quinta-feira, 27 de julho de 2017
Sétima provocação sobre o abecê nordestino
Mais
uma provocação sobre o abecê nordestino, mas dessa vez para falar, de novo,
mais uma vez...
Já que
vejo, mesmo nos compartilhamentos de meus posts, ou em conversas sobre o
assunto por aí (onde vou tenho falado disso...rsrsrsrs... virou quase uma
militância), comentários que insistem em pontos que quero ajudar a
desconstruir...retomo aqui alguns pontos.
O abecê
chamado de nordestino - por vezes de baiano, ou do sertão - não é errado. Não,
o abecê dito oficial não é o correto...o único correto. As coisas não são
postas em termos de certo e errado, nesse quesito, como em vários outros,
referentes aos diferentes falares regionais.
Não, ele não é
antigo, iletrado e risível. Se está desaparecendo é por conta da
"colonização" do outro alfabeto, que por razões não linguísticas, vem
se sobrepondo ao nosso.
Sim,
ele era falado no Nordeste, e ainda o é em alguns municípios do interior, nessa
região. Mas na Bahia, ainda se aprende e se fala, seja no interior ou na
capital, embora em muitas escolas e famílias já tenha sido substituído pelo que
se considera como "oficial".
Meus
avós e meus pais, assim como eu, aprenderam esse abecê. Muitas gerações, desde
o fim do século XIX ou início do século XX, quiçá antes, aprenderam esse abecê. São apenas
oito letrinhas com nomes diferentes - e nem tão diferentes assim, pois fazem
eco com os nomes das outras letras, em que, também "se ouve tanto ê"
(como diz a letra de Luiz Gonzaga).
Não,
fê, rê, lê, mê, nê...não soam estranho em si mesmas...Se soam (a alguns), é
apenas por costume... Não é bê, dê, tê, vê, zê? Então qual a estranheza de fê,
rê, mê, lê? Só costume...Não vamos julgar algo como certo ou errado, letrado ou
risível, pelo etnocentrismo de nossos ouvidos, não é? Aliás, como eu disse
em post anterior, pelos critérios de nomeação das letras, se
fosse lógica e não arbitrariedade, vê e zê seriam eve e eze...que soam estranho porque
essas não ficaram sendo como as outras: esse, erre, efe...(Em breve vou
detalhar mais sobre a origem desses dois modos de designar as letras na
história do alfabeto).
E não,
não e não...Embora possa parecer uma explicação razoável, seja para criticar,
seja para defender o abecê nordestino, ela não é uma explicação precisa. Não! O
fê, guê, ji, lê, mê, nê, rê, si não são sons - e muito menos fonemas - são
NOMES dessas letras, outros nomes. Nomes usados como tal, além de
dicionarizados e indicados como realizações possíveis por gramáticas e pelo
Acordo ortográfico. Assim, é preciso duvidar dessa fala de que efe, esse,
eme são nomes e fê, si, mê são sons, fonemas...
Sim,
são nomes mais próximos dos "sons" que as letras representam - sem
nenhum juízo de valor, nem para criticar seu uso, nem para defendê-lo. Mas são
NOMES!
De
novo, retomando, insistindo, militando...
Lica
segunda-feira, 24 de julho de 2017
Sexta provocação sobre o abecê nordestino
Oi, gente!
Não se
trata aqui, propriamente, de uma provocação, mas da indicação da estrutura do
estudo sobre o tema, que será postado no blog e contará também com uma pequena
publicação, contendo as 4 partes iniciais do estudo. Será editado pela EDUFBA –
Editora da Universidade Federal da Bahia, e terá como capa uma ilustração de um
mestre nordestino...Mas é surpresa, não direi mais nada, por ora.
A parte
5 será a comunicação da pesquisa que estou fazendo com professores (minha
gente! Mandem os questionários respondidos! Estou recebendo!!!) e será postada
no blog e em artigos, mais adiante, quando for finalizada.
A parte
6 será só no blog, ao menos por ora, com comentários de diversas pessoas sobre
a temática. Essa parte também vai demorar um pouco mais.
