Arquivo Poético Sérgio Capparelli
Novidades!
Vou mostrar para vocês um tiquinho de um novo projeto que estou desenvolvendo, que são os Arquivos Poéticos. Os arquivos são kits de poemas organizados como um fichário, no qual são apresentados poemas e algumas atividades e materiais a partir deles. Consta também no arquivo informações sobre o(s) autor(es) ou o(s) livro(s) , um sumário dos poemas do arquivo, dentre outras coisas. Os Arquivos Poéticos estão para a poesia como as Caixinhas de Livro, que vocês já conhecem, estão para as narrativas.
O que vou mostrar hoje são os materiais que previ como sugestão para o poema Amanhã, de Sérgio Capparelli, que faz parte do Arquivo Poético Capparelli. Estou desenvolvendo esse arquivo, pois gosto muito desse autor. Já há, no arquivo, cerca de dez poemas dele, com atividades e materiais. E vai crescendo...
Mas há também outros arquivos sendo desenvolvidos, além desse, a exemplo do Arquivo Médico Poético, o Arquivo Alfabético Poético, dentre outros. Surpresa!!! Em breve darei notícia deles.
Bom, o poema de Capparelli em questão, Amanhã, diz assim:
Amanhã
O gato queria
Agarrar a lua,
Pensando que fosse
Um novelo de lã.
Mas a lua
Nem ligava,
Tricotando
A manhã.
O rato queria
Agarrar a lua,
Pensando que fosse
De queijo parmesão.
Mas a lua
Nem ligava,
Derramando-se
Pelo chão.
Mas a lua
Nem sabia,
Pois bebia
Em um poço.
O urso queria
Agarrar a lua,
Pensando que fosse
Colmeia com mel.
Mas a lua
Nem sabia,
Cochilando
Pelo céu.
Eu queria
Agarrar a lua,
Pensando que fosse
De diamante.
Ela disse:
Sou apenas
Uma lua
Minguante!
A leitura do poema para as crianças pode em si ser bem divertida, pode ser, pela própria entonação solicitando que pensem nas rimas que vão aparecer, por exemplo. Assim, ao ler "O cachorro queria/Agarrar a lua,/Pensando que fosse/Um pedaço de.... (paradinha para que tentem responder)... osso". Outras rimas podem ir aparecendo...
Desse poema, fiz algumas coisinhas pro Arquivo. Outras poderiam também ser propostas, como poema lacunado ou poema enigmático, mas, considerando que essas sugestões aparecem nas propostas de outros poemas do arquivo, essas aqui me pareceram mais bacanas por ora. Especialmente por causa do tipo e da quantidade de rimas do poema.
Vamos às propostas!
De início, achei que a estrutura das estrofes e versos era propícia a um fatiado da estrofe em duas partes de dois versos cada, para que possam ser ordenadas considerando, dentre outros aspectos, as repetições e paralelismos nas estrofes, os elementos que vão sendo substituídos e as palavras que rimam. Esses elementos permitem que mesmo as crianças que não leem com autonomia possam, a partir desses indícios e do conhecimento do poema, ordenar suas partes. Podemos dar o poema fatiado também com uma lista do substantivos que aparecem no texto: gato, rato, cachorro, urso, eu, para ajudá-los a colocar as estrofes na ordem. Para ordenar, é preciso conhecer o poema, ouvi-lo outras vezes enquanto monta ou sabê-lo de memória. Para os que já leem com certa autonomia, podemos dar o poema sem que o saibam de antemão e comparar depois com a versão original discutindo sobre os elementos que ajudaram a ordená-lo.
As rimas do poema, por sua vez, me sugeriram fazer alguns jogos: um jogo de trilha de rimas, um jogo de dados e um mini Bingo, todos esses jogos fonológicos sem presença da escrita, apenas para trabalhar a sonoridade das rimas. Todos eles são bons para crianças ainda sem muito domínio da leitura e escrita. Essa exploração das rimas pode, no entanto, depois, para os que têm já um domínio maior, facilitar atividades de leitura e escrita com a observação da terminação parecida de diversas palavras escritas que terminam, oralmente, de forma também parecida.
