domingo, 12 de agosto de 2018

Faltando Vogais Trava-línguas

Seguindo o post anterior do jogo Trave o trava-língua, que é para crianças que já estão em processo de compreensão do funcionamento alfabético do sistema, sugiro aqui um outro jogo com esse gênero, mas agora para crianças que estão no processo inicial de fonetização da escrita. Como o jogo anterior, esse também está em processo de testagem com as crianças, pode não ser tão simples de jogar, no caso de crianças nesse nível de domínio da língua. Mesmo assim, apresento-o aqui.

O Faltando Vogais original é um jogo em que faltam as vogais nas palavras escritas, para que as crianças preencham a partir de lance de dado de vogais. No caso da versão Trava-línguas do jogo, os trava-línguas apresentados são aqueles que trazem assonâncias (repetições de fonemas vocálicos) ou alternâncias de fonemas vocálicos.

Embora os trava-línguas constituam um gênero da tradição oral muito propício para abordar a consciência fonêmica, a consciência de unidades intrassilábicas e as sílabas complexas, com crianças já em processo de apropriação do princípio alfabético, eles também pode ser produtivos para crianças menores, em processo inicial de fonetização da escrita. Isso porque, em alguns deles podemos também chamar a atenção para os sons das vogais e para a sua representação gráfica. Veja como o trava-língua seguinte chama a atenção para o A: “Iara amarra. A arara rara. A rara arara. De Araraquara”, e esse que embola pelos fonemas vocálicos: “O que é que o eco é? O eco é o que o eco é!” Analisar esses sons vocálicos oralmente e depois ver que letras os representam no texto escrito é muito bom para iniciar a fonetização da escrita. A identificação oral dos fonemas vocálicos é mais direta, pois são fonemas que soam (diferente dos fonemas consonantais que só soam com as vogais), e sua representação gráfica é facilitada pelo próprio nome da letra, que coincide com ao menos um dos sons que representa (as vogais letras são apenas 5, mas as vogais “sons” são 12: 5 vogais orais, 5 vogais nasais e o E e O fechados).  Assim, como dito no início, trata-se de um jogo que pode ser experimentado com crianças no início da fonetização da escrita, quando os fonemas vocálicos e sua representação pelas vogais ajudam a criança a compreender que a escrita representa a fala, e que o que se diz tem relação com a letra que deve ser escrita. Além de contribuir para usarem letras pertinentes (de fato presentes na sílaba que se quer grafar) quando representam segmentos silábicos por uma vogal apenas.

Embora o jogo Faltando Vogais Trava-línguas apresente os trava-línguas por escrito, é essencial brincar com eles oralmente, antes de propor o jogo, como insisto sempre. Isso por que se trata de um gênero de tradição oral, cuja função primordial é brincar com as palavras, travar a língua, se embolar na pronúncia, desafiar os tropeços do texto. Depois, para jogar o jogo, as crianças precisam memorizar os textos e isso é se dá pelas próprias necessidades do brincar.

Assim, depois de fazer um levantamento de quem sabe algum trava-língua e de brincar com eles, passa-se a focar a atenção na memorização do repertório do jogo. Após ouvir a professora dizê-los, pode-se propor memorizar cada um por vez, a partir de algumas estratégias:

- Dizê-los pausadamente, seguindo a enunciação da professora, palavra por palavra;

- Depois experimentar dizê-los baixinho, sussurrando, depois bem alto...com ajuda do(a) professor(a);
- Cada criança, em ordem na roda, ficar responsável por uma parte ou uma palavra do trava-língua e, na ordem estabelecida, dizê-las, sucessivamente, formando o todo;
- Dizê-los falando “pim” a cada palavra enunciada (ex. O pim rato pim roeu pim a pim roupa pim do pim rei pim de pim Roma pim), com a ajuda do(a) professor(a);
- Usar fichas com os trava-línguas com informações figurativas, para apoiar a memória (ver abaixo).
- Etc...


Após a brincadeira oral, a familiaridade e memorização das crianças em relação a esse repertório de trava-línguas, então o jogo pode ser proposto. Esse kit compõe-se de 8 cartelas de trava-línguas, ou seja, podem jogar oito crianças, cada uma com a sua cartela, jogando em pares, ou 16 crianças, jogando em dupla contra outras duplas. Compõe-se também de letras móveis para preencher as cartelas com as vogais faltantes, e 4 dados de vogais. 