Vamos lá, já tem título, sumário, estrutura:
O ABECÊ NORDESTINO
E AS LETRAS NA ALFABETIZAÇÃO
Introdução
PARTE
1: As letras e o alfabeto nordestino
a. a. Letras...seus nomes, seus sons, seus
traçados...
b. b. O abecê nordestino
PARTE
2: Argumentos da história do alfabeto
PARTE
3: Argumentos da história da alfabetização
PARTE
4: Argumentos das pesquisas atuais sobre o papel do conhecimento das letras na
alfabetização
a. O contexto da discussão
b. De novo...as letras...
c. O ludismo poético das letras
d. E o abecê nordestino com isso?
a. O contexto da discussão
b. De novo...as letras...
c. O ludismo poético das letras
d. E o abecê nordestino com isso?
Considerações
provisoriamente finais
PARTE 5: O ABC em várias vozes: depoimentos, relatos, comentários...em diferentes linguagens...
PARTE 6: As letras do alfabeto na alfabetização na Bahia: mini pesquisa de campo
PARTE 6: As letras do alfabeto na alfabetização na Bahia: mini pesquisa de campo
Fora as postagens das partes dessa estrutura, continuarei fazendo outras provocações, se necessário...
É isso, minha gente...
Em breve, posto a introdução e a parte inicial...Vou postando por partes, será resumido aqui, a versão completa sairá na publicação impressa, que será também disponibilizada para download.
Aguardem!
Lica
sexta-feira, 21 de julho de 2017
Abecê do sertão
Bom, já falei que prefiro a expressão abecê do Nordeste do que abecê do sertão, porque aqui na Bahia ele não é só do sertão. Mas reconheço sua identidade sertaneja, do sertão nordestino. Claro! Imagina se eu iria contradizer o mestre Luiz Gonzaga!
Posto aqui o trailer do doc Sertão como se fala, dirigido por Leandro Lopes, que viajou com o seu coletivo por 9.500 km em sete estados no Nordeste, para investigar os usos desse modo de pronunciar as letras por aqui. O doc nos ajuda a ver que ainda existe esse abecê para além da Bahia, no interior de outros estados do Nordeste.
O documentário está rodando festivais e, espero, possa contribuir para divulgar mais essa particularidade regional de nossa identidade cultural. Como eu não sei filmar e, muito menos compor e cantar, como Seu Lua, meu jeito de contribuir com essa discussão é pesquisando, escrevendo...
O documentário está rodando festivais e, espero, possa contribuir para divulgar mais essa particularidade regional de nossa identidade cultural. Como eu não sei filmar e, muito menos compor e cantar, como Seu Lua, meu jeito de contribuir com essa discussão é pesquisando, escrevendo...
É isso, gente! Vão assistir quando passar por sua cidade, ou quando for disponibilizado.
Lica
sexta-feira, 14 de julho de 2017
Quinta provocação sobre o abecê nordestino
Nessa quinta provocação, vou mostrar e comentar (mas não
muito, algumas dispensam comentários!) algumas falas preconceituosas que pesquei na
internet sobre o nosso modo de pronunciar os nomes das letras no Nordeste, ou que revelam desconhecimento de sua natureza, mesmo pelos que o defendem. Lógico
que há também comentários muito positivos na internet, defesas, saudosismos,
afetos...mas, para o argumento que estou construindo, que parte da ideia de que
há muito preconceito infundado e desinformação sobre isso, por ora vou apresentar mais os
negativos...e só alguns positivos, que ninguém é de ferro!
Colei os prints, mas também os links das páginas de onde os retirei. Em alguns casos, vale assistir aos vídeos.
A partir de um vídeo no Youtube, de uma criança recitando o
abecê nordestino (que nomeiam de “baiano”), vejam o comentário, "salvando-nos": a culpa é da escola que ensina assim... Ainda bem que, junto, vem um outro comentário que, de fato, salva um pouco, ao menos culturalmente..mas trazendo uma ideia equivocada de "mais correto".
Um outro comentário, que só podia ser de alguém que tem esse apreço por sua pátria (ver nome do perfil), é assim:
Nessa outra página, UtilisInutilis, embora se apresentem como um blog de humor, de inutilidade, também o é, segundo eles mesmos, de curiosidades e informação. Vejam o absurdo:
Nessa outra página, UtilisInutilis, embora se apresentem como um blog de humor, de inutilidade, também o é, segundo eles mesmos, de curiosidades e informação. Vejam o absurdo:
Mas o pior é que, aos comentários revoltados com
tamanha asneira, a resposta dos administradores é só a de que o blog é
assumidamente um blog de humor, como se isso fosse licença e desse aval para o
preconceito e a propagação da desinformação. Nas palavras deles:
Somos piada! Uma das maiores! E o humor justifica...
