terça-feira, 13 de setembro de 2022

Produção de recursos didáticos no LAP: processo de avaliação e validação.

Comecei a produzir jogos e materiais didáticos há muito tempo, muito antes da UFBA, do BLOG, do LAP. Mas hoje, esse trabalho, muito mais fundamentado, elaborado e compartilhado com outras pesquisadoras, faz parte das minhas atividades de ensino, pesquisa e extensão na FACED/UFBA, no âmbito da atuação do LAP - Laboratório de Acervos e Práticas. Hoje, todas as propostas envolvendo experimentar, criar, produzir, avaliar, validar e mobilizar didaticamente esses materiais de ensino na práticas alfabetizadoras, fazem parte das ações do LAP.

Assim, para contextualizar a discussão sobre a produção de recursos do LAP, é importante conhecer o laboratório, seus acervos de recursos, as oficinas envolvendo essa dimensão material - aspectos que foram brevemente abordados nas postagens anteriores aqui no blog. Aqui fala do LAP e aqui apresenta os recursos didáticos dos acervos do LAP e depois falarei mais das oficinas, resumidas nesse post. Você pode também acessar as redes sociais do LAP: Instagram e Facebook e o artigo no V CONBAlf 2021. Há também apresentações em vídeo sobre o LAP em alguns eventos, especialmente a mesa no Congresso da UFBA, onde falo do LAP e há o lançamento da Rede AlfaLABS e a apresentação do LAP no Ceale Debate - Laboratórios de Alfabetização, que conta, também com a apresentação dos outros laboratórios da Rede, veja aqui a Playlist. Na BIO do IG do LAP tem também esses links, sempre atualizados. No nosso livro, que está no forno e sairá em breve, também tem um capítulo sobre o LAP e os outros laboratórios, atualizarei a informação aqui quando estiver publicado. 

O LAP - Laboratório de Acervos e Práticas, da FACED/UFBA, desenvolve ações permanentes ligadas a sua dimensão material, envolvendo a experimentação, análise, criação, produção, avaliação, validação e a mobilização de recursos didáticos. A produção de materiais para alfabetizar em oficinas se dão para compor o acervo do próprio LAP, para compor acervos de seus participantes, estudantes, docentes, interessados em geral. Em situações formativas, seja para atender a situações reais da prática pedagógica (em contexto de pesquisas, estágios, dentre outras), seja em situações em que se parte de conteúdos e objetivos de aprendizagem para conceber um recurso, os acervos são mobilizados em articulação mais direta com a dimensão didático-pedagógica do LAP. Na verdade, os recursos envolvem as três dimensões do laboratório, já que também há em seus acervos, jogos e materiais ludopedagógicos a partir do repertório da tradição oral. 

As oficinas da dimensão material do LAP podem ser de três tipos: 

  • Oficinas de mobilização dos recursos do LAP (acervos diversos agregado no laboratório ou os recursos produzidos em seu contexto), com análise e discussão sobre suas potencialidades didáticas e /ou planejamento de estratégias a partir deles e em articulação com outras estratégias;
  • Oficinas de produção de recursos dos acervos produzidos no próprio LAP (os participantes farão seus kits de recursos dos materiais desenvolvidos no LAP, ou antes do LAP, mas agregados a ele depois);
  • Oficinas de criação de novos recursos (desde o planejamento do recurso, a partir de alguma situação real de sala de aula ou a partir de conteúdos e objetivos de aprendizagem definidos.

Além dessas, oficinas de planejamento didático podem ser ofertadas, bem como outras situações formativas envolvendo o desenvolvimento de estratégias didáticas a partir desses recursos, ressaltando-se as mediações, a combinação com outras estratégias, a avaliação das situações propostas. A dimensão material se articula à dimensão didática sempre, pois é inerente à própria concepção de recurso didático, tal qual discutido em Araujo (2018). Mas há situações formativas que articulam de forma mais contundente e direta as duas dimensões (junto com a dimensão simbólico-cultual também, como já dito). A própria produção e avaliação de recursos envolve, sempre, a reflexão sobre seus usos didáticos, ainda mais, em um contexto formativo, em que tais procedimentos estão articulados a ações de formação para a docência em alfabetização. Temos, assim, há algum tempo, discutido sobre o papel da produção de recursos didáticos na formação inicial de professores. Recursos didáticos o são na medida em que articulados a objetivos de aprendizagem e às estratégias didáticas mobilizadas no planejamento e na ação docente. Dessa forma, a dimensão material não se separa da dimensão didática. Os saberes teóricos e didáticos precisam se articular ao processo de produção de materiais, pois essa produção não é uma mera confecção de apetrechos concretos, a própria confecção do recurso, de seus usos potenciais, implicam em pensar em seus aspectos didáticos. 

