As 5 etapas
Depois da Introdução dessa série, chegamos às milagrosas 5
etapas! São, segundo ele, etapas que antecedem o princípio alfabético, e
tomadas como exercícios prévios necessários à tomada de consciência dos
fonemas, algo que, de fato, como ele diz, é abstrato para as crianças. Então,
para que possam chegar nisso, precisam passar por tais etapas:
1ª Etapa: Leitura
partilhada
2ª Etapa: Memória
auditiva de curto prazo
3ª Etapa: Consciência de
frases e palavras
4ª Etapa: Consciência
silábica
5ª Etapa: Consciência
fonêmica
Prestem bem atenção
nisso, etapas que antecedem o princípio alfabético. Vamos a elas,
desconstruindo essa ideia de novidade e de segredo que as escolas não revelam, que
as professoras e pedagogas não sabem, e que poderia revolucionar o ensino –
revelação que garante aos pais alfabetizarem seus filhos! (sic!).
1ª
etapa – Leitura partilhada
O que ele chama de
leitura partilhada, após uma anedota supostamente “reveladora” que teria
acontecido com ele (merecia carinhas gargalhando...não dá para não rir...vão lá
ler), é os pais lerem para as crianças pequenas, que ainda não sabem ler com
autonomia... Oxe, e qual a novidade disso??? E onde é que leitura para e com os
filhos é etapa de alguma coisa? Já começa por aí... Chamar de “etapa” reduz
muito o que é essa rica prática de leitura.
Muitos autores já vêm tematizando
a leitura literária na primeira infância, seja do campo da leitura literária,
seja do campo da educação, inclusive construtivistas e sociointeracionistas que
ele odeia. Tem os que focam, inclusive, a leitura para bebês. E é uma prática,
justamente, de letramento e formação leitora. Mas ele vem com orientações
instrumentalizadas que torna essa prática potente em um mero passo-a-passo,
receituário de botica, que não dialoga com a vasta bibliografia que discute a
escuta da leitura na infância, especialmente a leitura literária. E é um campo
vastíssimo! E claro, ele ainda desconsidera a enorme diversidade de famílias,
silenciando completamente sobre a realidade brasileira em que muitas crianças
não têm esses pais que tenham condições de ler para as crianças. Ah, esqueci!
Ele está falando só para a família do comercial de margarina...
Bom, é digno de nota que
ele ressalta, nessa prática (que ele chama de etapa), apenas o léxico, a
aprendizagem de novas palavras e de estruturas frasais mais complexas, pois
isso teria ressonância na compreensão da leitura bem depois... Essa escuta de
histórias, evento de letramento fundamental na infância, tal qual sublinhado
por diversos autores, tem um papel muito mais importante do que esse. Sim, a
escuta de histórias como ação permanente é fundamental. Trata-se de formação
leitora, trata-se de se apropriar do discurso escrito, da linguagem e
textualidade próprias aos textos escritos em gêneros diversos, de diferenciar a
linguagem oral da escrita (ainda que oralizada), de ampliar a compreensão de
textos via oralidade, de se apropriar de comportamentos, procedimentos e
estratégias de leitura, tão bem discutidos por Lerner (2002), Rojo (2004) e
Solé (1998), e que eu discuto nesse artigo. Sim, porque a via é oral, mas o
texto lido é linguagem escrita! A única referência, rasa, a algum aspecto textual,
é a menção, na página 23, à apropriação de estruturas frasais mais complexas,
não presentes nas interações cotidianas. Bela redução! Frase solta não é texto,
justamente, não necessariamente. Fora isso, nada! Nada disso tudo elencado aí entra
no rol de aprendizagens envolvidas nessas práticas. O Guia fica apenas em
orientações e prescrições chulas e rasas, meio bobocas, e irresponsáveis até, quando
diz, por exemplo, que a leitura tem que ser todo dia, como se isso fosse uma
tarefa antibiótica, e não fazê-lo comprometeria todo o programa. Com isso, essa
prescrição rígida, traz a orientação para o terreno do não plausível, do
irreal, do prescritivo sem fundamento. Leitura frequente, né? Não significa
seguir uma bula. Muito menos de antibiótico.
De todo modo, ainda que tome
essa escuta da leitura de modo muito limitado, o que ele ressalta não deixa de
ser do âmbito do letramento – querendo ele ou não. A escuta de histórias na
infância é evento de letramento emergente. Ou seja, são orientações que,
paradoxalmente, se relacionam com o que ele abomina: letramento, práticas
sociais de leitura, etc.