Os dados devem conter as cinco vogais, uma em cada face e a face restante equivale ou a perder a vez ou a escolher a letra que precisa – o grupo tem que combinar a regra antes do início do jogo. Pode variar essa regra também em diferentes dias de jogo, experimentando as duas formas. Outra opção é essa face valer também a letra A, pois é uma letra mais frequente.

O kit contém ainda fichas de trava-línguas enigmáticos (com figuras) para ajudar a memorizar os textos (Essas fichas também se constituem, em tamanho maior, em um jogo à parte).

Sugere-se que as crianças joguem em duplas, para se ajudarem, mas se pode também jogar individualmente, a depender do grupo, das possibilidades das crianças. Pode começar em dupla e, quando estiverem familiarizados com o jogo, propor se querem jogar individualmente. Para turmas com uma quantidade de alunos que ultrapassa as cartelas do jogo, o professor deve planejar outros jogos para alternar o uso, ou fazer mais cartelas. Como o uso de jogos na sala de aula deve ser bem planejado, é importante contemplar crianças mais adiantadas com outros jogos que as desafiem em seu nível de domínio do sistema de escrita. Para algumas esse jogo envolvendo fonemas vocálicos pode ser ainda difícil (que não saibam ainda identificar e nomear as letras, por exemplo) e, para outras, muito fácil (crianças avançadas na fonetização da escrita, para as quais o foco nos fonemas consonantais é mais produtivos – pode-se fazer um Faltando consoantes para essas, ou outros jogos).

Cada dupla/criança recebe uma cartela com o trava-língua. Cada dupla/criança joga com outra dupla/criança, cada uma com sua cartela. Não tem importância se um trava-língua é um pouco maior que o outro, pois a sorte no dado também define o preenchimento. Mas é bom equilibrar as escolhas dos trava-línguas que vão ser “oponentes”, quanto a isso.


As letras móveis para preencher os textos ficam no meio, para todos terem acesso. Pode também fazer mais letras e colocar um punhado em cada mesa, com duas duplas ou duas crianças. Cada dupla/criança joga o dado na sua vez e pega a vogal indicada na face, caso precise dela para preencher seu texto. A cada jogada só pode pegar uma letra. Se a letra sorteada não servir, passa-se a vez para o outro jogador. Vence a dupla/criança que preencher primeiro a cartela. Mas como o jogo é de sorte, mais que tudo, as duplas/crianças podem se ajudar na decisão sobre que letra vai onde.

O jogo não é tão simples quanto o Faltando Vogais original, pois além de ter que ir ajustando o oral ao escrito para reconhecer as palavras e encontrar as vogais faltantes, é preciso também gerir várias palavras e vogais ao mesmo tempo. Talvez por isso mesmo, em sua avaliação, seja preciso adequar e, quiçá, até abandoná-lo. O professor pode ajudar a encontrar estratégias para isso – pode pedir que analisem o texto antes, anotando primeiro todas as vogais lacunadas do texto, para consultar durante o jogo, e saber quando cai no dado uma de que precisam. Pode-se, por outro lado, jogar valendo encontrar uma vogal de cada vez, na ordem das jogadas. Só passa à lacuna seguinte após completar a anterior.

Quando demora de sair a letra que precisam, pode jogar valendo lançar o dado 2 ou 3 vezes antes de passar a vez ao outro jogador.

O professor deve circular nas mesas ajudando-os a prestarem atenção no som das palavras para que possam encontrar a letra que deve ser posta em determinado lugar e a gerir as diferentes palavras lacunadas. 

Terminada a partida, as crianças podem trocar as cartelas e recomeçar!

NOTA POSTERIOR:O processo de avaliação, ainda em curso, já mostra que, diferente do Faltando Vogais original, no qual a criança precisa focar em apenas uma palavra ou um grupo pequeno de palavras por vez, indicadas por uma figura, o Trava-línguas faltando vogais, no entanto, pareceu muito complexo para as crianças nesse nível inicial de fonetização da escrita. O contexto textual exige que considerem muitos elementos ao mesmo tempo – texto, palavra, letras –, criando o desafio a mais de acompanhamento do texto e de identificação da palavra visada e um maior controle das palavras, ao tempo que também devem pensar nas unidades vocálicas nelas presentes. Ademais, não sendo compostas apenas de sílabas simples, as palavras do texto dificultam a análise dos sons vocálicos faltantes. Mesmo sabendo a maioria dos textos de memória, apenas algumas crianças (grupo 5 de uma escola privada e do 2º ano de uma escola pública), em níveis iniciais de fonetização da escrita, conseguiram preencher, e com esforço, os trava-línguas mais curtos e menos complexos em termos da presença de desafios articulatórios e de sílabas complexas. Talvez esses possamos considerar em manter numa segunda versão do jogo. Os do 2º ano, uma vez que reconheciam as palavras com o apoio do que sabiam de cor, logo identificavam a vogal faltante sem maiores esforços, mas era um desafio para elas reconhecê-las no texto e considerar todos os elementos ao mesmo tempo. Assim, mesmo com o apoio no texto sabido de memória, o desafio de controlar a palavra, suas partes, e também a palavra no enunciado maior, foi além do que podem dar conta no nível inicial, não atingindo a função didática do jogo. A estratégia de dar um modelo: o r_to r_eu a roup_ do r_i de Rom_ (o rato roeu a roupa do rei de Roma), em algumas turmas, não surtiu efeito facilitador dos desafios referidos, na maioria dos casos, mas esse aspecto merece ainda pesquisa suplementar.