O LAP promove também ações de planejamento e desenvolvimento de estratégias didáticas a partir de repertórios culturais, como a literatura e a tradição oral, se articulando também à dimensão simbólico-cultural. O uso planejado de recursos em contextos reflexivos, significativos, lúdicos e letrados, nas práticas alfabetizadoras, é um campo que venho estudando e discutindo há mais de vinte anos.  

Bom, dito tudo isso, passemos a falar especificamente às etapas de produção de recursos no LAP. Nos dedicamos agora a  estabelecer - a partir de referenciais diversos que fundamentam esses procedimentos - as etapas da produção de recursos, desde sua experimentação, planejamento e criação de recursos, até sua avaliação junto ao público visado pelo recurso e sua validação. Como espaço de formação para a docência em alfabetização, o LAP produz recursos no contexto formativo e, dessa forma, essa sequência de procedimentos de produção se articula às preocupações teórico-metodológicas, didáticas e formativas, desde a criação dos recursos até o uso planejado do que foi produzido.

Os conteúdos e modos de abordá-los, os objetivos de aprendizagem e os referenciais para fundamentar os recursos que produzimos vêm a partir de diversos autores do campo da alfabetização, em especial Morais (2012; 2019), Soares (2016; 2020), Brandão e Rosa (2021), Morais, Albuquerque e Leal (2005), dentre outros. Os recursos são criados aliando esses referenciais a alguns autores que discutem, especificamente, sobre a produção de jogos e dispositivos de ensino, em especial Leffa (2003) e Dolz (2016), junto com alguns autores do campo do design de jogos, como Salen e Zimmerman (2012), dentre outros. A partir das etapas de produção que esses autores propõem, estabelecemos as seguintes etapas da produção de recursos no LAP:


- EXPERIMENTAÇÃO dos recursos, de jogos, sejam esses do acervo produzido no LAP, sejam do acervo mais amplo, tal qual discutido no post sobre os acervos do LAP. A experimentação permite conhecer os recursos e os jogos, discutir sobre seus usos, sobre sua produção, conhecer possibilidades para ter referências para criar novos. No caso de jogos, é oportunidade de refletir sobre suas mecânicas, experimentar a jogabilidade, se inspirar para criar novas propostas. A experimentação pode ser uma etapa das oficinas de criação e de produção de recursos ou uma oficina em si mesma, e pode ser parte de ações de pesquisa e extensão do LAP junto a bolsistas e estudantes. 

- PLANEJAMENTO do recurso a partir de uma demanda real da sala de aula ou de conteúdo e objetivos estabelecidos (implica nos esboços para se chegar a uma ideia, e a textualização inicial de suas regras). Pode ser realizado em contexto das oficinas de criação de recursos ou em outras situações formativas envolvendo estudantes ou estudantes e docentes da educação básica, que planejam em grupos os recursos; e pode ser em até em contexto de pesquisa e de ensino;

- Produção do PROTÓTIPO do recurso e de suas regras explícitas (uma versão "usável" ou "jogável" do recurso planejado e o texto de suas regras de uso). Trata-se de uma etapa articulada à etapa do planejamento, sendo portanto vinculada às ações descritas acima;

- PLAYTEST - teste interno, feito no LAP, e os participantes jogam e usam os materiais, dando sugestões para melhorias e analisando regras, interface gráfica, e no caso de jogos, sua "jogabilidade" e "mecânica". Entretanto, o playtest, no caso de jogos de alfabetização, precisa considerar suas limitações pelo fato de que é testado por adultos alfabetizados e, por isso mesmo, a etapa da avaliação junto ao público visado torna-se ainda mais importante. É importante também criar situações com outros jogadores, que não os "criadores", para termos uma perspectiva diferente, de quem não está mergulhado na criação do jogo (outros estudantes, por exemplo). Como as oficinas de criação de novos recursos aconteceram, até agora, em situações informais, essa etapa também foi desenvolvida informalmente por bolsistas e estudantes voluntárias das ações de pesquisa e extensão do LAP. A ideia é incrementarmos as propostas de criação e podermos consolidar mais essas etapas que envolvem a criação de novos recursos didáticos.

