seja gráfico (linguagem escrita). E assim vão elas,
entrando no mundo da representação, dos signos, dos conceitos, das interpretações. Além disso, aprende-se
também que uma única e mesma imagem pode representar realidades diferentes e ser significada diferentemente por cada pessoa. As imagens
de uma casa, de certo animal, de um objeto, por exemplo, podem sugerir conotações diversas, para cada cultura, para cada um. E depois, o mesmo com as palavras...
Bom,
esses temas – sobre signo, representação e sobre a construção do símbolo pela
criança - são muito vastos e complexos, muito mesmo. Mas eu os trouxe aqui, bem en pasant, só para mostrar um livro que
brinca com essa ideia da representação, de ser e não ser, de ser outra coisa
diferente do que parece ser. Charadas visuais interessantes para as crianças de todas as idades...
A referência ao famoso quadro de Margritte, e à discussão que ele traz, aparece
já em uma das ilustrações do livro OH!... O que será que o cachimbo vai revelar ser, no final das contas? Tcham, tcham, tcham, tcham...
Além do cachimbo nem ser cachimbo, mas um desenho do cachimbo, tem mais! O cachimbo aí, é, na
verdade, um gato! Ou evoca um gato, transforma-se nele... Trapaça instigante das imagens. Vamos beber um navio e navegar nas águas da xícara?
É
isso, gente! Mais um livro inteligente, que brinca com nossas percepções e que
pode ser bem interessante para as crianças, pequenas e maiores, com os diferentes
desafios que pode oferecer a cada faixa etária.
Beijos,
Lica
Livros nos fazem sonhar...
ResponderExcluirVi um hoje no youtube que vale a pena! Seu nome é
Fico à espera...
Bjs,
Ana
Ah, Aninha! É um que parece uma carta, não é?
ResponderExcluirÉ lindo mesmo!
Um soco no estômago, mas lindo...
E a literatura é isso também, né, falar aos nossos fantasmas, medos, solidão, alegrias, redescobertas.
Tem no Youtube? Vou olhar!
Bjs,
Lica