E também revela a
contradição com sua bandeira de que os pais podem levar a cabo essa tarefa. Que
pais? Fora do mundinho Doriana dele, precisamos da escola, né, já que nem todas
as famílias podem cumprir com essa missão. Como diz Ângela Kleiman (1995), a
família é a agência de letramento mais potente nesse letramento emergente, e o
letramento não se dá apenas na escola mesmo, mas a responsabilidade da escola é
imensa, principalmente quando as famílias não oportunizam um rico contato com
as práticas de leitura e escrita, devido aos inúmeros problemas sociais que
nosso país enfrenta – inclusive devido a babacas como ele, que acha que o mundo
é só para uns.
Duas coisas precisamos
constatar: primeiro, até aqui, nenhuma novidade...ler para as crianças é
admitido como fundamental há muito tempo, e tomada como prática muito além de
uma etapa; segundo, até aqui nada disso tem relação com a apropriação do
sistema de escrita, com o princípio alfabético (lembrem que ele diz que são
etapas prévias para chegar a esse princípio...). Ele está, sem querer, é
dizendo que essa prática letrada é fundamental, hahahaha!
A única coisa que ele
ressalta é que essa leitura partilhada é “uma espécie de trampolim entre a
leitura em voz alta e a leitura silenciosa”. Diz ele: “quando seu filho começar
a ler livros sozinho, o desempenho dele será muito parecido com o que ele tinha
enquanto escutava histórias” (p. 22). Primeiro, gostaria de saber mesmo o que
ele está dizendo aí e que base “científica” ele tem para essa afirmação...
Depois, se tem esse trampolim, é justo porque as crianças aprendem sobre o
discurso escrito, aprendem as estratégias de compreensão leitora (via
oralidade), aspectos que se relacionam, justamente, com o letramento, com os
aspectos socioculturais e interativos (ou facetas, como refere Magda Soares) da
apropriação da escrita, e não dos aspectos propriamente linguísticos da
alfabetização (notação do sistema e sua base fonológica). Justamente o que ele
critica... Mas ele não leu Magda, não é? Bem como todo o campo teórico sobre a
formação leitora.
Pois...sem mais...
2ª
etapa – Memória auditiva de curto prazo
Memória auditiva de curto prazo – uma etapa? Kkkkkkk, só rindo
mesmo! Essa “etapa” é uma farsa
completa. A memória de trabalho e a memória verbal de curto prazo são,
evidentemente, fundamentais para desenvolver a atenção consciente na
apropriação inicial da leitura, mas daí a ser traduzida nessas situações
artificiais de condução pelos pais, há uma grande distância! O fato desse
aspecto cognitivo estar na base dos processamentos envolvidos na aprendizagem
da leitura, da transformação de sinais gráficos em linguagem, não significa,
diretamente, de forma tão simplória, explorá-lo dessa maneira bizarra que o
Guia propõe. Tudo o que é dito aí é desenvolvido nas brincadeiras e nas
interações sociais naturais na família, na escola, e em todos os grupos sociais
dos quais participam, entre as crianças, entre crianças e adultos. Brincadeiras
como “Boca de forno”, “Mamãe posso ir”, dentre outras, inclusive as de faz de
conta, são muito mais ricas e significativas em termos de obedecer a comandos
do que ordens aleatórias, sem nenhum sentido para a criança. Além disso, nas
interações reais cotidianas, isso acontece a todo momento – para que criar
situações fakes para treinar essa memória? Ah, lembrei, gostam
de fakes, gostam de treino, gostam de coisas sem significado...
Não é necessário nem desejável criar situações artificiais de
emissão de comandos para isso e tampouco colocar esse item como “pré-requisito”
para aprender o sistema alfabético. Para que “treinar” essa memória, se ela é
base das interações reais??? Balela!
É bizarro demais. Vira
um Guia de cumprir um passo-a-passo e passar adiante, tudo muito aligeirado, tudo
muito mágico. Quantos comando desses os pais devem fazer, Nadalim? Felizmente,
para as crianças, como a orientação é vaga, provavelmente os pais vão passar
rápido por isso, e seguir adiante...E as respostas das crianças, claro, não
terão nada a ver com o “exercício”, mas com o que já sabem fazer, por terem
aprendido...vivendo... interagindo...
E depois, se for considerar
essa coisa ampla como etapa precedente, que se relaciona com diversos outros aspectos
do desenvolvimento cognitivo, teria muitas outras a considerar, não é? Claro
que a memória é fundamental para se aprender a língua escrita (como tudo o
mais), mas a memória de longo prazo também é importante...e as tantas outras
competências cognitivas, funções executivas, que também se relacionam à
aprendizagem da leitura e da escrita... Por que elegeu só essa? Se ela vai a esse tão amplo, tem tantas
outras coisas...
