Bom, minha gente, vamos então às indicações que prometi dos nossos “abecedários poéticos”, tal qual definidos no post anterior. São algumas sugestões. Quem tiver outras, mande!
Como eu sugeri antes, não são abecedários propriamente, mas livros literários que trazem o alfabeto, brincando com as formas gráficas e os sons relacionados às letras. Digo que não são propriamente abecedários, pois embora tenham uma intenção pedagógica também (ou ao menos possam ter um uso pedagógico), os recursos sonoros utilizados não são meros pretextos para o ensino, mas são próprios ao texto poético, sendo um dos aspectos responsáveis pelo prazer que causa a leitura de poesia entre as crianças.
Vamos a eles...
UMA LETRA PUXA A OUTRA, José Paulo Paes, Companhia das Letrinhas, 1993
Começo por esse livro de José Paulo Paes, que é composto por 23 poemas sobre o alfabeto. Cada letra do alfabeto ganha uma quadrinha que explora os fonemas relacionados à letra tratada. O autor propõe assonâncias e aliterações, tal qual trava-línguas. Ex. A quadrinha da letra s, por exemplo, é assim:
"O sapo saltou na sopa
de um sujeito que, sem mais papo,
deu-lhe um sopapo e gritou: - Opa!
não tomo sopa de sapo!".
Em alguns casos, o autor faz jogos de linguagem transformando palavras ressaltando o traço distintivo de uma letra/fonema. Assim acontece com a letra L:
“O L é uma letra louca
e faz a uva andar de luva
transforma a nota mi em 1000
cabra descobrir o Brasil”
Note como é sutil a referência que ele faz a Cabral – Pedro Álvares Cabral – sugerindo a subtração do fonema/letra L na última estrofe. É poesia pura, e de muita qualidade estética.
Esse livro possibilita, a partir dos jogos de linguagem que propõe nos textos, muitas ideias de brincadeiras com as letras, sons, palavras, quadrinhas. É só a gente inventar! A quadrinha do L, por exemplo, permite imaginarmos mil outras possibilidades de composição, decomposição e recomposição de palavras pelo acréscimo, subtração, deslocamento ou substituição de letras/fonemas. No caso de fazê-lo oralmente, têm-se uma ótima atividade de reflexão fonológica e, em presença da escrita, além disso, também permite trabalhar a relação entre letras e fonemas, fundamental para a apropriação do princípio alfabético.
Uma letra puxa a outra ganhou prêmios importantes e o título “Altamente Recomendável” pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil - FNLIJ em 1992, na categoria poesia. Recomendadíssimo!
O BATALHÃO DAS LETRAS, Mario Quintana, Ed. Globo
Publicado em 1948, O Batalhão das Letras foi a primeira obra do poeta voltada para o público infantil e se diferenciava de outros livros destinados às crianças na época. Brincando com os versos e de maneira poética e lúdica, o autor apresenta as 26 quadras com as letras do alfabeto, trazendo elementos como brinquedos, brincadeiras e situações diversas, do universo infantil, ora enfatizando as formas gráficas das letras, ora os fonemas a elas correspondentes. Por vezes traz temática menos infantil.
Engraçado é que apesar da preocupação de Quintana com o público leitor, preocupação que aparece também nos sons, ritmos e imagens das quadras, além dos temas, parece que Quintana negou o valor dessa obra, impedindo sua republicação (cf. ZILBERMAN, 1982). Mas, de todo jeito, nos deixou esse abecedário poético que é, ainda hoje, muito rico de possibilidades. Várias foram as edições. Essa da figura acima tem ilustração de Eva Furnari.
*ZILBERMAN, Regina (org). Mário Quintana. São Paulo: Abril Educação, 1982.
PALAVRAS, MUITAS PALAVRAS..., Ruth Rocha, Ed. Quinteto.
Nesse livro, a autora mostra que cada letra do alfabeto é a primeira letra de muitas palavras. Com muita graça e muita rima, todas as letras do alfabeto vem apresentando palavras, seja em trava-línguas, seja em pequenas quadras ou poemas ou apenas listando-as.
"Com B se escreve:
Banana e Bala,
Bigode e Belo,
Barulho e Bule,
Balão e Briga,
Bolacha e Bolo
Boliche e Bola,
Burro e Barriga".
Por vezes ela propõe também, em suas rimas, brincadeiras metalinguísticas, como a do J:
"J com A
faz Já
J com E
faz Jé.
É com J que se escreve
A palavra Jacaré".
Dá para brincar de colecionar palavras várias, com cada letra, em caixinhas e fazer mil coisinhas com elas....