Comentários kkkkkkk pululam na internet...às vezes uma graça, inclusive de nós baianos mesmos, nos reconhecendo ao modo de Seu Lua - "engraçado ouvir-se tanto ê" - às vezes uma manifestação mais debochada.
“Rir com” é muito diferente de “rir de” – podemos até rir de algumas piadas que implicam em diferenças regionais, apesar de trazerem preconceitos e estereótipos, a gente pode rir de algumas delas e rir com eles também – de outras regiões – sobre as coisas deles lá. Não pretendo defender a patrulha radical, mas uma coisa é brincar, a gozação quase amigável nas prosas entre amigos de outros sotaques, outra é "rir de", em cima de argumentos equivocados e preconceituosos, sem fundamento algum, e achar que se esconder atrás do argumento do humor dá conta.
Mas aí, nesse Utilis Inutilis, não é isso, não é "rir com". É preciso se responsabilizar pelo discurso que profere; não é porque é para ele engraçado que, automaticamente está liberado para propagar informações equivocadas. Chamar-se Utilis Inutilis não é desculpa para amenizar o preconceito pesado que é passado com ares de humor sem consequência.
Comentários kkkkkkk pululam na internet...às vezes uma graça, inclusive de nós baianos mesmos, nos reconhecendo ao modo de Seu Lua - "engraçado ouvir-se tanto ê" - às vezes uma manifestação mais debochada.
“Rir com” é muito diferente de “rir de” – podemos até rir de algumas piadas que implicam em diferenças regionais, apesar de trazerem preconceitos e estereótipos, a gente pode rir de algumas delas e rir com eles também – de outras regiões – sobre as coisas deles lá. Não pretendo defender a patrulha radical, mas uma coisa é brincar, a gozação quase amigável nas prosas entre amigos de outros sotaques, outra é "rir de", em cima de argumentos equivocados e preconceituosos, sem fundamento algum, e achar que se esconder atrás do argumento do humor dá conta.
Mas aí, nesse Utilis Inutilis, não é isso, não é "rir com". É preciso se responsabilizar pelo discurso que profere; não é porque é para ele engraçado que, automaticamente está liberado para propagar informações equivocadas. Chamar-se Utilis Inutilis não é desculpa para amenizar o preconceito pesado que é passado com ares de humor sem consequência.
Não bastasse a postura deles mesmos, olha o comentário de
outro, que prova exatamente isso: que a "informação" é tomada por muitos não como piada, mas como verdade. E tome-lhe mais desinformação e preconceito na interpretação e "explicação"...
Não vou nem comentar esse...não carece. Não vale meu
tempo...
Sei bem que o Facebook, o Youtube e outras redes estão
repletos de preconceitos e desinformação de diversas ordens – e com baianos,
então, já vimos o circo dos horrores! Tem coisa que não dá nem para considerar,
tamanho despautério...ou vamos parar de acreditar na humanidade. Não sou
ingênua ao fazer aqui esse recorte, sei que a questão é muito mais complexa.
Mas, de todo modo, vamos a mais algumas pérolas sobre o tema em
questão, em algumas postagens, vídeos e comentários.
Diante do vídeo, que já é de zoação, vejam os posts e comentários. Essa de baiano ser preguiçoso é antiga, mas aqui reinterpretada como preguiça até de pronunciar as letras "corretamente" – e o próprio baiano (no vídeo) reforça...se defende,
mas reforçando...
Gente! Socorro, pára que eu quero descer! Mesmo diante da
canção linda de Luiz Gonzaga, mestre que dispensa apresentações, vejam os
comentários:
Não Giancarlo, não "era", "é" ainda ensinado, e não por
analfabetos, mas por profissionais alfabetizados e letrados. Muitos baianos
ilustres, da literatura, intelectuais, das artes em geral, com reconhecimento
nacional e mesmo internacional, foram alfabetizados assim. Sinto lhe informar!
E outra resposta a Ingrid J.:
Outra de envergonhar Gonzagão:
E outra resposta a Ingrid J.:
Outra de envergonhar Gonzagão:
Ficou com vergonha de quê? Perdeu uma chance de apresentar a
rica diversidade cultural e linguística de nosso país...