Além das funções
executivas, cadê o desenvolvimento da linguagem oral e dos processos de
compreensão de discursos orais? E a função simbólica – diretamente associada à
escrita? Nem uma menção...né? Como defendem Luria e Vygotsky, a função
simbólica relaciona-se ao que chamam de pré-história da escrita! O gesto, o
desenho, os rabiscos, o faz de conta...tudo isso contribui para o
desenvolvimento da função simbólica – essencial para se compreender um sistema de
representação simbólica, que é a escrita alfabética. Instrumento cultural complexo,
a escrita envolve signos (de segunda ordem) e, portanto, o desenvolvimento da
função simbólica de primeira ordem é essencial. Cadê as orientações para
desenvolvê-la?
Até aqui nos perguntamos:
é isso o guia mágico, inovador, o segredo guardado a 7 chaves pelas escolas?
Vamos às etapas
propriamente linguísticas para ver se o segredo, a novidade, finalmente, vêm...
3ª
etapa – Consciência de frases e palavras
A primeira observação é
a que já fiz – vemos aqui proposta de situações artificiais quando há tantas
possibilidades de brincadeiras e interações linguageiras reais que dão conta
dessas aprendizagens. A criança brinca com a língua, e muitas de suas
brincadeiras já dão notícias de sua incipiente capacidade de manipular a
linguagem para provocar o riso, justamente por saber, ainda que
inconscientemente, que o enunciado proferido não cabe, fazendo, justamente, a
graça acontecer... A coerência sintática e semântica de enunciados verbais, bem
como a identificação de itens lexicais podem ser provocadas nessas situações e
mesmo em situações pedagógicas mais controladas, mas sem perder de vista os uso
reais ou lúdicos da linguagem.
Ou seja, o que precisa
mesmo, meu caro, é que as crianças possam brincar e se relacionar com outros sujeitos na escola, em casa
e em outros grupos sociais, especialmente no caso de famílias com poucas
condições de proporcionar essas interações e brincadeiras. Seja em conversas
sobre livros, histórias, atividades cotidianas, outros textos e sobre os
programas culturais dos quais participam, brincando com a língua, ou nas
vivências da cultura lúdica infantil, tudo isso pode acontecer de modo
significativo, natural, nas experiências de linguagem, e não em situações
artificialmente fabricadas, robotizadas. E se as crianças já têm isso em suas
interações familiares, as orientações artificiais serão meras constatações
frias e vazias de que sabem avaliar a gramaticalidade de uma frase... Coitadas
dessas crianças! Que tédio aprender e/ou interagir com a linguagem assim, toda
fragmentada, toda sem vida, toda maltratada, toda regrada, toda fatiada...
Prefiro brincar de substituições,
inversões e invenções, como “Quem cochicha, o rabo...encurta!”, “Quem cochicha,
o rabo...cochila”, “Quem espicha, o rabo cochicha”; “Foi à cadeira e perdeu a
feira...”; de transgredir cantigas "Atirei um gato no pau..."; de cantar “O meu chapéu tem 3 pontas”; de substituir as palavras em “Quando
digo Digo digo digo, não digo Diogo...” por outros pares, como alto/baixo, por
exemplo: “Quando digo alto, digo alto, não digo baixo...”; e tantas outras situações
que, brincando com as combinações e seleções, os eixos dos sintagmas e
paradigmas, no contexto de brincadeiras orais não regradas ou as ritualizadas
da cultura lúdica infantil, garantem o riso amplo e a aprendizagem sobre a gramaticalidade dos enunciados e a consciência de itens lexicais.
Bom, mas vamos aos
outros argumentos. Eles também me impelem a imaginar as barbaridades que pais
sem formação fariam a partir deles...
É fato que a consciência
lexical e a sintática são importantes para a apropriação da língua escrita. Mas
essas atividades metalinguísticas estão longe de ser expressas de forma
simplória como saber “o que é uma frase e, principalmente, que a frase se
compõe de uma sequência de palavras”, como Nadalim abre essa parte.
A orientação dele para
“ensinar o que é frase” é hilária:
“Você pode
definir frase de modo bem simples, dizendo que é uma breve historinha, e
oferecer o seguinte exemplo: “João foi à feira.” Depois de perguntar à criança
se ela entendeu a frase, interrogue-a: “Mas que foi que João fez?”. Seu filho
responderá: “Foi à feira.” Em seguida, faça esta outra pergunta: “Quem foi à
feira mesmo?”. E ele dirá: “João”.
Desse modo a
criança entenderá que a frase conta uma pequena história sobre quem faz e o que
é feito. Aqui se está ensinando, na verdade, a noção de sujeito e de predicado.