Com isso, não iremos abandonar o jogo, mas reformulá-lo e tentar ver que adaptações podem torná-lo produtivo.

11 comentários:

  1. Aluna: Crislane dos Santos Soares
    Disciplina EDCB85

    Nossa, que leitura mais gostosa! Esses jogos são essenciais para crianças que nesse caso, estão no processo inicial de fonetização da escrita, pois, fazem com que as crianças analisem que certa forma, os sons constituintes de cada palavra presente nos joguinhos e de forma lúdica. E assim como o texto deixa claro, o trava-língua pode ser usado com crianças menores, sim, ele pode chamar a tenção das crianças para os sons das vogais e sua representação gráfica.
    Vale a pena a leitura.

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    1. Que bom que gostou, Crislane!
      Isso mesmo! Embora os trava-línguas sejam especialmente produtivos para as crianças já em processo de compreensão do funcionamento alfabético, pois, justamente, suas aliterações chamam a atenção para os fonemas consonantais, trabalhando a consciência fonêmica, também são legais para chamar a atenção para os fonemas vocálicos, no momento inicial de fonetização da escrita.
      É isso mesmo. E esse joguinho faz isso.

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  2. Aprender a ler vai além do domínio da alfabetização. Participar do processo de letramento é poder interpretar os símbolos apresentados pela grafia, dando sentido à escrita na medida em que ela é conceituada e representada. O trava-línguas é uma brincadeira bastante elucidativa neste sentido, pois desafia o participante a soletrar fonemas que exigem boa articulação para serem pronunciados. A repetição de fonemas, vogais e consoantes nas sentenças gramaticais exigem do leitor um exercício da língua portuguesa a partir dos sons.
    Um dos fatores interessantes que permeiam o brincar de trava-língua é seu caráter pedagógico, na medida em que sociabiliza os seus participantes a partir de risos coletivos e relativização do papel de vencedor. Isto porque esta atividade lúdica é difícil para qualquer pessoa - seja aluno ou professor – e a concretização do objetivo de falar corretamente as palavras torna-se um desejo coletivo, mesmo que seja alcançado por apenas uma pessoa.
    A consciência fonológica aliada ao saber poético é de grande valia para o enriquecimento oratório das pessoas. Trata-se de exercitar o que é adquirido com o estudo da linguagem a partir de um aparato que a complemente. Dando suporte a novas possibilidades linguísticas e ramificando o que é aprendido a partir da escrita e da leitura. O trava-línguas é um bom exemplo disso.

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
    FACULDADE DE EDUCAÇÃO
    DISCIPLINA: EDCB85 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
    ESTUDANTE: SANDRA MACHADO DA SILVA
    PROFESSORA: LIANE CASTRO DE ARAÚJO
    TURNO: MATUTINO

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    1. Sandra, eu também gosto demais dos trava-línguas, tanto por essa natureza lúdica, que provoca o riso coletivo, cúmplice, quanto por ser tão produtivo à alfabetização...
      Veremos mais sobre isso adiante!

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  3. FERNANDA OLIVEIRA RIBEIRO
    EDCB85 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO - 2019.2

    Oi pró!
    Depois de brincarmos com o "trave o trava-língua" na sala fiquei me questionando uma forma de adaptar os comandos e o jogo para as diferentes etapas de alfabetização das crianças, mas acabou que tive que ir pro trabalho e isso ficou para lá.
    Quando cheguei aqui para buscar gêneros da tradição oral encontrei esse post comentando a atividade que fizemos em classe e trazendo uma outra possibilidade para as crianças que estão começando o processo de fonetização e utilizando as vogais para representar as palavras através dos sons.
    Gostei bastante do que a senhora trouxe e penso que podemos fazer atividades desse tipo quando forem maiores para "trabalhar" os dígrafos. Lembro que foi para mim e ainda é para as crianças (já alfabetizadas) uma grande dificuldade usar o RR, SS, LH, NH... Acho que esse tipo de atividade pode ajudar na construção e elaboração dessas palavras.
    Beijinhos!