Para falar tamanha asneira, melhor ficar anônima mesmo...
Sem comentários...
A resposta ao comentário em defesa da variedade linguística
é de chorar! Noção “sem noção” do que seja certo e errado, o que seja
dicionário e o que seja linguagem...
Em outro site, aqui, com a letra da canção de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, em meio às muitas manifestações de admiração por Seu Lua, pela canção, pelos abc do sertão, vejam as duas pérolas:
"Assassino do português" não vale nem comentar, pois está claro que aí está em jogo o desconhecimento do que seja uma língua, uma variedade, além do desconhecimento de que esse modo de falar os nomes das letras é totalmente lógico e legítimo. Mas o comentário anterior mostra que não houve nem o entendimento da própria letra. Alguém pode me dizer como Gonzagão poderia fazer um hino ao abc que se fala no sertão, sem saber que esse é outro abc? E isso nem é o que ela escreveu ali...é pior... Está chamando os nomes das letras do alfabeto, efe, gê, jota, ele, eme, ene, erre, esse, de "fonemas"? Impressionante! Passemos adiante...
O site Vida de Programador postou a seguinte tirinha, que gerou também alguns comentários. Dêlêlê se refere aos arquivos DLL.
Comentários:
Êita, William, então DLL necessariamente se lê dê-ele-ele? Tá puxado... E Cesar, provavelmente ninguém - ou alguns, sim, quem sabe - pronuncia dêlêlê, porque siglas com pronúncias consagradas de uma forma podem ser pronunciadas nessa forma, mesmo por quem nomeia as letras de outro modo em outros contextos. Ou se pronuncia o caminhão FNM como efe-ene-eme? E FFLCH como efe-efe-ele-che? Vejam sobre isso o post da primeira provocação, aqui.
E aqui um exemplo de que até pode ser que digam dêlêlê:
Pois é, isso de achar que as letras se dão a ler transparentemente, como lemos os numerais, é frequente... Por exemplo parece ser natural que L, M, R, se leia ele, eme, erre, não é? Só que não! Veja esse aqui:
É salutar, embora esse caso seja de um relato amistoso em relação à perplexidade de conhecer o nosso abecê. Mostro:
Abaixo, outra ideia que não procede, mesmo de defensores, visto que
a nomeação de efe, ele, eme, ene, erre, esse e etc, chegou a nós pelo alfabeto
latino e não pela “americanização” posterior da cultura ocidental, em função
das dinâmicas sociopolíticas e econômicas.
Não foi só nesse comentário que já vi dizer que seria
influência do alfabeto inglês, e a referência ao fato de que brasileiro gosta
de imitar os americanos. Essa é uma análise sem nenhum fundamento, pois o alfabeto usado pelos anglo-saxões, base do usado no inglês moderno, tem origem, igualmente, no alfabeto latino, como o português e as demais línguas europeias. Embora as raízes da língua falada sejam diversas, em termos de alfabeto, todos têm a mesma raiz latina (...que veio dos gregos...que veio dos fenícios...). Assim, além de equivocado o argumento, será que precisa discordar,
xingar, devolver com a mesma violência para defender o outro lado? Postas dessa
forma, mesmo as defesas me parecem fragilizar a discussão.
No contexto de uma discussão sobre as pronúncias que seriam corretas das vogais E e O - se abertas ou fechadas - surge um comentário, aqui, que defende a variação de "sotaque" quanto ao nome das consoantes também, mas incorre no mesmo equívoco de achar que nosso modo de se referir às letras não é nome, mas "entonação", pronúncia, "uso":
Justamente...se P é pê, o que impede de F poder ser fê, L ser lê? Que evidência há de que L deva ser, necessariamente, éle, e F, éfe? A afirmação toma como se houvesse uma evidência nas pronúncias em si mesmas...
No contexto de uma discussão sobre as pronúncias que seriam corretas das vogais E e O - se abertas ou fechadas - surge um comentário, aqui, que defende a variação de "sotaque" quanto ao nome das consoantes também, mas incorre no mesmo equívoco de achar que nosso modo de se referir às letras não é nome, mas "entonação", pronúncia, "uso":
Desse modo, às vezes, o que se revela nos comentários é o puro desconhecimento mesmo, não resvala ao preconceito - ou desconhecimentos como os casos acima, ou desconhecimento da existência desse modo de falar, como no caso abaixo. Nessa página de um professor português, em um post sobre a pronúncia da letra G – que em Portugal parece também oscilar entre gê e guê – o comentário é assim, com resposta certeira:
O seu Brasil, então, anônimo, não é o mesmo que o meu!