Para a pergunta: “Quem fez isto?” ou “O que fez isto?”, a resposta será o
sujeito; e para a pergunta: “Que ele fez?”, a resposta será o predicado. A
criança adquire assim a noção de que a frase é uma história curtinha, geralmente
composta de duas partes” (p. 24).
Ora, ora, caro youtuber, e o
que uma criança pequena quer com a definição de frase, com aprender sujeito e
predicado? Até porque é uma definição parcial, chula, de frase, e em situações sem
nenhuma coerência com o que é, de fato, consciência sintática. A consciência
sintática envolve a habilidade de
refletir e manipular mentalmente a estrutura gramatical das sentenças, mas no
Guia essa habilidade é simplificada ao extremo. E que tal falar da consciência
sintática e semântica, que andam muito juntas? Já aí, muitas outras
brincadeiras possíveis... Porque, sinceramente, à “frase” “Mas que foi que João
fez?”, será mesmo que o filho responderá: “Foi à feira.”? E se ele responder: “João
comprou melancia!”, resposta muito mais plausível para um sujeito que está
buscando o sentido da linguagem (porque é o que as crianças buscam, os sentidos
ou a graça com os significantes...) do que preocupado em aprender o conceito de
frase. Aliás, um conceito complicadíssimo o de frase... A consciência sintática em situações orais certamente é fundamental para aprender a língua escrita, mas daí a reduzi-la a "entender" que frase é uma historinha, me poupe, viu? A experiência com a linguagem oral, em si mesma,
contribui para desenvolver o senso de gramaticalidade de enunciados, e o
julgamento mais metalinguístico através de transgressões lúdicas dessa
gramaticalidade não tem preço nesse desenvolvimento. Muito longe dessas
prescrições bobocas desse Guia.
Daí, das “frases” ele
passa à consciência de palavras, dizendo que “as frases na mente das crianças
estão coarticuladas, uma palavra com outra, de modo tal que elas não conseguem
segmentar as frases”. Bom, em parte, podemos fazer certa concessão a essa
afirmação, mas ela é imprecisa, ainda assim. É a fala que é articulada, que
quer dizer que é segmentável em diversas unidades. Não é a frase num
embaralhamento na mente das crianças, e muito menos nesse modo de dizer quase
infantil. Mas digamos que aceitamos a afirmação, ok, interpretando-a como a realidade
articulada da fala. Ele conclui: “Por isso é importante praticar os exercícios
de tomada de consciência das palavras que compõem as frases”, simplificando
também a consciência lexical ao extremo, identificando-a com contar palavras –
e como as crianças vão saber o que são as palavras, Nadalim? Você mesmo não
disse que elas são “coarticuladas”?
A questão aí é que,
justamente, na corrente contínua da fala, essas unidades “palavras” não são
facilmente identificáveis por sujeitos ainda não alfabetizados, ou seja, os
sons se combinam na enunciação oral, e as palavras se combinam entre si de
forma que não as percebemos como unidades, não saibamos detectar facilmente
suas fronteiras. Experimente saber onde começam e terminam as palavras
enunciadas oralmente numa “frase” em língua estrangeira, que você não
conhece...
A consciência lexical envolve
a habilidade em segmentar a linguagem oral em palavras, seja aquelas com função
semântica (que possuem um significado independente do contexto, tais como os
substantivos, adjetivos, verbos), seja aquelas com função sintático-relacional
(que adquirem significado apenas no interior de sentenças, como as conjunções,
preposições, artigos). Só que para desenvolver a consciência lexical, é
necessário que a criança tenha estabelecido critérios gramaticais de
segmentação da linguagem. Entretanto, segundo pesquisas indicadas por Barrera e Maluf (2003), isso só parece ocorrer de modo sistemático por volta dos 7 anos
de idade. As autoras dizem, baseadas em Linnea Ehri – como elas pesquisadora da
ciência cognitiva da leitura –, que antes disso, embora as crianças sejam
capazes de produzir e compreender enunciados, seu conhecimento lexical é
implícito e inconsciente. Ou seja, onde estaria isso de que a consciência
lexical é anterior ao princípio alfabético? Até porque, ele está defendendo o
ensino desse princípio já na Educação Infantil. Contraditório, não é? Pesquisas mostram é que há pouca correlação entre consciência lexical e apropriação do funcionamento alfabético e, quando há, há muitos outros aspectos em jogo. Ademais, a consciência
de unidades menores mais globais como as sílabas contribuem também para o
desenvolvimento da consciência lexical. Além de tudo disso, como podemos aprender a
partir de Gombert (1990), dentre outros – inclusive autores também do campo da
ciência da leitura – as relações entre consciência fonológica, sintática,
semântica, lexical e morfológica são bem mais dinâmicas do que essa hierarquia
rígida que Nadalim coloca, como “etapa precedente” e treino para, magicamente,
adquirir essa “consciência” do que é frase e palavra. Se há certas hierarquias
entre essas capacidades metalinguísticas, muitas pesquisas mostram, no entanto, que elas
mais se “embaralham” do que se enfileiram, como querem os que gostam de
simplificações.