O Jogo de Trilha de Rimas ficou assim, com figuras representando palavras do texto:
Cada jogador joga o dado (dado normal) e anda com o seu pino o número de casas indicado. Onde parar, deve dizer uma palavra que rime com o nome da figura representada na casa. Se conseguir, joga na rodada seguinte, se não, fica uma vez sem jogar. Mas uns podem ajudar os outros a dizer a sua rima, não há problema. As casas com a lua (protagonista da história, mas que não é rimada no poema) indicam ficar uma vez sem jogar ou, ainda melhor (para o jogo demorar mais um pouco), indicam na rodada seguinte andar para trás o número que tirar no dado. As rimas que devem ser ditas não são apenas as do poema, mas todas que vierem à cabeça dos jogadores, assim a exploração das sonoridades pode ser enriquecida. Ganha quem chegar primeiro ao fim da trilha. Como é uma trilha curta, pode também jogar com dois dados e subtrair o menor valor do maior (ex. se tirar 6 e 4, anda apenas 2 casas), incluindo um pouquinho de contas no jogo.
O Jogo do Dado de Rimas, por sua vez, embora explore também as rimas, tem um princípio diferente, pois as possibilidades de rimas são dadas. Cartas com figuras que representam palavras que rimam com as figuras do dado são distribuídas entre os jogadores, depois de embaralhadas. São palavras do poema e outras, que rimam com elas, mas que não aparecem no texto (Ex. Gigante, elefante, que rimam com minguante e diamante, palavras do poema).
O dado contém figuras que representam uma das palavras do par rimado do poema (Ex. osso e não poço, lã e não manhã...) e uma face com a lua, que indica ficar uma vez sem jogar. Os jogadores, cada um na sua vez, jogam o dado e verificam se têm, entre suas cartas (que podem estar viradas para cima, diante de si) uma que rime com a da face do dado jogado. Se tiverem uma carta que rime, guardam para si, separada das outras. Vence quem terminar primeiro suas cartas da mesa. Pode também deixar as cartas no centro da mesa e quem for jogar, na sua vez, vai procurando se há cartas que rimam com a figura que tira na face do dado.
Com as cartas do Jogo do Dado de Rimas podemos também propor o Jogo do Intruso, que consiste em apresentar algumas cartas com figuras representando palavras rimadas e uma que não rima (Ex: figuras do gigante, do elefante, do diamante, da lua minguante e de um pescoço), para as crianças indicarem o intruso. É interessante que, se não explicarmos nada, elas tendem a tentar encontrar elementos semânticos como critério para excluir alguma das figuras. Aos poucos, levando-as a perceberem que o critério é sonoro, vão aprendendo a prestar atenção não apenas aos significados das palavras (representadas aí por figuras), mas a seus significantes sonoros (ou gráficos, no caso das palavras escritas). E isso é fundamental para a alfabetização!
Bom, o Mini Bingo é um bingo fonológico "rapidinho", que contém apenas duas casas na cartela e apenas cinco indicações. É bom para os que estão iniciando nessa possibilidade de percepção de sonoridades e que se prendem ainda ao significado das palavras e não o seu significante (e associam, assim, as palavras ditas a algum atributo semântico dos objetos de sua cartela e não atributos sonoros). É um mini jogo que prepara os bingos fonológicos mais elaborados, mas pode também dar mais de uma cartela para cada jogador. Ei-lo:
Também podemos fazer um jogo de cartas, um mini Baralho, para associar figura-figura rimadas (jogo fonológico), figura-palavra a que corresponde (reconhecimento de palavra), palavra-palavra rimadas (observando as semelhanças e diferenças entre elas) ou para jogar como Mico Preto ou Memória, formando esses pares ou até os quartetos. Para jogar como Mico Preto, incluí uma carta da lua, que não rima com outra carta e faz as vezes de Mico.
Um outro jogo que fiz com esse poema foi o Jogo das Duas Palavras, adaptado de um jogo criado por alunas ligadas ao CEEL, da Universidade Federal de Pernambuco. É um jogo de reconhecimento de palavras entre duas palavras dadas (as que rimam) para corresponder a cada figura. Diante da carta de palavras que abrem no jogo, os jogadores devem dizer qual das duas palavras corresponde à carta de figura que têm em mãos. O do CEEL é confeccionado a partir das rimas do poema de Vinicius, O Pato, da Arca de Noé, musicado por Toquinho, e pode ser conferido no livro que se encontra no site do CEEL: http://www.ceelufpe.com.br/e-books/Alfabetizacao_Livro.pdf , no capítulo sobre jogos.