- Produção do PROTÓTIPO 2 do recurso, se necessário. A partir do playtest, uma versão mais "arrumada" do recurso, visando à sua avaliação, deve ser produzida (se o protótipo 1 já for mais organizado e não houver modificações a serem feitas a partir do playtest, pode servir para a avaliação). Essa etapa vincula-se à etapa do playtest. Os recursos que já compõem os acervos do LAP, no entanto, são avaliados a partir de versões já produzidas do recurso, ou as versões confeccionadas por estudantes para seus acervos, em geral no contexto de oficinas de produção;

- AVALIAÇÃO do recurso. Trata-se do uso efetivo do recurso na sala de aula, com as crianças, considerando o contexto, o domínio das crianças do conteúdo e a articulação do recurso com outras estratégias. É, portanto, uma avaliação bem planejada, por vezes colaborativa, entre nossos/as estudantes e as regentes da turma. O LAP está desenvolvendo um Instrumento de avaliação, onde é registrado diversos aspectos da situação em que os recursos serão usados, desde as proposta prévias ao uso do recurso, o enquadre de sua proposta até os elementos observados durante o seu uso. O instrumento ajuda a compor esse contexto mais amplo, a delinear o que foi planejado de realizar com a turma que contextualiza o uso do recurso. A avaliação pode ser feita por estudantes em contexto de pesquisa e atividades de extensão ou pelas próprias regentes, sendo que o enquadre diferente é levado em conta na avaliação. Como se trata de recursos para alfabetizar, ou seja em contexto de ações didático-pedagógica, e também de contexto formativo, e não uma avaliação num enquadre de comercialização do recurso, a avaliação deve considerar esse contexto, sendo diferente de avaliações feitas em outros contextos de produção de recursos. 

- VALIDAÇÃO: se um conjunto de avaliações desse recurso, analisando-se os relatos e os registros das avaliações no instrumento, apontar suas possibilidades de uso produtivo, ele pode ser validado para determinado contexto. A validação leva em conta também outros fatores, como a revisão de aspectos pontuais, necessidade de indicação de alguma variante, ou uso diferenciado para diferentes perfis de alunos etc... A validação pode levar em conta também o olhar de outros especialistas.

- CONFECÇÃO: se o recurso for validado, um ou mais exemplares são produzidos para compor o acervo do LAP e ser mobilizado em contextos diversos, inclusive novas oficinas e ações em escolas;

- DIVULGAÇÃO: o recurso sendo parte do acervo do LAP deve ser divulgado em ações diversas, eventos, mostras, e em especial naquelas que envolvem o planejamento e desenvolvimento de estratégias didáticas incluindo esses recursos articulados a outras estratégias; 

REPLANEJAMENTO: caso a avaliação indique a necessidade de ajustes maiores no recurso, em suas regras ou uma necessidade de reformulação total da ideia, o recurso passa por novo planejamento e começa tudo novamente, pois se trata de etapas recursivas. A ideia pode também ser abandonada, caso se mostre infrutífera, ou reformulada na base, como transformar o tipo de recurso, mantendo a ideia do conteúdo e objetivo de aprendizagem (Ex. pensado como um jogo de tabuleiro e virar um jogo de cartas), ou manter a estrutura do jogo, mas mudar o conteúdo e o perfil ao qual se destina. Uma ideia pode ser replanejada ao limite de se tornar outro material.

Aproveito aqui posts do IG do LAP, para ampliar um pouco mais a ideia dessas etapas (clique nas imagens para ler com mais nitidez):





Fotos: IG @lap_faced


Uma publicação, que ainda demora, irá abordar mais detalhadamente essas etapas e procedimentos, bem como os referenciais que os embasam, ressaltando a avaliação, em especial, que constitui uma etapa importante e que, diferente da avaliação de jogos de entretenimento, envolve aspectos específicos ao campo de jogos didáticos e ao processo de alfabetização. A partir de referenciais e autores do campo do ensino da língua escrita, do estudo de jogos e do design de jogos, o instrumento de avaliação de recursos que está sendo elaborado no LAP, vem sendo "calibrado", para ele mesmo ser validado, em processos mais informais de avaliação de alguns recursos que já compõem o acervo do LAP ou que já, visando a confirmar seu potencial e à sua validação. Geralmente são egressas do curso, participantes de oficinas e estudantes inseridas em alguma ação em escolas que têm feito essas avaliações para testar o instrumento. As situações de avaliação dos recursos no contexto do LAP foram, basicamente, desenvolvidas por: a) bolsistas no contexto da pesquisa que deu origem ao LAP; b) professoras da Educação Infantil e Ensino Fundamental, egressas do curso de Pedagogia da UFBA; c) outras professoras, de escolas públicas e privadas, que se dispuseram a contribuir com o LAP, avaliando os recursos em suas turmas, especialmente as que participaram de oficinas.