É fato que a consciência
lexical e a sintática são importantes para a apropriação da língua escrita, mas
isso não é, necessariamente, prévio à consciência de unidades menores. Várias
pesquisas mostram, justamente, que a consciência explícita da unidade lexical
se dá, justamente, com aprendizagem da escrita, e não previamente. Sim, a fala
é coarticulada e é justamente a escrita que consolida a noção de “palavra”. Não
há isso de ter que ter consciência de todas as palavras para poder aprender o
princípio alfabético. Prova disso é que muitas crianças, mesmo já tendo passado
pelo processo inicial de alfabetização e já considerando o princípio
alfabético, ao escreverem textos aglutinam diversas palavras, especialmente as
sintático-relacionais, que são aglutinadas às que têm função semântica. Ou seja, são
aprendizagens concomitantes e não uma precedente à outra. Certos níveis de habilidades metalinguísticas,
seja de ordem lexical ou sintática, certamente precedem a apropriação da
escrita, e podem ser verificadas entre crianças não alfabetizadas, mas a
alfabetização é que as desenvolve, em grande medida, especialmente a consciência lexical.
Vejam o que dizem
Barrera e Maluf (2003, p. 501), lembrando que Regina Maluf fez, brevemente,
parte da Secretaria da Alfabetização de Nadalim:
Ou seja...o que ele diz
não tem substância nem na perspectiva que ele assume como sua – a da ciência
cognitiva! Vejam, estou referindo a autoras alinhadas ao que ele diz defender,
não aos de outras concepções... Acho que até aquelas teriam vergonha alheia
disso tudo...
Soma-se a tudo já
discutido, um modo de enunciar nesse Guia que dá a entender que se o pai faz um
pouquinho, o/a menino/a já aprendeu!!! Mágica! Pois...como tá lá, é bem o que
vai acontecer. Quase um ensino da metalinguagem, depois de forçar a barra para
o/a menino/a dar a resposta esperada, como ele mesmo diz: “[...] utilizando
inicialmente frases curtas, você pedirá que seu filho diga quantas palavras há
na frase. Por exemplo: “Paulo pulou” (ao pronunciar, faça uma pequena pausa
entre as palavras). A criança deverá responder: ‘Duas’” (p. 24-25). E se não
responder, Nadalim? (???). Tá preparado para isso? Os pais estarão? (!!!). Ah!
Contam as palavras porque os pais vão falar cada uma bem separadinha ou
ajudados por elementos concretos, para contar menos abstratamente... Affe, me
poupe, viu?! Essa pausa indicada aí – artificializando duplamente a língua – já
dá a resposta, né? Está querendo ensinar a língua ou a contagem??? Fiquei em
dúvida!
A simplificação, que
reduz o que é complexo, rico, amplo a algo fragmentado, técnico, mágico, nesse
passo-a-passo rígido, nessa situação idealizada (em que a criança deverá
responder o esperado), não é apenas uma estratégia para “falar para pais”, é um
total charlatanismo, de quem não conhece nem mesmo o campo ao qual diz se
filiar – a ciência da leitura.
É muito, muito
importante aí, nessa discussão, também diferenciar o que é procedimental,
espontâneo, implícito, epilinguístico, do que é declarativo, consciente, explícito,
metalinguístico, no que se refere aos conhecimentos fonológico, lexical e sintático
manifestos pelas crianças. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e
o modo de abordar esses conhecimentos, em diferentes momentos, precisa
considerar a criança! A brincadeira epilinguística e a conscientização metalinguística
gradual dos aspectos formais e estruturais da linguagem oral não têm que ser um
rol de exercícios, de treinos, de estudo enfadonho...
Para terminarmos essa
discussão com refrigério, sugiro assistirem minha fala no Ceale Debate, sobre
textos poético-musicais da tradição oral na alfabetização, em que abordo a
reflexão metalinguística de forma significativa, no contexto das práticas
lúdicas infantis.
No próximo post, aqui, vamos
falar das etapas 4 e 5, mais diretamente relacionadas à alfabetização, que é a
consciência silábica e fonêmica...Pensa que vai melhorar?