É isso, gente. Essas são as sugestões que pensei para explorar o poema Amanhã, sempre lembrando que isso tudo só vale depois de explorar bem o texto, fruir simplesmente de suas sonoridades e sentidos, brincar com ele. A exploração das rimas, no caso desses jogos aqui propostos, permitem ampliar a fruição do poema, se apropriar mais dele, lembrar por mais tempo dele e do prazer que proporcionou sua leitura - suas tantas leituras. Relê-lo depois de brincar certamente dará outra graça às rimas, a esse jogo de sonoridades e sentidos.
Minha ideia de material a partir da literatura é que ele seja para ampliar a leitura - no caso aqui, leitura dos poemas - não para empobrecê-la, despi-la de sua natureza artística, estética, literária. Sim, defendo um trabalho pedagógico com a literatura não apenas de letramento literário, mas também de reflexão sobre o sistema de escrita alfabética, mas defendo igualmente que essa apropriação pedagógica da poesia, como da literatura em geral, não deve se dar ao preço de empobrecer sua natureza estética. Como nos ensina Magda Soares (1999), é preciso pensarmos em uma escolarização adequada da literatura, na qual se estabeleça um diálogo entre o discurso pedagógico e o discurso literário. Acredito estar experimentando, com esses materiais, formas de fazê-lo. Na alfabetização, a literatura é fonte de deleite estético, de letramento literário, mas também matéria de reflexão sobre a linguagem, a língua, a língua escrita. A questão é como fazer isso.
Assim, dito isto tudo, vale, então, voltar ao poema sempre, reler, brincar mais uma vez; adivinhar, ao ler, as rimas que, depois de tanto explorar já ficam conhecidas; reler de outros jeitos, conhecê-lo por dentro, fazê-lo durar na memória. É o que eu espero, para que se configurem de fato como materiais que favorecem a alfabetização em contexto de letramento literário. Conhecer as propriedades formais de poemas - que são isso, formas, articulação de sons e sentidos - é ampliar a leitura dos poemas, sua fruição estética. Fazer isso brincando, ainda melhor!
Outra coisinha que eu queria lembrar é que, embora a rima seja um aspecto importante da poesia, muito frequentemente associado ao próprio conceito de poema (embora haja poemas sem rimas!!!), as sonoridades que podem estar em jogo na poesia são muito mais ricas, não se reduzindo a rimas, muito menos a rimas apenas no final de versos. Muitos jeitos de rimar são possíveis, rimas toantes e rimas "dançantes", rimas no final ou pelo meio dos versos, rimas em versos alternados, rimas mais próximas, rimas mais distantes... E ainda temos aliterações, assonâncias, paralelismos, repetições, trocadilhos, dentre muitos outros aspectos fazem a festa do ritmo, sons, sentidos... e explorá-los faz bem à poesia e também à alfabetização, faz bem ao leitor de poemas que aponta e à reflexão fonológica, faz bem à apropriação da escrita por este que se inicia na leitura e escrita autônomas. E se fizermos bem, tudo ao mesmo tempo! Falaremos mais sobre isso em outras oportunidades, tá?
Aguardem mais sugestões de atividades e materiais do Arquivo Capparelli. Há vários outros poemas, que trazem consigo outros materiais: Longe de Casa, A Chuva está Chorando, A Semana Inteira, A Árvore que dava Sorvete, De Volta, Sons, Cores, Esquisitices, As Sardas de Dora, Minha Cama, dentre outros, compõem o Arquivo, com vários joguinhos e propostas diferentes.
Ah, e leiam Capparelli, é maravilhoso! Sugiro, em especial, o livro "111 poemas para crianças", da LP&M, com uma seleção do próprio autor de diversos livros seus. Uma delícia!
Inté,
Lica
SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: MARTINS, A.A.; BRANDÃO, H.M.B.; MACHADO, M.Z.V. (orgs.). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.