O QUE SE VÊ NO ABÊCÊ, Elias José, Ed. Paulus
Esse eu gosto muito!
São pequenos poemas que trazem cada letra do alfabeto enfatizando seus sons de modo a criar aliterações, assonâncias, sonoridades divertidas e belas imagens.
Traz também um poema, o Abecedando, com todas as letras do alfabeto, mais o ç, ch, cl, lh, nh, rr, ss...diz ele que com todas as letras, reinventa o mundo!
E a colorida e divertida ilustração de Daniel Cabral completa a beleza do livro.
Esse livro não traz poemas apenas com as letras, mas passeia também por questões de ortografia, quando traz poemas para alguns dígrafos, como nh, lh, ch, ss, rr: “Com nh apanho manhas nos sonhos” e “Dona Chica chegou da chácara debaixo da chuva, chinelinho encharcado, encharcado o seu cachorro”. E também encontros consonantais, como cl, e também o ç, dentre outros aspectos. Há poemas que jogam com os mesmos sons escritos por diferentes letras (ç, ss, s), sendo bem interessante, principalmente para as crianças que estão descobrindo ou já compreenderam o princípio alfabético e estão às voltas com a reflexão sobre ortografia.
NO BALANCÊ DO ABC, Elias José, Ed. Paulus
Nesse livro, singelamente ilustrado por Helena Alexandrino, Elias José propõe poemas cheios de humor, um pouco mais compridos, cada um enfatizando uma letra do alfabeto, como se fosse um trava-língua.
Aliás, dá boas ideias para inventarmos novos poemas-trava-línguas. Podemos fazê-los a partir de uma lista de palavras com letras/sons parecidos, por exemplo, combinando-os de modo meio nonsense.
Dá para dar boas risadas!
Exemplo: faca, foca, figo, frito, fio, fisga, fica, fura, frio: “a foca fica no fio/ fisga o figo/ fura a faca: sai do frio/ figo frito!
Aliás, inventar trava-línguas pode ser bem divertido, não só com letras iniciais, como com qualquer som. Por exemplo: a partir de VACA, FACA, MACA, TACA, SACA, MACACA, ressaltando do som intersilábico /-ACA/ podemos inventar “A vaca na saca / saca da faca /e taca na maca/ A louca da vaca / taca a faca na saca da macaca”.
Vixe! Vicia... Ô vício bom!
O ABZ DO ZIRALDO, Ziraldo, Melhoramentos
A
Coleção ABZ, de Ziraldo, é composta de 26 livrinhos com pequenas histórias, sendo cada uma sobre uma das letras do alfabeto. Os livros começaram a ser lançados em 1990. Diz o autor que a mãe dele, quando o apresentou às letras, as apresentou assim, para cada uma, uma história. E é isso que ele faz no livro para mostrar como as letras “são coisas vivas, com nome, história e biografia”. Nesses livros, as letras viram personagens, com nome, história e vivem muitas aventuras. Ziraldo brinca com a forma das letras e por vezes também com os seus sons.
Ziraldo traz também, misturadas ao texto, várias referências a outros textos, como trechos de poemas de Drummond, Fernando Pessoa e Mário Quintana, verbetes de enciclopédia, canções de Gil e Vinícius e frases de romances de Gabriel García Márquez. Misturadas às ilustrações, traz pinturas de Miró, Monet e Degas. Um verdadeiro mosaico intertextual! Encontramos lá também curiosidades sobre alguns vocábulos.
Coleção ABZ, Ziraldo
Foi lançado, mais recentemente, um livro de capa dura, O ABZ do Ziraldo, que traz todas essas as histórias em um só volume. Eu gostava dos livrinhos pequenos, mas essa é uma outra opção...
Ah! E agora o ABZ do Ziraldo é também um programa de TV! Já viram?
Tem contação de histórias, entrevistas e outras coisas.
(
TV Brasil, transmitido pela TVE na Bahia)
Por ora, é isso, pessoal. Logo vem outras partes desse tema e todas as outras promessas, ok?
Espero que façam proveito!
Lica
P.S. 1: Confiram aqui alguns alfabetos ilustrados de Portugal indicados em um artigo sobre o tema (
http://www.slideshare.net/mrvpimenta/midos-alfabetos-ilustrados):
Miúdos Alfabetos Ilustrados
P.S. 2. Depois desse
post, meses depois, já pesquisei e encontrei muuuuuitos outros títulos bacanas, daqui do Brasil e também de Portugal. Aguardem mais indicações e um material sobre alfabetos poéticos!