Mas essas situações, que revelam apenas a desinformação, não
são nada diante das críticas pesadas aos baianos e à Bahia. Talvez ainda
revoltados com os rumos da política nacional atual, talvez não...Não importa. O
preconceito com nossa cultura é antigo. Vamos de volta aos comentários do vídeo de
Vampeta, esse rendeu! E seguiremos com eles por algum tempo... Vamos lá, tem que ter estômago...
Ufa!!! A internet possibilitou termos a noção das asneiras
que se pensa por aí... deu aval ao compartilhamento de posicionamentos absurdos, pelos que se reconheceram como muitos...
Bom, mas, às vezes, os próprio baianos dão “pano pra manga” ao
preconceito, reforçando a opressão sofrida por seu próprio povo...e isso devido
à desinformação, à falta de firmeza quanto a nossa identidade cultural e
linguística e a certa exaltação ao que vem das outras regiões, supostamente
mais “correto”. E, podemos ainda fazer a hipótese: tem muito baiano que não fica confortável com a ideia de se reconhecer como nordestino. Nem todos os baianos falam assim, Daniel, mas ao desconhecer ou rechaçar sua própria cultura, é você quem está em falta.
Não gente...principalmente se estão falando da Bahia, esse
não é um jeito de decorar mais facilmente as letras ou de facilitar a
aprendizagem quando criança, não se fala assim apenas na infância e, muito
menos, é falar “anormalmente”. Nos referimos assim às letras, mesmo adultos,
letrados. Pode até ter sido, na origem, um modo de facilitar a soletração –
mas, pasmem! Isso veio da França e de Portugal, nem é “coisa de nordestino” nem
originalidade baiana, ou algo do gênero. E esse “facilitar” em nada está
relacionado à preguiça. No passado, antes da “colonização” do nosso abecê pelo outro
dito oficial, aprendia-se assim, sem nenhum problema, mesmo na capital baiana.
E em outras regiões do Nordeste também. O modo de referir a essas oito letras,
diferente do outro abecê, não se limitava nem se limita à infância. Seguimos
nos referindo desse modo às letras mesmo adultos – seja no passado, seja ainda
hoje.
Conheço muita gente, muita mesmo, que fala assim, pronunciando
as letras nordestinas nas situações sociais em que nos referimos a seus nomes
(salvo nas siglas já consagradas). Podemos até usar as outras letras, mas se
formos recitar o abecedário, muitos de nós só o faz com destreza, se for o
nosso abecê, aprendido na infância. Na Bahia, esse modo ainda vive, ainda é
ensinado e usado, para além da alfabetização, embora o outro abecê tenha
substituído o nosso em muitas escolas.
Temos que buscar argumentos mais contundentes e fortalecer esse traço de
nossa identidade, e não simplesmente aceitar essa “colonização”, repetindo
argumentos infundados. Vamos defender
esse uso, gente, não enfraquecê-lo!
Algumas defesas, entretanto, como essa abaixo, ficam no
campo de disputas bobas, em termos de certo e errado, que não levam a nada, nem
para defender, nem para criticar. Variar é próprio da língua... E aliás, essa
defesa ou ataque, nesses termos de certo e errado, é “bairrista”, igualmente
equivocada em termos histórico-culturais, como podemos ver:
Justamente, não tem isso de certo e errado, ainda mais
quando se trata de um aspecto como esse, cuja historicidade mostra que ambos os
modos tiveram origens muito remotas e ambos nos servem bem. Ambos nos servem
bem! Podemos aprender a ler com efe
ou com fê, são ambos legítimos. Como o
último comentário acima citou, trata-se do mesmo alfabeto, só oito letras têm
uma nomeação diferente. Tanto barulho por causa disso? (a questão é justamente
porque isso só é um pretexto para escoar preconceitos outros, de outra ordem, com
baianos e nordestinos). Inclusive, para quem se preocupa com a “oficialidade”,
elas já são sim dicionarizadas, bem como, no Acordo de 1990/2009, as letras
efe, gê, jota, ele, eme, ene, erre, esse são SUGERIDAS e há indicação de outras
formas como realizações possíveis.