Vou postar aqui alguns desses recursos e seu processo de avaliação. Por ora, veremos processos em andamento, com algumas considerações que foram feitas no processo de avaliação em algumas turmas, poucas ainda. Os materiais desenvolvidos ou inseridos no contexto do LAP, escolhidos aqui para a ilustrar o processo de avaliação, foram: o jogo Trava-línguas Faltando Vogais, os materiais Adivinha 4 opções, Adivinhas embaralhadas e Quadrinhas Troca-rimas, e o jogo Trave o Trava-língua. 




Fotos: acervo pessoal

Conforme tenho discutido em diversas ocasiões, venho afirmando a tradição oral como um repertório muito favorável para a alfabetização – em especial para o desenvolvimento da consciência metalinguística, abrangendo gêneros formulares diversos, cuja função primordial é brincar e brincar com a linguagem. Por suas características sonoras e rítmicas, tornam-se privilegiados para a reflexão fonológica envolvendo diversas unidades da língua: rimas, sílabas, unidades intrassilábicas, aliterações, fonemas. Desde que sejam asseguradas a performatividade oral própria a esses gêneros (ZUMTHOR, 1997) e suas funções lúdica e poética, tornam-se também, quando escritos, contexto significativo e produtivo para as primeiras leituras e para a apropriação do funcionamento da notação da língua, por sua natureza de texto poético que se sabe de memória e se memoriza para brincar. 

Por fim, é importante ressaltar que o uso dos recursos nas situações de avaliação, assim como na ação docente, envolve outros encaminhamentos além do momento específico de apresentá-los às crianças, que vão desde o planejamento considerando o perfil da turma e os conhecimentos necessários para jogar, até as propostas prévias, mas que contextualizam a apresentação do recurso. Lançar mão do recurso implica em momentos anteriores de sensibilização e familiarização quanto às habilidades visadas, às consignas envolvidas e, no caso do contexto da tradição oral, familiarização com o repertório, inclusive porque a proposta é que a reflexão linguística se dê na continuidade das práticas brincantes. Ganhar traquejo com a situação de reflexão sobre a língua oral, nem sempre presente na escola, é também parte dessa etapa. Considerações sobre esses aspectos devem constar no registro do processo de avaliação, pois essas explorações prévias incidem na situação de uso do recurso. No caso da tradição oral, essa sensibilização e familiarização inicial inclui brincar com os textos oralmente, como cultura lúdica e prática de oralidade, se familiarizar com o repertório, por vezes inclusive memorizá-los - pois, além da memorização ser, muitas vezes, condição para brincar, as propostas a partir de alguns materiais podem exigir sabê-los de memória. A depender da turma, esse momento prévio pode ter maior ou menor duração. 

Quando da apresentação do material, é preciso ainda garantir o conhecimento das imagens que, eventualmente, figuram no material, bem como o léxico usado - esses são outros aspectos que precisam ser protocolados antes das situações de aprender a usar os recursos, valendo, igualmente, para as situações de avaliação.  

Bom, mas vamos a eles! Nem todos esses recursos são propriamente jogos, mas materiais estruturados para a reflexão linguística com propostas lúdicas, além de serem atrelados, de qualquer modo, a um contexto lúdico referente ao próprio repertório brincante. São, assim, materiais ludopedagógicos. 

Iniciaremos as postagens por materiais que contribuem com avanços na fase de fonetização da escrita e na apropriação inicial de sua base fonológica, até os que abordam o funcionamento propriamente alfabético da notação da língua. 

Assim, os posts seguintes contam algumas coisinhas sobre o processo de avaliação desses materiais, de forma bem informal ainda,  nessa ordem:

  • Quadrinhas troca-rimas
  • Adivinha 4 opções
  • Trava-línguas Faltando Vogais
  • Adivinhas embaralhadas 
  • Trave o Trava-língua

Clique no link de cada um (atualizarei aqui a cada vez que postar) e veja os apontamentos iniciais do seus processos de avaliação. 

2 comentários:

  1. Muito bom! Toda faculdade de Educação devia ter um laboratório.
    Aguardando os próximos posts.
    Neila

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    1. Olá, Neila... Pois é. Algumas já têm laboratórios ou iniciativas semelhantes. Vamos mapear tais propostas no contexto de uma pesquisa em rede e quem sabe, nossa Rede AlfaLABS não incentive o surgimento de novos laboratórios, não é?
      Os próximos posts virão!

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