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    1. Oi, Fernanda!
      Sim, quando a gente "pega o jeito", pode adaptar para muitas outras aprendizagens!
      Os trava-línguas são, especialmente, bons para a consciência fonêmica (especialmente consonantal), de aliterações (repetição desses fonemas e sua identidade no início das palavras), de outras unidades intrassilábicas, como os encontros consonantais e, justamente por isso, as sílabas complexas. Então, os dígrafos vão nessa linha também. E além desses aspectos, podemos adaptar para outras coisas, claro.
      Desde que não percamos de vista o valor performático dos textos, sua função brincante primordial, eles podem ser contexto para muitas reflexões , na continuidade das práticas lúdicas da cultura infantil.

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  4. Olá professora!
    Achei muito interessante o jogo e gosto muito da temática de jogos na educação. Eu acho muito bom trabalhar com diversos jogos, ampliando a cultura lúdica das crianças. A senhora acha mais interessante levar apenas um jogo por vez ou vários? Quais são os benefícios e contras de levar só um jogo e de levar vários? Eu acredito que do ponto de vista da concepção de lúdico e ludicidade que vários autores discutem como Luckesi (2014), se levarmos apenas um jogo pode não ser lúdico para alguns e acredito que o principio de se trabalhar com o jogo é proporcionar uma atividade lúdica que estimule a ludicidade das crianças e aprendizagens. Claro que há jogos que demandam mais tempo e tem um maior envolvimento. Entretanto, diante dessa questão de poder haver alunos que não vejam um jogo que você propôs lúdico, como proceder?

    Vitor Rafael Ribeiro
    EDCB85, 2019.2 Diurno

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    1. Oi, Vitor!
      São muitas coisas aí...
      O jogo didático tem isso do equilíbrio entre lúdico e didático, não é só o lúdico que deve ser assegurado. Em todo caso, sempre é bom ter opções na manga, não é?
      Mas na verdade, em geral, considerando que as turmas são bem heterogêneas, nunca é só um jogo, a não ser quando são jogos que dá para brincar com todos juntos - como bingo de rimas ou qualquer outro bingo fonológico.
      Mas não tem regra...Você pode planejar um jogo com todos, e pode planejar diversos jogos, um em cada mesa, sejam eles jogos com desafios semelhantes (se for o caso) ou diferenciados, desafiando todas as crianças em seus respectivos níveis.
      O jogo é uma estratégia didática, sua natureza lúdica vai depender de como você o propõe. Do mesmo modo, sem planejamento, ele pode ser apenas uma brincadeira, sem intenção didática. Por isso a Kishimoto fala de equilibrar função lúdica e didática.
      Agora quanto a sua pergunta mais específica, o professor deve sempre ter na sua paleta estratégias diversas que possa lançar mão. Sabendo do desafio didático, pode oferecer alternativas para crianças que não se afinem com determinadas propostas (verdadeiramente, porque uma resistência inicial não implica em não ter chance de se envolverem...As crianças andam muito mimadas e mandonas às vezes, não acho que os adultos devam se curvar a todos os seus caprichos sempre...Uma incentivada e negociação pode fazer uma grande diferença na educação dessas crianças... certo?).
      É isso. Não tem receita, não!

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  5. Esses jogos de completar os trava-línguas com as vogais que faltam é muito interessante! Com esse tipo de jogo dá para tirar o foco das consoantes e trabalhar com as vogais, que são mais facilmente percebidas pelas crianças. Além disso, as que ainda não estão alfabéticas ou silábico-alfabéticas conseguem completar a atividade, principalmente se os colegas que já chegaram nessa fase as ajudarem.
    Os trava-línguas são uma ferramenta muito legal de se usar, e com o apoio da escrita, a consciência fonológica só tende a crescer, além de ser divertido para todo mundo (crianças e adultos), pois a brincadeira, por si só, está em tentar reproduzi-los e se atrapalhar mesmo.
    Taíne Rabelo S. de Queiroz
    EDCB85 - Alfabetização e Letramento - 2019.2

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    1. Pois é, Taíne...
      Os trava-línguas, por si só, já é um desafio articulatório que chama a atenção aos fonemas, não é?

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