Como diz o comentário abaixo, mostrem as leis que dizem que
nosso abecê está errado! Vamos buscar os fundamentos para justificar nossas
posições! Vamos parar de querer justificar o injustificável – e por vários
caminhos e argumentos podemos provar que são posições infundadas.
Mas em vez de revolta, de devolver na mesma moeda, prefiro
me engajar em informar, em discutir a questão de modo fundamentado. Vamos
reposicionar a questão, buscando informação. O desconhecimento é tanto motor de
preconceito quanto da falta de firmeza na defesa desse traço de nossa
identidade cultural, por nós mesmos.
No site do documentário Sertão como se fala, cuja equipe de filmagem, justamente, passou por diversos municípios do sertão nordestino,
mostrando essa diversidade do modo de pronunciar as letras e sua relação com a
cultura do Nordeste, encontramos esse comentário:
Não gente, efe não é nome e fê fonema – ele é que está
confundindo palavra e fonema. Fê é o nome da letra no Nordeste. É lexicalizado,
está dicionarizado. Fonema não se dicionariza, fonema não se pronuncia com ê,
como já discuti em outros posts e
como discutiremos mais a fundo em breve.
O desconhecimento, por vezes, é grave. Temos muitos
nordestinos trabalhando e se alfabetizando em outras regiões, e recebemos nas
escolas da Bahia crianças de outras regiões...Porque essas pessoas precisam
passar por constrangimentos relativos a um conhecimento tão simples, de que 8
letras do alfabeto podem ter dois nomes diferentes em diferentes regiões. É tão
simples de resolver – para que tanta celeuma inútil?
E isso vale tanto para quem ensina o abecê “oficial” dizendo
ser a única forma correta, quanto para quem ensina o nordestino e aceita apenas
essa forma. Temos duas formas, gente! Esse é um conhecimento que o Brasil todo
deve ter.
Vejam o caso abaixo relatado, bastante suis generis, que envolve diferenças entre os próprios nordestinos:
os baianos, que, em muitos casos, se mantêm mais fieis ao abecê que antes
circulava no Nordeste, e os pernambucanos, que, ao que parece, já o esqueceram,
ou ele se manteve/se mantém apenas em algumas partes do sertão pernambucano...
De qualquer modo, diferente dos casos mais frequentes, que
são de baianos que aprenderam exclusivamente o fê, guê, ji, lê, mê, nê, rê, si,
e se veem confusos na alfabetização com o outro abecê, nesse caso aqui a
confusão é, justamente, o contrário, esse abecê (aí referido como sendo apenas
da Bahia) ser imposto como o único correto. Bom, quanto a ser da Bahia, concordo que, hoje, ele é mais amplamente usado na Bahia, mas em municípios de outros Estados do sertão nordestino ainda se vê também...
Percebem que a questão posta em termos de certo e errado não
é favorável a NINGUÉM? Nem para assumir um abecê, nem o outro? Para ver outro relato interessante, ver aqui. Falar de diferenças regionais para aplacar o riso já instalado, como a autora do relato coloca, realmente não é bem o que resolve, mas se a diversidade for objeto de conhecimento desde sempre nas escolas, talvez possamos evitar tais constrangimentos.
Como
as pessoas de diferentes regiões (e mesmo na mesma região) se deslocam por
inúmeros motivos, o conhecimento, por todo Brasil, de que temos em nosso país dois
modos de nomear algumas letras, é fundamental para que ninguém sofra esse tipo
de constrangimento. Se nem no contexto do próprio Nordeste estamos imunes a
isso, imagina entre diferentes regiões! Muita gente nem sabe que existe outra
forma. Temos que, inclusive, desmistificar essa imagem do Nordeste como uma
região culturalmente homogênea, tendo uma identidade única. Não é.
Agora, achar que o abc do sertão só existia na canção de
Luiz Gonzaga, aí também já achei um pouquinho sem noção... e é uma nordestina!
Nunca pensou no que a canção do conterrâneo queria dizer? Precisamos conhecer
mais os nossos falares.
Pensando agora não em termos culturais, mas em termos
linguísticos, um comentário a esse post
traz, novamente, a confusão entre nome e som. Lógico que as letras nordestinas
se aproximam mais do som – e por isso mesmo, tendem a facilitar a alfabetização
– mas elas são nomes, não som, muito menos fonemas. Então, não tem nada a ver
com método fônico. As letras, seja que nomes tiverem, representam
fonemas – isso é do funcionamento da notação
da língua, não de um método específico de alfabetização, certo?
Bom, continuando minhas pesquisas em blogs, Face, # diversas...fui achando outras coisas...
Aqui, o próprio baiano do interior diz:
Vejam aqui um depoimento atribuído a Kledir Ramil, cantor gaúcho, em um blog do Rio Grande do Sul. Há estranhamento, mas acolhimento de nossa peculiaridade. E dá notícia de que, de fato, ainda usamos esses nomes de letras nas práticas sociais cotidianas, quando temos que nos referir a elas. Ainda bem!
Em uma postagem da página Sou mais Bahia, no Facebook, ressaltando positivamente nosso jeito diferente de pronunciar as letras, vê-se, nos comentários, ao lado da exaltação do nosso abecê, coisas assim, que passeiam entre preconceito, desconhecimento...e reações:
É isso, gente... Diante de meu interesse pelo tema, fui
pesquisando na internet e colecionando alguns prints, que me davam notícias de que, sim, há muito desconhecimento
e preconceito quanto ao abecê usado em algumas partes do Nordeste. Usado
antigamente de forma mais ampla e, em alguma medida ainda hoje, no sertão, mas usado
especialmente na Bahia, mesmo hoje, onde ainda é ensinado em muitas escolas –
geralmente simultaneamente ao outro – e mesmo na capital (a pesquisa que estou
fazendo com professores de municípios baianos trazem notícias concretas sobre
isso, em breve vamos conhecer os resultados).
Aqui, o próprio baiano do interior diz:
Vejam aqui um depoimento atribuído a Kledir Ramil, cantor gaúcho, em um blog do Rio Grande do Sul. Há estranhamento, mas acolhimento de nossa peculiaridade. E dá notícia de que, de fato, ainda usamos esses nomes de letras nas práticas sociais cotidianas, quando temos que nos referir a elas. Ainda bem!
Em uma postagem da página Sou mais Bahia, no Facebook, ressaltando positivamente nosso jeito diferente de pronunciar as letras, vê-se, nos comentários, ao lado da exaltação do nosso abecê, coisas assim, que passeiam entre preconceito, desconhecimento...e reações:
A ideia de postar esses prints
foi reforçada pela professora Dinéa Maria Sobral Muniz, da Faced/UFBA, quando
apresentei esse estudo para uma turma dela de estágio supervisionado em língua
portuguesa. É que, embora eu tenha os colecionado em minhas pesquisas pela
internet, de início, fiquei reticente em postá-los, por receio de parecer que
eu estaria entrando nessa disputa, nesses termos que questiono – o que não é o
caso e o que não vejo sentido.
Meu intuito ao mostrá-los é apenas argumentar, a partir de
dados concretos, que essa é, sim, uma questão importante de se discutir, embora
aparentemente secundária nas pautas do campo da alfabetização. E é importante
tanto pela questão cultural e sociolinguística envolvida, quanto devido ao fato
de que, linguisticamente, nosso abecê faz todo o sentido, por nomear as letras
de modo mais próximo a seus sons, usando o princípio acrofônico de forma direta
– o que é tido como favorável ao estabelecimento de relação entre grafemas e
fonemas, por vários estudiosos contemporâneos – como veremos em breve.
Esse princípio, aliás, como nos ensina o linguista Luiz
Carlos Cagliari, está na origem mesma do nosso sistema alfabético, desde os
fenícios. Retomado pelos romanos, foi essa ideia de os nomes dar pistas mais
diretas dos sons das letras que, inicialmente, estruturou o alfabeto latino.
Depois, como expliquei no post
anterior, é que veio o jeito de nomear com o –e antes (efe) e não
depois (fê) da consoante.
Então vamos pesquisar mais, não é gente?
E para terminar, vejam que interlocução fantástica: o desconhecimento e o conhecimento em diálogo mais cortês, aqui. E voltemos aos ensinamentos de nosso querido Gonzagão:
E para terminar, vejam que interlocução fantástica: o desconhecimento e o conhecimento em diálogo mais cortês, aqui. E voltemos aos ensinamentos de nosso querido Gonzagão:
Saudações alfabéticas,
Lica
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